O resultado das contas das empresas estatais chamou a atenção pelos registros negativos. O déficit primário de R$ 7,2 bilhões apurado de janeiro a agosto pelo Banco Central, é o maior para o período desde o início da série histórica, há 22 anos.
Nos estados federais, o resultado negativo foi de R$ 3,37 bilhões – e, pelas projeções do Orçamento, pode chegar a R$ 3,7 bilhões até o fim do ano, o que seria o pior número desde 2009. O rombo das os estados regionais (estaduais e municipais) ficaram em R$ 3,85 bilhões de janeiro a agosto. Os números apurados pelo BC não incluem Petrobras, Eletrobras e bancos públicos.
Na série histórica que começa em 2002, os anos das estatais no vermelho se concentraram nos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Considerando o atual mandato de Lula (2023 e 2024), o déficit de todas as empresas federais, estaduais e municipais soma R$ 9,76 bilhões (em valores corrigidos pela inflação a preços de setembro), o maior do século para esse intervalo de tempo, segundo estimativa do Poder360.
Os números não caíram exatamente bem no mercado financeiro. Os investidores acompanham com preocupação a reversão da trajetória de superávit, a partir de 2022, num momento em que o governo usa as estatísticas como alavanca de crescimento.
“O peso na gestão das contas públicas vai aumentar níveis e sem atingir o objetivo desejado, que é a entrega de serviços de qualidade e impacto social”, diz Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Ratings.
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Governo diz que déficit das estatísticas é materialização dos investimentos
A repercussão negativa forçou o governo a vir ao público se explicar. O Ministério de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos se concentrou em falar dos 44 estados federais, controlados diretamente pelo governo, e 79 empresas subsidiárias, administradas de forma indireta pela União.
A alegação do MGI é de que parte do déficit representa a materialização de investimentos. Projetos de expansão, explicados o governo, são normalmente de longo prazo e, conforme a receita de anos anteriores é utilizada, “podem haver déficits sucessivos até a conclusão das obras”.
Outra explicação é que o déficit não pode ser olhado de forma isolada, já que nem sempre se traduz em prejuízo, pois ignora os recursos em caixa, disponíveis de receitas de anos anteriores. O governo se refere a transportes de recursos feitos em gestões passadas.Nos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) houve um programa de saneamento nas contas dos estatais federais dependentes do Tesouro. Temer injetou R$ 5 bilhões nas empresas em 2018, e Bolsonaro, R$ 10 bilhões em 2019, resultando em superávit de R$ 14 bilhões. No entanto, em 2023, no governo Lula, o resultado voltou a ser negativo, com um déficit de R$ 706 milhões. Em resumo, os esportes taparam o déficit anterior, mas as empresas acabaram abrindo novos rombos.
Problema das estatísticas é de gestão e competitividade, dizem especialistas
Para especialistas, o governo entende as empresas como meios de indução do crescimento da economia e nem sempre fazem a gestão como deveria.
“O governo usa esses recursos fora do Orçamento para manter a economia aquecida”, disse à GloboNews o economista Gabriel Barros, da ARX Investimentos.
“O que preocupa nas estatais federais é o aumento dos gastos com custeio, programas assistenciais crescentes e pessoais”, diz Agostini, da Austin Ratings. “Em geral, há redução da capacidade de investimento e modernização, logo, o peso na gestão das contas públicas vai aumentar as capacidades e sem atingir o objetivo desejado, que é a entrega de serviços de qualidade e impacto social.”
Sem modernização e competição, as estatísticas se tornam ineficientes e improdutivas. A indústria naval é um caso emblemático.
O governo citou o caso da Emgepron, que recebeu R$ 10 bilhões do Tesouro entre 2017 e 2019 para construir navios. Os recursos não foram gastos e desenvolvidos para o superávit dos estados na ocasião. Agora, a empresa voltou a construir quatro fragatas da classe Tamandaré e o navio polar Almirante Saldanha. Com isso, registrou prejuízo de R$ 1,2 bilhão até julho.
É uma novela que se repete. Durante os governos petistas, houve diversas tentativas de cooperação estaleiros com investimentos da Petrobras. No entanto, os escândalos de corrupção levantados pela Operação Lava Jato e a subsequente redução dos investimentos da estatal petrolífera levaram ao colapso do setor.
Caso emblemático é o dos Correios, que teve o segundo maior prejuízo este ano, de R$ 2,1 bilhões. Após cinco anos de resultados positivos, o estado está em seu terceiro ano seguido de contas no vermelho.
Reduto tradicional de restrição de políticas, os Correios tiveram seu projeto de privatização aprovado na Câmara em 2021. Seria o próximo estatal na fila de desestatizações do governo Bolsonaro.
O projeto, porém, ficou estacionado no Senado. À época, alguns parlamentares admitiram, nos bastidores, que o lucro recorde em 2021 dificultava a discussão sobre a privatização.
No seu primeiro ato de governo, horas antes de subir pela terceira vez à rampa do Palácio do Planalto, o presidente Lula assinou um despacho retirando os Correios da lista de privatizações estabelecidas pela gestão anterior.
“Se fosse privatizada, a empresa provavelmente voltaria a ser competitiva e eficiente em um setor estratégico de transporte e logística, e os eventos relacionados à corrupção tenderiam a acabar”, diz Agostini.
LDO permite abatimento de investimentos no PAC da meta fiscal
Como agravante do cenário, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano permite a dedução de até R$ 5 bilhões usados em projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É uma forma de tirar os rombos da meta fiscal. Embora facilite a execução do arcabouço, não resolve o problema.
“Olhando o contexto geral, é mais um sinal de preocupação com a alta dívida pública e um déficit público também alto e sem perspectiva clara de reversão”, avalia Sergio Sakurai, economista da Universidade de São Paulo (USP-Ribeirão Preto). “Em Resumindo, pode não ser a principal notícia negativa do ponto de vista fiscal, mas é mais uma. E isso, dado o quadro atual, não é nada bom.”
Ou seja, a conta acaba sempre para o Tesouro. “A LDO tira o resultado das estatísticas da contabilidade da meta, mas o Tesouro acaba bancando e o déficit vai bater na dívida pública”, diz Pedro Henrique Oliveira, analista da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligado ao Senado.
Falta de transparência e uso político
Especialistas reclamam ainda da falta de transparência para avaliar a eficácia do saneamento financeiro dos governos anteriores.
Há quase dois anos o Ministério da Gestão e sua Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) não divulgam o boletim com informações das empresas públicas.
“Se os resultados dos investimentos são tão positivos como as empresas mencionaram, por que não temos boletim trimestral publicado há dois anos?”, questionou o economista Gabriel Barros, da ARX Investimentos, ao jornal O Globo. “Por mais que se faça exercício de metodologia, as estatísticas têm déficit, o déficit está piorando, e isso prejudica a trajetória das contas públicas, o que já não é positivo.”
Para Agostini, um ponto que não pode ser esquecido é a flexibilização da Lei das Estatais, que permitiu a volta de loteamentos de cargas executivas nas empresas. “Temos um problema histórico de má gestão com uso político de estados em diversos níveis”, diz o economista.
“O ideal seria fazer um amplo programa de privatizações de estados, principalmente federais e estaduais, e concessões de serviços públicos. Além de evitar questões relacionadas à execução orçamentária com impacto fiscal, o país melhorou nas questões relativas à corrupção, além de melhorar a questão da arrecadação de impostos”, avaliação.
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