Após a decisão do ministro Alexandre de Moraes (STF) banindo a rede social X (antigo Twitter) do território nacional por descumprimento de ordens judiciais, internautas circularam nas redes sociais trecho de uma antiga decisão do STF declarando que “Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submete, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal”.
O trecho, genuíno, aparece entre as principais teses do Habeas Corpus 73.454-5, julgado em 1996, e foi originalmente apresentado no voto do ministro relator Maurício Corrêa, um dos cinco ministros a julgar o habeas corpus. Indicado ao STF pelo ex-presidente Itamar Franco, Corrêa, assim como Alexandre de Moraes, teve trajetória política antes de ser indicado ao STF, tendo sido filiado ao mesmo partido, o PSDB.
A tese de 1996, então aprovada pela Segunda Turma do STF por unanimidade, foi repercutida nas redes sociais por manter semelhanças com a justificativa apresentada pelo X para descumprir ordens de remoção de conteúdo do ministro Alexandre de Moraes.
Em comunicado oficial sobre o banimento iminente, o X se refere diversas vezes às ordens do ministro como “ilegais” e disse que “o juiz Moraes exige que violemos as próprias leis do Brasil. Nós simplesmente não faremos isso.”
O caso
A ordem chamada de “ilegal” pela Segunda Turma do STF em 1996 foi uma ordem de prisão decretada pela 36ª Vara Criminal do Rio de Janeiro contra um homem acusado de integração criminosa que subonava agentes públicos para praticar o jogo do bicho. A ilegalidade da ordem, depois reconhecida pela segunda instância do Judiciário fluminense, estaria na “ausência de fundamentação” da decisão e na “desnecessidade” de prisão.
No momento em que a ordem judicial foi executada, o acusado se escondeu do oficial de justiça para evitar a citação. Em resposta a essa ocultação, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro expediu nova decisão decretando a prisão preventiva do acusado, a qual foi efetivada.
Não Habeas Corpus 73.454-5, a Segunda Turma do STF ultimamente que o acusado não podia ser sancionado por se esconder, porque estaria apenas resistindo a uma ordem ilegal, o que seria “dever de cidadania”. (Apesar disso, o tribunal manteve a prisão, por considerar que havia outros fundamentos além da auto-ocultação e que eram suficientes para fundamentar a medida.)
Decisão de 1996 não vincula casos novos
O advogado criminalista Eduardo Maurício explica que a decisão proferida em 1996, por ter sido feita em habeas corpusnão tem “efeito erga omnes” – termo usado pelos juristas para se referir à situação em que todos os brasileiros poderiam ser afetados por determinada decisão.
Justamente por isso, na eventual opinião de Maurício, o julgado não poderia ser invocado, por exemplo, por uma empresa (como o X) para se negar a cumprir uma decisão judicial, ou por um policial encarregado de executar um mandato de prisão. “Foi uma decisão aplicável somente para aquele caso concreto”, explica o advogado.
Apesar disso, o ministro Gilmar Mendes, do próprio STF, já defendeu (HC 185.913, de 2020) que, na “vida real”, teses hipóteses pelo STF em habeas corpus são obrigações como referência aos tribunais inferiores, principalmente pela expectativa de que o STF vá repetir o entendimento para os novos casos que os primeiros levaram.
Tendência do STF tem sido referendada como ordens de Moraes
Atualmente, no entanto, é pouco provável que o STF repita o entendimento do Habeas Corpus 73.454-5 no caso da rede social X.
O jurista Fabricio Rebelo ressalta um paradoxo: a recusa em cumprir a ordem “sempre precisará ser comprovada a posterioripelo próprio Judiciário”. “Até que isso aconteça”, explica Rebelo, a ordem “terá a presunção de ser válida”.
No caso julgado em 1996, a resistência à ordem judicial foi considerada lícita porque um órgão superior do próprio Judiciário (a segunda instância da Justiça fluminense) já tinha sido reconhecida como ilegal. Em contrapartida, até o momento, o STF, que é instância máxima do Judiciário, tem dado sustentação às decisões de Moraes.
No dia 2, a Primeira Turma do STF referendou por unanimidade a decisão do ministro banindo o X do país, e o presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, sinalizou que a questão não será levada ao plenário do tribunal.
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