A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na manhã de sábado (22), por determinação do ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) teve caráter preventivo e não foi decretada para o cumprimento da pena de 27 anos de reclusão pela suposta tentativa de golpe. Mas, para juristas ouvidos pela reportagem, a medida pode se transformar em prisão definitiva em breve.
A prisão preventiva decorre, segundo Moraes, da convocação de uma vigília de oração por parte do senador Flávio Bolsonaro e também porque, para o ministro, havia mencionados de um suposto risco de Bolsonaro fugir para uma embaixada e frustrar a execução de sua pena. O ex-presidente foi mantido em prisão domiciliar, decretado no inquérito que investiga uma suposta coação à Justiça do filho, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), para impedir o avanço do processo da suposta trama golpista. Apesar de não ter sido indiciado no inquérito, Jair Bolsonaro foi trancado em casa por decorrência dele.
Segundo a PGR, Eduardo teria atuado nos Estados Unidos para pressionar autoridades americanas a adotar medidas que criassem instabilidade institucional e prejuízos econômicos ao Brasil, com o objetivo de coagir ministros do STF e influenciar o julgamento da tentativa de golpe que envolve seu pai. Entre os atos citados estão relacionados à suspensão de vistos de ministros do Supremo e familiares, às avaliações econômicas ao país e ao uso da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes. Com a denúncia aceita pelo STF, Eduardo Bolsonaro se tornou réu neste mês.
Apesar de não ter relação com a notícia de Bolsonaro a 27 anos e três meses por tentativa de golpe de Estado, os temas podem se cruzar. O processo do golpe está na fase final de prazos recursais, perto do chamado trânsito em julgado, quando o condenado deve iniciar o cumprimento da pena.
“Assim, ele pode ter uma prisão preventiva que se refira a um inquérito transformado em prisão definitiva relacionada a outro processo, para o cumprimento da pena dos 27 anos”, afirma o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e comentarista político, Luiz Augusto Módolo.
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A manutenção da prisão preventiva foi colocada em apreciação dos quatro ministros da Primeira Turma em sessão virtual nesta segunda-feira (24) e teve quatro votos específicos, para que Bolsonaro siga detido.
O principal motivo para a manutenção, segundo os ministros, estaria na tentativa de violação da tornozeleira eletrônica, conciliada a um risco de fuga, infringindo medidas cautelares impostas à prisão domiciliar que vinha sendo cumpridas pelo ex-presidente desde agosto.
Especialistas apontam fragilidades na fundamentação apresentada. Para o constitucionalista André Marsiglia, a denúncia ou tentativa de violação da tornozeleira eletrônica não autoriza automaticamente a conversão da prisão domiciliar em preventiva. Ele afirma que o procedimento exige etapas formais e garantias que não foram observadas.
Segundo Marsiglia, mesmo diante de uma possível tentativa deliberada de romper o equipamento, o magistrado deveria seguir dois passos obrigatórios: intimidar a defesa para que pudesse oferecer esclarecimentos e demonstrar de maneira concreta que o episódio representaria risco efetivo de fuga.
O constitucionalista ressalta que a decisão citou afirmações que não configuraram provas objetivas de que Bolsonaro estava prestes a deixar o país. “Na decisão, não há qualquer acusação real de fuga, apenas ilações e conjecturas sobre embaixadas e atos de terceiros”, afirmou.
Em relação à convocação de uma vigília perto da residência de Bolsonaro, organizada pelo filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Moraes avaliou que uma mobilização de apoiadores poderia atrapalhar o cumprimento das medidas impostas e comprometer a ordem pública. “Uma vigília de orações não pode ser um fundamento para prisão. Não há crime nisso”, reforça o criminalista Márcio Nunes.
Moraes voltou a mencionar um suposto plano de Bolsonaro buscar asilo em embaixadas e relevantes na Argentina, elemento considerado relevante para avaliar o risco atual. O governo argentino, no entanto, sempre negou que tenha recebido qualquer pedido formal de Jair Bolsonaro.
