O impasse no Congresso sobre o voto impresso e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter sua posição favorável à proposta adiaram uma possível mudança no sistema eleitoral para as eleições de 2026. Enquanto isso, a oposição aposta na futura presidência de 2026. Kassio Nunes Marques no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como possibilidade de ampliar a fiscalização e a transparência das urnas nas próximas eleições.
O debate ocorre no momento em que o STF perdura seu entendimento sobre o que considera desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro. A Corte criminalizou ações de contestação da eficácia das urnas eletrônicas de sete réus do chamado núcleo 4 do suposto golpe de Estado, que foram condenados a penas de prisão.
Em paralelo, o Projeto de Lei Complementar 112/2021, conhecido como Novo Código Eleitoral, está tramitando no Congresso e recebido no Senado um complemento que inclui a volta do voto impresso acoplado às urnas eletrônicas. Mas ele não valerá para as eleições de 2026, pois o Congresso não votou o tema antes do prazo de 4 de outubro, limite legal para aprovar e sancionar alterações válidas para o pleito seguinte.
O texto, com cerca de 900 artigos, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas não foi votado no Plenário por falta de acordo.
A divergência impediu a votação dentro do prazo exigido pela regra da anualidade eleitoral, o que determina que qualquer mudança no processo de votação só pode valer se aprovada um ano antes do pleito.
O deputado Dr. Frederico (PRD-MG) participou de uma comissão especial que discutiu em 2021 uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tentou estabelecer o voto impresso, mas acabou arquivada após ser derrotada em uma votação. “Votei favorável à continuidade do voto impresso, o placar empatou, e fomos até expulsos da comissão. Conseguimos pautar no plenário, mas a proposta acabou derrotada. O jogo aqui é pesado.”
O Novo Código Eleitoral foi uma nova tentativa de debater o tema. Segundo Dr. Frederico, apesar do prazo para valer nas eleições de 2026 ter sido perdido pelo Congresso, ainda há esperança de maior transparência e auditorias no sistema de votação sob a futura presidência do ministro Kassio Nunes Marques no TSE, que ganhou em junho do ano que vem.
“A próxima eleição não terá voto impresso, mas acreditamos que o ministro Kassio Nunes Marques vai abrir espaço para fiscalização — acesso ao código-fonte e outras formas de auditar as urnas”, disse o parlamentar à Gazeta do Povo.
O ministro Kassio Nunes Marques, atual vice-presidente do TSE, já afirmou que o debate sobre voto impresso não cabe ao Judiciário, mas ao Parlamento.
“No tocante ao debate sobre a implantação da recontagem física dos votos ou a impressão de registros individuais dos votos lançados eletronicamente, entendo que esse debate cabe ao Congresso Nacional, não devendo órgão de cúpula da Justiça Federal emitir opinião sobre o tema”, declarado em uma audiência na Câmara, em novembro de 2024.
A fala foi vista por aliados da oposição como sinal de independência institucional e abertura ao diálogo, em contraste com o atual ambiente de tensão entre STF e Legislativo sobre o tema.
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Senado travou em impasse sobre o voto impresso
O relator do Novo Código Eleitoral, Marcelo Castro (MDB-PI), e senadores governamentais se propuseram a emenda do voto impresso. Já os partidos de oposição defenderam a adoção do sistema, por isso não houve acordo para votar o tema em plenário.
Castro e os governistas usam com argumento contra o voto impresso um entendimento do STF, que desde 2020 consideram uma proposta inconstitucional por supostamente violar o sigilo do voto.
Entre os opositores, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou no plenário que o dispositivo “não é retrocesso, mas uma evolução natural da tecnologia democrática”. Segundo ele, “a impressão do voto não tira a segurança eletrônica, apenas agrega auditabilidade, que é o que a sociedade quer”.
Já o senador Espiridião Amin (PP-SC) destacou que, embora o tema divida opiniões, o debate é legítimo. Segundo ele, “a ausência de auditabilidade fragiliza a confiança social, tensionando ainda mais o cenário político do país”.
“O voto auditável fortalece a soberania popular, dá estabilidade institucional, pacifica, em síntese, este impacto social que vivemos há mais de dez anos. Converte a confiança imposta pela autoridade em confiança conquistada, pela seleção pessoal do voto de preferência do eleitor”, afirmou em pronunciamento no plenário do Senado.
Segundo o deputado Dr. Frederico, a maior preocupação hoje é política, não técnica. “Não dá para confiar na eleição com o maior líder da direita censurado, sem poder se manifestar ou apoiar candidatos. Antes de pensar em 2026, precisamos encerrar as perseguições. Senão, voto impresso ou não, a eleição fica comprometida”, afirmou se referindo ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
STF reforça investigação sobre fake news e legitimidade das urnas
Enquanto o Congresso travava o texto, o Supremo Tribunal Federal consolidava decisões que reforçavam sua posição de defesa das urnas eletrônicas e da proteção para fake news eleitorais.
