O Senado instala na próxima terça-feira (4) a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado, autorizada pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), como resposta à comoção gerada pela Operação Contenção, deflagrada pelas polícias do Rio de Janeiro, na última terça (28), para enfrentar o Comando Vermelho.
Proposta pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), a nova CPI terá como objetivo investigar a estrutura, a expansão e o financiamento de facções e milícias em todo o país. Além disso, em conformidade com a justificativa do pedido de criação, a comissão buscará apurar a infiltração dessas organizações em instituições públicas e o uso de esquemas de lavagem de dinheiro para sustentar a rede criminosa.
O tema será retomado no Congresso após 25 anos. A CPI do Narcotráfico, encerrada em 2000, tomou mais de 350 depoimentos, produziu um relatório de 1.200 páginas e indiciou mais de 800 pessoas, incluindo empresários, juízes e políticos.
O relatório revelou infiltração de tráfico de drogas em estruturas estatais e lavagem de dinheiro por meio de empresas e campanhas eleitorais, mas teve impacto prático limitado — poucos foram condenados.
Duas décadas depois, o cenário se agravou, na visão do senador Magno Malta (PL-ES), que aconteceu naquela CPI. Ele observa que o crime organizado não se limita mais ao narcotráfico, tendo se expandido para um domínio territorial e financeiro específico. Facções e milícias se transformaram em conglomerados criminosos que atuam em setores como combustíveis, garimpo ilegal, transporte alternativo e internet clandestina.
O senador diz que, naquela época, já alertava para a infiltração do crime organizado na política “financiando campanhas e dominando territórios”. “Fui ignorado, atacado e desacreditado. Hoje o tempo provou que eu tinha razão. O que era facção virou organização criminosa estruturada. Então, não foi a CPI que falhou. Quem falhou foi o Estado, que sabia o que queria ser feito e não fez.”
Malta afirma que uma nova CPI será necessária para investigar o “narcoterrorismo institucionalizado, com o aval do poder”. “A Suprema Corte chama cristão e patriota de terrorista, mas trata o crime como coitado da sociedade. O desgoverno Lula flerta com o crime, humilha as forças de segurança e finge não ver o terror que as facções impõem ao povo”, acrescentou.
Para analistas de segurança pública entrevistados nesta reportagem, a diferença fundamental é a complexidade econômica. Se a CPI de 2000 diagnosticou corrupção, a atual precisará desmantelar uma rede corporativa criminosa de maior vulnerabilidade.
CPI apontou diagnóstico e soluções para crise na segurança
Para o autor do pedido, o senador Alessandro Vieira, o Brasil vive um ponto de inflexão com o “domínio completo de facções criminosas”, por isso ele defende “um pacto nacional em torno de diagnóstico e soluções para a crise de segurança pública”.
Cotado para ser relator da CPI, Vieira insiste que a comissão deve ser técnica e apartidária. “Essa tragédia tem solução, mas vai exigir coragem, conhecimento técnico, espírito público e união entre municípios, estados, União e sociedade civil. Não é pauta eleitoral, é urgência nacional.”
Durante os desdobramentos da megaoperação fluminense, em que o governador Cláudio Castro (PL-RJ) afirmou que o estado teria agido sozinho contra o Comando Vermelho, o governo federal rebateu as acusações. Mas, posteriormente, a Polícia Federal admitiu que foi consultada para participar, mas recusou.
Vieira afirma que essa falta de coordenação entre as autoridades será um dos alvos da CPI, que pretende ouvir também experiências de segurança pública de outros estados que deram certo e que podem servir de exemplo no país.
“Vamos trazer autoridades como secretários, técnicos e governadores de estados que estão atuando, tanto no Brasil como fóruns de combate à criminalidade violenta que deram certo. Essas respostas a CPI devem se alinhar e, com esse conjunto, fornecer ao Brasil um endereçamento de encaminhamentos, como reforço orçamentário expressivo, plano nacional de segurança verdadeiro, integração na situação de prevenção e repressão, e ela não precisa de PEC”, afirmou.
A comissão deve se concentrar em cinco eixos:
- Estrutura e funcionamento das facções e milícias;
- Fontes de financiamento e lavagem de dinheiro;
- Infiltração do crime em órgãos públicos e empresas;
- Falhas de cooperação entre forças de segurança;
- Propostas legislativas para modernizar o combate ao crime organizado.
O senador Marcos do Val (Podemos-ES), que após um afastamento retornará ao Senado para integrar a CPI, está confiante no aprofundamento das investigações. “A CPI do Crime Organizado não será palco de discursos vazios. Vamos expor os bastidores da corrupção, enfrentar os poderosos e romper o silêncio imposto pelo sistema. Nenhum crime de colarinho branco está a salvo”, escreveu nas redes sociais.
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Senadores criticam “jogo desigual” e cobram integração entre poderes
Integrante da CPI, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) defendeu a união das forças de segurança e alertou que a falta de integração entre entes federativos agravou a crise. Ele citou uma violência crescente no Ceará, comparando-a à situação do Rio de Janeiro.
“O que está acontecendo com o Ceará já se compara ao Rio de Janeiro. Podemos ver a situação se agravar. Pedi intervenção federal ao governo Lula e, desde março, não houve resposta. A presença da Força Nacional seria essencial para restabelecer uma sensação mínima de segurança”, declarou.
Já o senador Sérgio Moro (União-PR) vê na CPI a chance de construir um diagnóstico profundo da infiltração das facções nas instituições. “Não podemos ignorar o que está acontecendo. O Brasil está em guerra contra o crime organizado. Esse conflito no Rio de Janeiro é ilustrativo do tamanho do problema”, declarou.