Para Módolo, Jair Bolsonaro e outros réus poderiam ter usado o direito legítimo de pedir asilo em outros países, o que ele acredita que deveria fazer o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que está nos Estados Unidos desde setembro. “Isso poderia ocorrer como forma de pacificação e de preservação da própria integridade [dos réus]. No caso de Bolsonaro especialmente pela sua idade e pelas suas condições de saúde”, destaca.
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Inquérito do golpe suposto chega na reta final e pode ter trânsito em julgado nos próximos dias
Quanto ao inquérito do suposto golpe, o prazo para que a defesa de Bolsonaro e de outros réus do chamado Núcleo 1 apresente novos embargos à reportagem termina nesta segunda-feira (24). “Esse recurso permite questionar pontos da decisão, mas é quase nula a possibilidade de alteração da pena. Há sérios riscos de ele não ser coletado pelo relator [Alexandre de Moraes] se o enxergar apenas como uma medida protelatória, o que pode determinar o trânsito em julgado de imediato com a determinação do cumprimento da pena, saindo da preventiva para a definitiva”, completa Márcio Nunes.
Além disso, o criminalista não acredita que a prisão definitiva deva ocorrer na Superintendência da Polícia Federal, mas também descartou a possibilidade, por agora, de se tornar domiciliar. “Mais provavelmente seria a Papuda ou alguma instalação das Forças Armadas”.
Ele registrou que a Primeira Turma já rejeitou os primeiros embargos apresentados, os chamados de declaração. “Em tese, a defesa ainda pode recorrer com embargos infringentes, mas esse tipo de recurso costuma ser mais facilmente admitido quando há ao menos dois votos pela absolvição — o que não ocorreu no caso do ex-presidente, que teve apenas um dos cinco votos dos ministros da turma”, completa ao se referir ao posicionamento de Luiz Fux.
No caso do relator acolher os embargos infringentes, a Primeira Turma não terá um prazo específico ou estritamente analisado, mas os especialistas acreditam que ele seria colocado à votação da Turma em breve nos próximos dias. “A turma quer celeridade no processo, já provou isso, então se os novos embargos foram acolhidos, até a análise final não se concretiza o trânsito em julgado, mas não acreditei que Bolsonaro deixou uma preventiva até lá”, reforça Márcio Nunes.
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Risco de prisão de outros réus
Além do trânsito em julgado do chamado Núcleo 1, ao qual Bolsonaro e mais seis réus fazem parte, outros condenados no suposto golpe podem ser presos nos próximos dias. O general Walter Braga Netto, que integra o mesmo núcleo de Bolsonaro, já está preso desde dezembro do ano passado. O ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Ramagem teve sua prisão decretada por Moraes na semana passada depois de tornar público que o parlamentar está nos Estados Unidos desde setembro. No fim de semana, a esposa dele, Rebeca Ramagem, postou em uma rede social que eles foram aos EUA para “proteger a família”.
Para especialistas, a saída de Ramagem pode ter contribuído para a prisão de Bolsonaro e não se descartar que o mesmo possa ocorrer com outros réus, além dos integrantes do núcleo 1, que está com a fase de recursos mais adiantada. “Cada um dos quatro núcleos tem prazo de recurso diferente, se a Corte analisa que há risco de fuga de outros condenados, mas que ainda estão em prazos recursais, certamente haverá uma decretação do pedido de prisão”, avalia o especialista em Direito Penal, Matheus Herren Falivene.
Para o professor de Direito Constitucional Alessandro Chiarottino, será muito difícil prender Ramagem, uma vez que há uma tendência do governo dos EUA considerar a perseguição política e conceder asilo a ele. No entanto, o constitucionalista é mais um especialista a avaliar que, caso outros condenados estejam sob risco de fuga, podem ter a prisão decretada.
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