A proposta que prevê a contagem pública e o manual de votos foi aprovada nesta quarta-feira (11) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. No texto aprovado, o sistema de votação atual é suspenso, mas fica vedada a edição exclusivamente eletrônica no processo eleitoral. O texto torna obrigatória a contagem manual e pública dos votos de 5% das urnas de todo o país.
De acordo com a proposta, que ainda precisa passar pela aprovação do plenário da Câmara, haverá um sorteio público para selecionar as urnas eletrônicas que serão examinadas. A contagem dos votos dessas urnas ocorrerá na própria seção eleitoral dos membros da mesa receptora. O processo deverá ser acompanhado por representantes dos partidos políticos, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de outras entidades interessadas.
O relator da proposta, deputado José Medeiros (PL-MT), afirma que propôs que a contagem seja feita nas próprias descrições classificadas para tornar o processo mais ágil e evitar extravios. Além disso, o relator afirma que “a seleção selecionada das urnas para contagem manual serve como mecanismo de auditoria, permitindo a identificação de possíveis inconsistências entre os resultados eletrônicos e físicos”.
O texto aprovado não menciona o termo “voto impresso”, no entanto, aponta que o voto deve ser concretizado “fisicamente”, bem como veda a sua “representação puramente eletrônica”.
Além disso, ao prever o manual de contagem, deixa implícito que haja a impressão dos comprovantes, porém, não define como isso será colocado na prática. Um trecho do projeto sugere que novas regulamentações serão necessárias.
“Os instrumentos e meios escolhidos pelo serviço público para coleta e escrutínio de votos devem estar sujeitos aos direitos propostos nesta norma e aos princípios constitucionais, respeitados e preservados o poder do povo sobre o sufrágio universal”, diz o texto aprovado na CCJ.
Projeto tira poder do TSE para investigar irregularidades na contagem de votos
A proposta prevê ainda que uma eventual investigação sobre irregularidades no escrutínio (coleta e contagem) dos votos será realizada pela polícia judiciária e julgada na justiça comum. “Uma eventual investigação sobre a regularidade do serviço público de recolha e escrutínio de votos será realizada pela polícia judiciária sob jurisdição do juízo comum competente para controlo dos atos administrativos em geral”, diz outro trecho da proposta.
Sendo assim, um dos efeitos do projeto é limitado à competência da Justiça Eleitoral no processo eleitoral. A avaliação é do advogado Vladimir da Rocha França, professor titular de Direito Sdministrativo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e presidente da Comissão de Estudos Constitucionais, Legislação, Doutrina e Jurisprudência da OAB/RN. “Se [a proposta for] convertida em lei, é possível que se discuta a legalidade de um ato normativo da Justiça Eleitoral”, afirmou França.
Entenda como será o processo de contagem pública de votos
A proposta prevê que a suspensão manual será feita imediatamente após o encerramento do período de votação. Assim, a urna será aberta pela mesa receptora diante dos fiscais e cada voto será retirado individualmente do repositório e lido em voz alta. Em seguida, será apresentado pelo membro da mesa para exame visual e subsequente registro no boletim de urna.
Os resultados da contagem pública e sua comparação com os dados eletrônicos serão registrados em ata, assinados por todos os presentes, e disponibilizados ao público para consulta.
Caso seja verificada divergência entre os votos registrados por meio eletrônico e no manual de contagem, prevalecerá o resultado apurado no escrutínio público. Neste caso, uma nova amostragem, de 10% dos eleitorais do país, será selecionada, para novo escrutínio.
Se não houver nenhuma diferença ou questionamento sobre os resultados, fica vedada uma nova amostragem.
Após o fim do escrutínio, os votos deverão ser guardados em uma urna com lacre por um ano para eventualmente recontagens. Não há, no entanto, uma previsão sobre como e quem poderá pedir uma recontagem.
Texto da proposta aprovada desperta dúvidas sobre procedimentos
O processo previsto no projeto da contagem pública de votos despertou críticas e dúvidas sobre como funcionaria na prática. O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) questionou a votação da proposta. “A urna eletrônica é uma conquista democrática e civilizatória”, disse. “Não vejo o projeto como o fim do mundo, mas ele tem como substrato um ambiente de desconfiança na urna eletrônica”, criticou.
O texto não deixa claro, por exemplo, se o eleitor terá contato com o comprovante na hora do voto, podendo manuseá-lo diretamente ou se será inserido diretamente na urna. O relator esclareceu apenas que os votos físicos ficarão dentro da urna e que isso servirá para proteger as pessoas que poderiam ser coagidas a mostrar o comprovante de votação. A reportagem tentou contato com o deputado Medeiros para explicar esse ponto, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.
Outro ponto criticado é o fato de não ter sido previsto um prazo para implantação ou uma fase de testes para os novos procedimentos. O advogado Vladimir da Rocha França vê esta questão como um problema no texto.
“Não há previsão de um prazo para a implantação do novo sistema, tampouco o texto estabelece um período de testes ou uma implantação gradual”, ponderou França. Para ele, a fase de testes é importante especialmente para que a população se adapte aos novos procedimentos na hora da votação.
Apesar das críticas e dúvidas, na avaliação de França, o texto é coerente e congruente com o seu propósito de possibilitar a auditoria e viabilizar a contagem dos votos. O advogado pontua ainda que o texto preserva as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a proteção ao sigilo do voto.
Plenário da Câmara já rejeitou proposta de voto impresso
O tema do voto impresso e da contagem pública de votos já foi dado como encerrado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), em 2021. Na época, deputados desenvolvidos viram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 135/19) do Voto Impresso foi rejeitado em uma comissão especial e no plenário.
A participação ocorreu em meio a uma campanha do STF contra o voto impresso e do TSE para tentar aumentar a confiança das urnas, afastando os questionamentos sobre a inviolabilidade do voto e a transparência do processo eleitoral.
Passados quase três anos, deputados da oposição conseguiram emplacar o projeto de lei que retoma o debate. Diferentemente da PEC rejeitada que exigia a concordância de três quintos dos parlamentares, o projeto de lei só precisa da maioria simples dos votos dos deputados no plenário. Quando foi votada no plenário da Câmara, a PEC do voto impresso teve 229 concebidos e 218 contrários. Seriam votos suficientes para aprovar o projeto de lei.
Agora, com a aprovação do PL na CCJ, os deputados planejados terão que convencer o presidente da Casa a pautar a proposta.
O relator, deputado José Medeiros, afirmou que está tentando apoiar para pautar o tema no plenário ainda neste ano. Para isso, deverá ser apresentado um requerimento assinado e aprovado pela maioria absoluta de deputados (257 assinaturas). Em seguida, o projeto em si está incluído na Ordem do Dia da mesma sessão.
Além disso, o projeto ainda terá que passar pela análise do Senado, onde também deverá encontrar resistências, já que o atual presidente, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o principal cotado para assumir a carga a partir do ano que vem, Davi Alcolumbre (União-AP), não apoia o tema.
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