Segundo Moro, a comissão precisa avaliar o poder financeiro e político das facções, especialmente nos setores de economia paralela e lavagem de dinheiro.
“É possível avançar. Não há soluções mágicas, mas a CPI pode ser um fórum adequado para que o Senado dê uma resposta eficaz e concreta”, reforçou.
Em discurso no plenário do Senado, o senador Confúcio Moura (MDB-RO), afirmou que existe um “jogo desigual” entre as polícias e o crime organizado — por conta da tecnologia e da burocracia. “O Comando Vermelho se expandiu como uma rede empresarial, conectada, com ramificações interessantes e até internacionais. O crime era com progressão e inteligência financeira, movimentando valores vultosos que o Estado ainda não consegue rastrear”, disse.
Especialista aponta “complexidade econômica” do crime como prioridade da CPI
O cientista político João Henrique Martins, consultor e pesquisador de políticas criminais, avalia que a CPI pode ser um ponto de partida para uma reforma estrutural do sistema de justiça criminal, se mantiver uma visão técnica e não ideológica.
“Uma CPI tem instrumentos para auxiliar a reforma do sistema de justiça criminal no Brasil. Essa reforma — que envolve a legislação penal, o sistema prisional e a política criminal — é o tema mais importante do país hoje, mais até do que a economia ou a polarização política. Dela depende de vidas e o futuro da civilidade no Brasil”, disse.
Martins defende que a CPI vá além da retórica e crítica o que chama de “visão completamente deturpada e anticientífica” que foca em aspectos ideológicos ou folclóricos das facções. Para ele, o cerne da questão é puramente econômico, e o IPC deve demonstrar isso.
“O crime organizado é, acima de tudo, um grande negócio ilícito, movido por lucro e poder. Se a CPI de técnica e profunda, pode indicar as raízes econômicas e legais dessa estrutura e até pautar as próximas eleições. Mas, se por mais um debate ideológico, perderemos outra oportunidade de enfrentar o principal problema da nossa geração”, complementou.
Já o jurista Fabrício Rebelo, pesquisador em segurança pública, avaliou que a instalação da CPI reflete mais um gesto do político que técnico.
“A instalação neste momento transparece muito mais uma opção política, uma resposta ao que ocorreu no Rio de Janeiro, para dar a ideia de que os parlamentares estão preocupados com a segurança e usar isso nas campanhas que se avizinham”, disse.
Ao comparar com o IPC anterior, Rebelo cita que o resultado deve ser o mesmo. “Provavelmente, veremos o mesmo da CPI do Narcotráfico: muito barulho, entrevistas e efeitos nulos. Sem mecanismos eficazes para que as violações sejam presas e assim permaneçam, tudo fora disso é pirotecnia midiática”, explicou.
E ele ainda questionou se o Senado terá disposição de ir até o fim e aprofundar as investigações no poder público e na política.
“A questão crucial é se houver necessidade política para investigar as ligações dentro das instituições e da política. Se houver, é só seguir o dinheiro. Mas esse caminho pode trazer revelações incômodas à própria estrutura de poder”, concluiu.
Veja quem são os membros já definidos para a CPI do Crime Organizado:
Titulares
- Alessandro Vieira (MDB/SE)
- Sérgio Moro (UNIÃO/PR)
- Marcos do Val (PODEMOS/ES)
- Otto Alencar (PSD/BA)
- Jorge Kajuru (PSB/GO)
- Flávio Bolsonaro (PL/RJ)
- Magno Malta (PL/ES)
- Rogério Carvalho (PT/SE)
- Jaques Wagner (PT/BA)
- 2 Vagas não preenchidas ou não identificadas na fonte
Suplementos
- Márcio Bittar (PL/AC)
- Eduardo Girão (NOVO/CE)
- Fabiano Contarato (PT/ES)
- 4 Vagas não preenchidas ou não identificadas na fonte
A CPI do Crime Organizado, que será composta por 11 membros titulares e 7 suplentes, terá 120 dias para concluir os trabalhos de investigação, a partir de sua instalação na próxima terça-feira (4).
Caberá ao colegiado analisar o modus operandi das organizações criminosas, suas condições de desenvolvimento em cada região e suas estruturas de tomada de decisão. Ao final, a CPI deverá apresentar um relatório conclusivo com indiciamentos e propostas concretas de mudanças na legislação para o combate ao crime organizado no país.
PT não apoiou a criação da CPI do Crime Organizado
Embora a CPI tenha reunido assinaturas de 31 senadores, o PT não aderiu ao pedido de criação. O partido alega “sobreposição de temas” com ações já conduzidas pelo Executivo, como a PEC da Segurança Pública, em tramitação na Câmara dos Deputados. Apesar disso, o colegiado já conta com três senadores da base governamental: Jaques Wagner (PT-BA), Rogério Carvalho (PT-SE) e Fabiano Contarato (PT-ES).
Pela rede social, Jaques Wagner defendeu o “desmonte do financiamento do crime organizado” como prioridade. Ele citou como exemplo o “centro financeiro de São Paulo, que tinha ligação com o PCC” – referência à Operação Carbono Oculto, equipamentos em São Paulo, que investigou envolvimento da facção no setor de investimentos, com braços no setor financeiro –; e a Operação Primus, na Bahia, que estourou um “esquema que já bloqueou mais de R$ 6,5 bilhões” – uma investigação é conduzida pela Polícia Civil do estado e também investigação ramificação do PCC no controle de postos de gasolina.
“Nós temos que focar não em uma operação de guerra, mas estourar o bolso de quem financia o crime. Por isso a importância de aprovar a PEC da Segurança, proposta pelo governo, e combinar inteligências”, escreveu.

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