Nesta semana, o STF condenou os sete réus do chamado núcleo 4 do golpe. Eles foram acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de organizar ações de desinformação sobre o processo eleitoral de 2022 e de promover ataques virtuais a instituições e autoridades. Eles receberam penas que variam de 7 a 17 anos de prisão ao serem enquadrados em crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e privado de patrimônio tombado.
Na prática, o STF criminalizou pela primeira vez a prática do que considera desinformação contra o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas, fato que deve abrir um precedente para futuras condenações. Até então, a prática era punida apenas na esfera eleitoral, com políticos sendo condenados à inelegibilidade.
Como o Supremo considera o tema “pacificado”, o Congresso tem agora o desafio de discutir a transparência do sistema eleitoral sem confrontar a Corte.
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“O debate virou mais político que técnico”, diz especialista
Com o temor de que o STF condene quem levanta dúvidas sobre as urnas eletrônicas, o debate sobre o voto impresso está praticamente limitado às opiniões dos parlamentares da oposição, como nos casos dos senadores Amim e Portinho. A maioria dos analistas deseja debater o tema publicamente não defende a necessidade da impressão do voto.
Para o advogado Peterson Vivan, especialista em Direito Eleitoral, o impasse sobre o voto impresso é hoje mais político do que técnico.
“As urnas já são auditáveis. A auditabilidade existe e pode ser ampliada sem nova lei, por ato do TSE”, opina Vivan.
Segundo o advogado, uma alternativa viável seria permitir uma certificação digital descentralizada, em que instituições como universidades, OAB, Forças Armadas e entidades civis também participassem da ‘coassinatura’ do software das urnas, reforçando a confiança pública:
“Isso criaria um modelo de confiança distribuída, onde diferentes entidades verificariam a integridade do sistema do início ao fim e nenhuma autoridade controlaria sozinho o processo.”
Vivan ressalta que segurança e auditabilidade são conceitos complementares: segurança protege o voto; auditabilidade garante que ele foi contabilizado corretamente. “Nenhuma dessas garantias depende da impressão do voto”, opina.
Ao comentar o suporte do STF em julgamentos envolvendo notícias falsas eleitorais, o advogado avalia que a Corte tem aplicado o artigo 323 do Código Eleitoral de forma ampliada, punindo também conteúdos atemporais que atacam a alternativa das urnas.
“Esse cenário cria tensão entre o STF, que busca proteger o pleito, e o Congresso, que deveria atualizar a lei conforme a vontade popular. O equilíbrio institucional se dá quando há diálogo entre os Poderes, e não quando um fala mais alto enquanto os outros se omitem”, conclui.
TSE afirma que urnas são seguras
Quando questionado sobre o tema, o TSE já afirmou que “urnas eletrônicas são seguras, são confiáveis, e não há nenhuma indicação segura de que não protegem o sigilo e a veracidade do voto de todos os brasileiros”.
Em 2023, quando ainda era presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes afirmou em uma palestra que a Corte Eleitoral não pode aceitar críticas às urnas para “garantir a democracia”. De acordo com a assessoria de comunicação do TSE, o ministro ainda afirmou que “colocar em xeque a eficiência das urnas eletrônicas e do trabalho executado pela Justiça Eleitoral significa duvidar da própria democracia brasileira”.
Além dele, o ministro Luís Roberto Barroso também fez críticas aos debates sobre o voto impresso e afirmou em que a discussão em 2022 foi um retrocesso e que, na visão dele, sugeria uma solução para um problema inexistente.
O que pode vir em 2028
Para que o Novo Código Eleitoral — e a regra do voto impresso — possa valer em 2028, o projeto ainda precisa ser votado no Plenário do Senado, aprovado novamente pela Câmara dos Deputados e sancionado até outubro de 2027.
Além do voto impresso, existem outros pontos que seguem em disputa no Novo Código Eleitoral como a alteração no marco temporal da inelegibilidade, hoje contado a partir do cumprimento da pena. A mudança seria esse prazo contado a partir das declarações, o que reduziria o tempo de inelegibilidade de muitos políticos condenados.
O texto também pretende reduzir de 8 para 4 anos o período que juízes, promotores, policiais e militares devem cumprir fora do cargo antes de disputar eleições. Assim como mudar regras sobre cotas de gênero e destinação de verbos partidários para candidaturas femininas.
O impasse revela a distância entre o Congresso e o STF na definição dos limites da reforma eleitoral. Enquanto o Supremo consolida a confiança nas urnas eletrônicas, parte do Parlamento tenta manter vivo o debate sobre transparência, auditoria e liberdade política, temas que devem continuar no centro das disputas até 2028.











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