Após debates acalorados na semana passada, o plenário do Senado Federal deverá votar nesta terça-feira o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que susta parcialmente o decreto antiarmas publicado em julho do ano passado pelo presidente Lula. O principal ponto a ser derrubado é o que determina um distanciamento mínimo de uma milha entre clubes de tiro e escolas, o que na prática inviabiliza a atividade da maioria dos clubes. O governo e o Centrão firmaram um acordo para aprovar o projeto, mas os senadores governamentais quebraram o combinado e o resultado da votação deve ser incerto.
O decreto de Lula determinou que os clubes de tiro tenham até 27 de dezembro deste ano para buscar uma “adequação à lei”. Segundo estimativa da ABIAMB (Associação Brasileira de Importadores de Armas e Materiais Bélicos), isso poderia resultar no fechamento de mais de 95% das unidades pelo país. Isso porque para se adequar à lei a maioria dos clubes teria que mudar de imóvel, o que gera custos proibitivos.
O Projeto de Decreto Legislativo apresentado pelo deputado federal Ismael Alexandrino (PSD-GO) busca concordar com o que o parlamentar chama de erro de conflito pelo governo federal. “A competência para regulamentos a localização de estabelecimentos é municipal. A medida invade a competência municipal e prejudica a segurança jurídica das entidades já condicionais, além de não ter qualquer técnica justificativa de melhoria da segurança pública”, afirmou o parlamentar à reportagem.
A proposta de Alexandrino já foi aprovada na Câmara em maio deste ano, em duas votações simbólicas, tanto na Comissão de Constituição e Justiça como no plenário. A votação só foi possível graças a um acordo articulado entre lideranças do PSD com partidos da oposição e da base do governo. A relatora da proposta na Câmara foi a vice-líder da base de apoio ao governo, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ).
A expectativa era de que o acordo fechado na Câmara também fosse suspenso pelos senadores, mas isso não ocorreu. Na primeira tentativa de votação na CCJ do Senado, o Partido dos Trabalhadores solicitou a vista do projeto há duas semanas, aguardando a apreciação.
O acordo firmado entre os líderes havia sido uma troca de favores. A oposição retirou destaques apresentados ao projeto PL 1.847/2024, que propunha o fim da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. Esses destaques poderiam dificultar a aprovação do projeto, que era de interesse do governo.
Em troca, o governo não colocaria empecilhos para a aprovação do PDL das armas, que poderia ser votado simbolicamente, sem necessidade de registro nominal. Diante da proposta, todos os destaques foram retirados, e o texto de interesse do governo sobre a desoneração foi aprovada sem dificuldades.
No entanto, assim que o PDL 206 entrou em pauta, os governantes decidiram manobrar para que ele não fosse votado. Parlamentares envolvidos no debate disseram à Gazeta do Povo sob anonimato que o Ministério da Justiça teria feito pressão sobre deputados governamentais para que não aprovassem nada que enfraquecesse o decreto de Lula.
O desarmamento da população é uma das principais linhas de ação do Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária em discussão no ministério de Ricardo Lewandowski. A reportagem investiu no ministério para se posicionar sobre o assunto, mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem.
Aproveitando-se da ausência do relator, o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), que precisou viajar às pressas para Goiânia para acompanhar o enterro de um amigo, a Mesa Diretora nomeou um relator temporário, que decidiu pedir vista e adiar a sessão mais uma vez.
Percebendo que o acordo não seria cumprido, o senador Magno Malta (PL-ES) fez críticas aos senadores da base do governo. “Se não cumprirmos esse acordo, será uma vergonha para nós. O Senado já não goza da boa vontade da população. Mas, quando fazemos um esforço, como fizemos na desoneração da folha, as coisas andam por aqui. Eu votei contra! Mas houve acordo, e por isso votamos! Eu não quero sair daqui com a sensação de que fui enganado em pleno plenário”, desabafou o parlamentar.
PSD vai tentar costurar acordo até o limite da votação
Depois de idas e boas-vindas, para tentar entusiasmar os ânimos no plenário, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sugeriu uma votação por acordo da urgência da questão. A manobra coloca o PDL como primeiro item da pauta da sessão semipresencial desta terça-feira (27/08), marcada para as 14 horas. Capitaneados pelo PSD, deputados e senadores continuam tentando chegar a um acordo para que a votação seja simbólica, respeitando o que havia sido combinado anteriormente nas votações na Câmara.
Nos bastidores, a queda de braço continua. Parlamentares ouvidos pela Gazeta afirmaram ter recebido visitas ou ligações de assessores do Ministério da Justiça, instruções por uma posição relacionada ao projeto.
Por outro lado, confederações, federações, associações e diversas outras entidades ligadas ao tiro esportivo têm campanhas encabeçadas pedindo aos seus associados que entrem em contato com os senadores de seus estados, solicitando apoio ao PDL 206. Caso o acordo não seja honrado pelos partidos do governo, a proposta irá para votação nominal, precisando da maioria simples dos senadores presentes para serem aprovados. Se aprovado, o projeto segue para promulgação direta, sem necessidade de passar pela presidência da República.
PDL pode flexibilizar regras e diminuir critérios para a prática de tiro esportivo
O PDL 206/2024 também altera as regras relacionadas às armas de gás comprimido ou por ação de mola. O decreto 11.615 tornou-se as chamadas “armas de chumbinho” com calibre superior a seis milímetros de uso restrito, obrigando os proprietários a buscar certificação junto ao Exército Brasileiro e colocar esses produtos no mesmo patamar de armas de fogo como revólveres, pistolas e espingardas. A medida é suprimida do decreto pelo PDL.
O projeto também altera as regras sobre a habitualidade – quantidade mínima de treinamentos exigidos pelo Exército para que os atiradores mantenham suas armas ou possam adquirir insumos e munições. Esse ponto do decreto cobra muito as despesas de esportes esportivos que competem em diversas modalidades de tiro. Além disso, retira-se do decreto do governo a proibição de destinar uma arma de fogo restrita para uma atividade diferente daquela declarada na compra. Ou seja, uma arma comprada para o tiro esportivo poderá ser incluída nos acervos de caça ou coleção do CAC — sigla para Caçador, Atirador e Colecionador.
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