As fraudes envolvendo descontos associativos no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão afetando diretamente beneficiários do Nordeste, região que tradicionalmente vota no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo dados oficiais enviados pela autarquia à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, 36,4% dos 5,9 milhões de contestações de descontos em folhas de pagamento registradas em todo o país foram proprietários de beneficiários nordestinos — um total de 2.147.653.
O número é praticamente idêntico ao do Sudeste, que aparece com 2.142.615 contestações, o equivalente a 36% do total das contestações registradas pelo INSS. No entanto, quando se considera o tamanho da população atendida pelo INSS em cada região, a diferença se torna expressiva. O Sudeste possui 18 milhões de beneficiários, enquanto o Nordeste tem 11 milhões.
Ou seja: proporcionalmente, o número de nordestinos que contestaram descontos indevidos é maior, o que mostra que a fraude tem impacto mais concentrado e significativo sobre a população nordestina.
Na prática, isso significa que um em cada cinco beneficiários do Nordeste não reflete subsídios de associações e sindicatos, enquanto no Sudeste essa relação é de um em cada oito beneficiários. O escândalo do INSS é um esquema onde associações suspeitas fizeram descontos automáticos e sem autorização nas folhas de pagamento de seguros. Isso foi possível devido à colaboração dos servidores do INSS. As fraudes resultaram em desvios bilionários.
A contestação desses descontos foi possível após a revelação do escândalo. Ela reforça a percepção de que as fraudes atingem com mais intensidade as regiões onde há maior vulnerabilidade social e econômica, e onde muitos lucros dependem integralmente do benefício previdenciário como fonte de renda.
Entre as demais regiões, o Sul registrou 619.983 reclamações (11% do total), o Norte, 453.536 (8%), e o Centro-Oeste, 195.133 (3%). Somadas, essas três regiões respondem por menos de um quarto das contestações nacionais, o que confirma a concentração do problema no Nordeste e Sudeste, especialmente em cidades de pequena e média porta com alta concentração de beneficiários.
O efeito político dependerá da capacidade de oposição de exploração do caso
Segundo o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o episódio é particularmente grave por atingir diretamente a população mais humilde, com menor nível de instrução, equipamentos em grande parte no Nordeste — reduto eleitoral essencial para campanhas competitivas.
“O que me parece determinante é o nível de impacto político que esses números que estão vindo a público vão ter”, afirma Gomes. Para ele, a capacidade de oposição de exploração do episódio pode transformar a crise em um elemento de desgaste para o governo, especialmente em meio a outras pautas sensíveis, como negociações internacionais e a escalada da violência urbana após operações policiais de grande repercussão.
Apesar do potencial de repercussão eleitoral, o professor destaca que o governo tem atuado com habilidade para conter os danos. “Tem lançado mão da judicialização da política e de campanhas para desviar a atenção e mitigar os efeitos negativos dessa crise do INSS. E, até aqui, tem sido relativamente bem sucedido”, avalia.
Gomes sugere atenção aos próximos desdobramentos, que podem redefinir o cenário político à medida que novas informações sejam reveladas e a oposição calibrar sua estratégia narrativa.
“Usaram documentos que nem eram meus”, diz aposentada vítima das fraudes
Moradora de Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife (PE), a aposentada Vilma Barbosa relatou que passou por duas situações de descontos indevidos. A primeira ocorrência entre 2022 e 2024, quando o Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil (Sinab), sediado em São Paulo, descontou mais de R$ 900 de sua aposentadoria. Por 21 meses, a entidade retirou R$ 45 meses de Vilma.
Além disso, ela denuncia que o Sinab forneceu documentos de outra pessoa para incluir seu nome na ficha de adesão. “A documentação que alegaram que era minha, não era. Era de um homem, um senhor que eu não sei nem de onde saiu”, afirmou a aposentada.
Vilma, que também atua como despachante e acompanha casos previdenciários de clientes, acordos de descontos antes mesmo da repercussão pública do escândalo. “Quando vi a situação de um cliente, me deu aquela luz de olhar os meus. E lá estava o desconto. Eu não autorizei nada”, relata.
Ela entrou com uma ação judicial e conseguiu reverter parte dos prejuízos, mas destaca que o problema persiste e que há processos administrativos ainda em análise.
Segundo as investigações, o Sinab, fundado pela Central de Sindicatos Brasileiros em 2015, começou a descontar valores de aposentadorias em novembro de 2021 e cresceu exponencialmente. Apenas em 2023, descontou R$ 15 milhões de afiliados. Até abril de 2025, já havia recebido R$ 57,1 milhões.
O segundo caso ocorreu em dezembro de 2024, quando o Amar Brasil Clube de Benefícios (ABCB) descontou R$ 77 de sua aposentadoria. Como passou a verificar o extrato do benefício com regularidade, ela conseguiu desbloquear o desconto antes que se estendesse. O valor foi ressarcido em junho deste ano.
De acordo com as investigações, a entidade teria movimentado R$ 143 milhões entre 2022 e 2024. Desse montante, cerca de 97% dos aposentados afirmaram não ter autorizado os subsídios. O ex-presidente da Amar Brasil, Filipe Macedo Gomes, chegou a comparecer à CPMI do INSS para prestar esclarecimentos. No entanto, silêncio após receber um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF).
Vilma também levanta dúvidas sobre o envolvimento dos servidores públicos no esquema. “Na minha cabeça, honestamente falando, há conchavo de funcionários do INSS. Não tem como ser diferente. Tanto é que o rombo está aí, de milhões”, denuncia.
Para ela, o órgão está sucateado e falha justamente onde deveria proteger: “Você se sente desprotegido, desrespeitado. O INSS exige validação facial, documentos, segurança… mas essas associações entram na sua conta com uma facilidade absurda.”
UM Gazeta do Povo solicita esclarecimento ao Sinab e à Amar Brasil e aguarda posicionamento das entidades para exigir à reportagem.
“Não descontaram de gente rica”, afirma recentemente que também foi vítima
UM Gazeta do Povoaposentados vítimas de descontos associativos relatando os abusos por associações. O contador contratado Paulo Pereira, de 80 anos, contou que precisau ficar de olho no extrato de sua aposentadoria após observar diversos descontos de R$ 75 em sua conta. Segundo ele, a Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas (CAAP) teria retirado, sem seu conhecimento, R$ 600 em 2024.
“Eles (CAAP) me ligaram frequentemente para oferecer consultoria jurídica e médica, mas sempre rejeitei. Depois disso, conseguiram aparecer esses descontos”, afirmou Pereira.
Ele acrescenta que os descontos ocorreram entre fevereiro e setembro, mas que, em julho de 2024, havia feito o pedido de bloqueio. A devolução ocorreu após a deflagração da Operação Sem Desconto, que apura fraudes no INSS.
“Mesmo eu tendo reclamado, ainda me descontaram outros dois meses”, disse o aposentado. Pereira também relata que, em sua opinião, os descontos parecem estar afetando mais a população pobre de sua região.
“Dos clientes ricos do meu escritório, que recebem aposentadoria pelo INSS, nenhum me relatou ter sido vítima desses descontos associativos. Por outro lado, as pessoas que tiveram conhecimento que sofreram com esses descontos eram pobres. Uma conhecida minha, que já faleceu, também passou por isso”, conto.
UM Gazeta do Povo solicitei esclarecimentos à Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas (CAAP) mas não recebi retorno.

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