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Polícia de Brasília nasceu por tentativa e erro e se especializou na contenção de protestos

Polícia de Brasília nasceu por tentativa e erro e se especializou na contenção de protestos


Num ano normal, a polícia encara mais de 50 protestos, os quais quase nunca dão problemas. E, quando dão, são desprezíveis

UIRÁ MACHADO
SÃO PAULO, SP

As forças de segurança em Brasília se constituíram por tentativa e erro desde 1960 e, ao longo dos anos, se especializaram na contenção de protestos -uma razão a mais para terem resistido na berlinda após o avanço tranquilo de golpistas pela praça dos Três Poderes no domingo (8).

Mal parecia que aquelas instituições acumulavam décadas e mais décadas de experiência no controle de conflitos civis e, sobretudo, de vocação para a proteção do patrimônio público.

“Quando Brasília surgiu, não havia grande preocupação com o policiamento metropolitano. A grande questão era manter a ordem no Plano Piloto, especialmente na área dos prédios públicos. Ninguém se preocupava muito com as cidades satélites”, afirma o sociólogo Arthur Trindade Maranhão Costa.

No decreto de organização da nova capital brasileira, Juscelino Kubitschek instituiu o Serviço de Polícia Metropolitano, subordinado ao Ministério da Justiça e sem novidades institucionais em relação ao órgão que antes protegia o Rio de Janeiro.
Havia, porém, uma diferença de pessoal. É que boa parte dos funcionários do Rio decidiu permanecer na cidade maravilhosa, apesar das vantagens salariais embutidas no deslocamento para o Centro-Oeste.

De modo que a força de segurança de Brasília formou seu contingente com muitos funcionários da Guarda Especial de Brasília, ou GEB, que havia sido criado para controlar a criminalidade durante a construção da cidade.

Embora tivesse poder de polícia, a GEB era uma empresa privada, consiguida por vigilantes contratados pela Novacap, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital. De acordo com Maranhão Costa, seus integrantes eram conhecidos pela violência e arbítrio; muitos eram analfabetos.


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Mas esse atraso durou pouco tempo, porque ao golpe militar de 1964 seguiram-se diversos decretos que reorganizaram a segurança pública do país como um todo e de Brasília em particular.

Nos primeiros anos da ditadura, a polícia de Brasília ficou subordinada ao prefeito da capital (somente no fim de 1969 o cargo passaria a ser de governador) e, em seguida, à Secretaria de Segurança Pública, estabelecida em 1967. Foi nesse período que passou , no Distrito Federal, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, por exemplo.

Como o Brasil vivia uma ditadura, as manifestações não eram um problema. “Não existia essa possibilidade na praça dos Três Poderes. A preocupação era o policiamento político, a repressão”, diz Maranhão Costa.

Esse panorama mudou com a redemocratização, que permitiu a volta das manifestações políticas, e com a promulgação da Constituição de 1988, que estabeleceu a eleição para o governo do DF, até então indicado pelo presidente.


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“Com a abertura, start as strikes, eo tema de policiamento de protesto surge”, diz Costa, que foi secretário de Segurança Pública do DF em 2015. “As manifestações aparecem com a das Diretas Já e se tornam frequentes a partir dos anos 1990”, afirma.

Aprender a lidar com isso se tornou questão crucial para uma polícia formada longe da cultura democrática. Ao longo da ditadura, os presos transferidos do Rio para Brasília e os ex-integrantes do GEB viram o corpo de oficiais ser formado majoritariamente pela gente do Exército.

Além disso, também eram militares a cúpula da Secretaria de Segurança Pública e, com frequência, o próprio governador.
“Diante da nova realidade, o planejamento da segurança começou a ser sistematizado, e hoje a segurança é muito bem feita”, afirma Costa.

Num ano normal, a polícia encara mais de 50 protestos, os quais quase nunca dão problemas. E, quando dão, são desprezíveis -nada perto da destruição pelos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL).


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“É fácil fazer o policiamento de protesto no DF. Tem câmeras de altíssima precisão para monitorar a multidão, tem divisão muito clara de tarefas”, diz Costa.

“Também há os lagos em frente ao Congresso e ao Planalto, que são para proteção. Um contingente relativamente pequeno de aguardando consegue impedir uma multidão com dezenas de milhares”, afirma o sociólogo.

Há manuais para tudo: colocação dos cones nas ruas, caminho da cavalaria e bloqueios de avenidas em círculos concêntricos, por exemplo. Tudo a carga da PM -a quem sempre coube a manutenção da ordem pública-, com exceção do Itamaraty, sob cuidados da Marinha, e de áreas da Presidência, como o Palácio do Planalto e a Granja do Torto, que são responsabilidade do Exército.


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Essa preocupação especial com o palácio de governo não é desejável do Brasil; por aqui, ela se traduziu na presença do Batalhão da Guarda Presidencial e dos Dragões da Independência, que se revezam a cada seis meses.


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A orquestra se manteve afinada por décadas, mas a devastação do último domingo chamou a atenção para alguns problemas antigos.

Um deles é a possibilidade, atualmente confirmada, de adversários políticos ocuparem o governo do Distrito Federal e a Presidência.

Como a segurança pública em Brasília atinge em cheio o governo federal, é natural questionar por que ela não muda de comando -ainda mais por ser a mais bem paga do país, graças a um fundo constitucional alimentado pela União.

Segundo Renato Sérgio de Lima, professor da FGV e diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa discussão de grupos políticos opostos no DF e na Presidência não é nova.

“Seria melhor que comando fosse federal, ainda mais com a política se tornando tão divisiva”, diz Lima. “Mas precisaria mudar a Constituição. E o governo poderia enfrentar de uma vez o tema da reforma das polícias”, afirma.

Para Bruno Langeani, gerente do instituto Sou da Paz, além desse caminho há outros dois: “Vitaminar a estrutura federal, para dar conta do aumento de conflitos civis na Esplanada dos Ministérios; ou redescutir a gestão da governança no próprio DF”.
ALGUMAS DAS POLÍCIAS NO BRASIL

POLÍCIA MILITAR: cuida da prevenção criminal, da repressão imediata de crimes e da preservação da ordem pública. Está subordinada à estrutura estadual

POLÍCIA CIVIL: tem a função de polícia judiciária e investiga crimes. Também se subordina à esfera estadual

POLÍCIA FEDERAL: apura infrações penais contra entes ou bens da União ou que tenham repercussão interestadual ou internacional, prevenir e reprimir o tráfico de drogas e contrabando e funciona como polícia judiciária da União. Está subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública

POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL: faz patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Está subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública

BATALHÃO DA GUARDA PRESIDENCIAL: Tem função cerimonial e operacional, com a missão de preservar áreas presidenciais, como o Palácio do Planalto. Pertência ao Exército

DRAGÕES DA INDEPENDÊNCIA: Mesmas funções do Batalhão da Guarda Presidencial, com quem se reveza a cada seis meses. Foi criado em 1808 como 1º Regimento de Cavalaria do Exército

POLÍCIA LEGISLATIVA: Cuida das instalações do Congresso Nacional e investiga crimes contra parlamentares que estiveram ligados à atividade legislativa. Pertence ao Senado e à Câmara

FORÇA NACIONAL: Composta por policiais estaduais cedidos ao Ministério da Justiça para atuação em situações específicas

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