O PL antifacção, atualmente proposto na Câmara, ganhou novo formato com o substitutivo apresentado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP) ao projeto original do governo Lula. A proposta suporta penas, amplia a discriminação para a progressão do regime e restringe os benefícios para membros de organizações criminosas. Mas, apesar do rigor maior após as reportagens, o texto não mexe no funcionamento das audiências de custódia — onde hoje ocorre a maior parte das decisões sobre liberdade provisória. Por isso, mesmo com avanços na execução penal, o substitutivo não resolve o problema imediatamente do “prende e solta” de crimes.
A proposta de persistência contra organizações criminosas promove mudanças na etapa de execução penal, elevando penas e restringindo benefícios. Mas ela não extingue nem altera a audiência de custódia, mecanismo no qual o juiz decide sobre a legalidade da prisão em flagrante e pode, quando cabível, a liberdade provisória. Assim, permanece a possibilidade de que presos em flagrante sejam liberados antes do julgamento, mesmo nos crimes abrangidos pela proposta. O texto, contudo, veda o livramento condicional em determinados crimes ligados a facções e limita a progressão de regime.
Com isso, o problema associado ao “prende e solta” — frequentemente atribuído às audiências de custódia — deve continuar. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que 41% dos presos em flagrante são liberados nesse ato. Como o tráfico de drogas é o crime mais comum entre os flagrantes, as facções acabam sendo impactadas por essas decisões.
Ao apresentar seu projeto substitutivo ao enviado pelo governo Lula, Derrite chegou a aventar a possibilidade de eliminar a liberdade provisória, mas não incluída o dispositivo, afirmando que a disposição seria inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou inconstitucionais, em mais de uma ocasião, tentativas legislativas de restrições à liberdade provisória — como na Lei de Crimes Hediondos e na Lei de Drogas.
O substitutivo, porém, tenta reduzir a reincidência e dificultar retornos rápidos às ruas ao suportar os critérios para progressão de regime e aumentar as penas. O texto também define que não pode receber indulto os crimes relacionados à atuação de organizações criminosas, como ataques a instituições públicas e domínio territorial por facções.
O PL antifacção, originalmente proposto pelo governo federal e reformulado por Derrite, cria o “Marco Legal do Combate ao Crime Organizado Ultraviolento”. Ele altera a Lei 12.850/2013 (organizações criminosas), o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal. As penas para crimes garantidos ao crime organizado podem chegar de 20 a 40 anos, além de prever instrumentos mais robustos para bloquear e apreender bens dos envolvidos (constrição patrimonial), inclusive de bens digitais. Hoje, a organização criminosa tem pena de 3 a 8 anos, e tráfico de 5 a 15 anos.
O texto também altera a progressão de regime: condenados por crimes de organizações criminosas poderão precisar cumprir entre 70% e 85% da pena para mudar de regime. Atualmente, a progressão pode ocorrer quando o réu é primário e tiver cumprido 16% da pena, e chega a 70% em situações específicas, como quando o crime resulta em morte.
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A decisão de liberdade provisória pode ocorrer na audiência de custódia, na qual o preso deve ser apresentado a um juiz em até 24 horas após o flagrante. Nela, o magistrado avalia a legalidade da prisão, possíveis abusos, necessidade da prisão preventiva e medidas cautelares alternativas. Nessa etapa o juiz não avalia o mérito do crime.
Para o ex-capitão do Bope Paulo Storani, a aparência do “prende e solta” decorre de uma cultura jurídica garantidora, que priorizaria os direitos individuais mesmo diante da periculosidade. Ele critica a audiência de custódia e afirma que ela desconsidera a reincidência e a gravidade do crime e se limita às questões formais.
Já o advogado criminalista Matheus Herren defende o mecanismo e argumento que é essencial para coibir abusos e ilegalidades. Segundo ele, em crimes graves, incluindo os enquadrados no PL antifacção, é comum que a prisão preventiva seja decretada com justiça em audiência de custódia, após manifestação do Ministério Público. Para Herren, esse aspecto é ignorado por discursos que pedem o fim do instituto.
Embora não altere a audiência de custódia, o PL estabelece que o inquérito seja concluído em 30 dias para réus presos e 90 dias para soltos, prorrogáveis. E determinar que o descumprimento de prazos não gera liberdade automaticamente, devendo o juiz avaliar cada caso.
As audiências de custódia passaram a ser inovadoras pela resolução do CNJ, como cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Cívis e Políticos e da Convenção Americana de Direitos Humanos. Em 2015, o STF, ao julgar a ADI 5240 e a ADPF 347, reforçou sua obrigatoriedade. Em 2019, o “Pacote Anticrime” incluía expressamente o instituto no Código de Processo Penal.
Segundo a advogada Carolina Siebra, o STF costuma limitar leis que tornam mais severas as regras para crimes graves, como os hediondos. “Entendo que o Parlamento deveria promover a inclusão da negativa geral de liberdade provisória para criminosos faccionados, para que esse tema volte a ser pautado no STF com a seriedade que o caso exige”, opina.
Endurecimento penal do PL antifacção limita progressão de regime
Entre os eixos centrais do texto de Derrite, o deputado destaca o fortalecimento da execução penal, com ampliação do uso de presídios federais de segurança máxima para líderes de facções, para dificultar a comunicação e o comando de dentro das prisões. Ele argumenta que o principal desafio é garantir que as penas já previstas sejam efetivamente cumpridas.
Nesse sentido, o texto propõe novos percentuais para progressão de regime:
- 70% da pena: para condenados por crime hediondo ou equiparado, réus primários.
- 75% da pena: para condenados por exercício de comando individual ou coletivo em facções.
- 85% da pena: para reincidentes em crime hediondo ou equiparado que resultem em morte.
Nos dois últimos casos, o livramento condicional é proibido – possibilidade de o condenação cumprir o restante da pena em liberdade, sob condições.
Storani critica a atual execução penal e afirma que, com percentuais menores, “criminosos retornam rapidamente às ruas e até mesmo são monitorados positivos”.

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