A Operação Contragolpe, deflagrada nesta terça-feira (19) pela Polícia Federal para prender quatro militares do Exército e um agente da própria PF, revelou detalhes de como agentes do Estado detalhados do ex-presidente Jair Bolsonaro planejaram atos para tentar mantê-lo no poder após a derrota na eleição de 2022. A investigação recuperou planos para matar o ministro Alexandre de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice Geraldo Alckmin. Há mensagens de celular dizendo que o general Mário Fernandes, ex-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, buscava convencer Bolsonaro a autorizar um suposto golpe de Estado.
“Os elementos trazidos aos autos comprovam a existência de crimes graves e fingidos suficientes da autoria, além de demonstrarem a extrema periculosidade dos agentes, integrantes de uma organização criminosa, com objetivo de executar atos de violência, com monitoramento de alvos e planejamento de sequestro e , possivelmente, homicídios”, resumiu Alexandre de Moraes na decisão que autorizou as prisões, realizadas pela manhã.
A operação foi baseada em arquivos excluídos pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que se tornou delator no caso. Mais tarde, ele teve um depoimento novamente na PF para esclarecer o motivo de ter ocultado esses detalhes em sua colaboração. Há risco de que, por isso, ele perca os benefícios pactuados no acordo. As revelações, de qualquer forma, acrescentaram um novo capítulo na investigação sobre a tentativa de golpe, que estava prestes a ser encerrada.
A PF já pediu mais tempo ao ministro Alexandre de Moraes, que conduza o inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), para analisar as novas provas colhidas nesta terça. As novas descobertas, no entanto, acrescentam que Bolsonaro estava ciente e possivelmente autorizou o avanço de planos para impedir a transição presidencial.
Desde agosto, a entrega do relatório final, com o possível indiciamento do ex-presidente, tem sido adiada pela PF. O atual estágio da investigação apresenta fatos que aproximam ainda mais Bolsonaro da trama.
Nesta fase mais recente da investigação, a PF descobriu, por exemplo, que, em 15 de dezembro de 2022, um grupo de cinco militares foi a campo, em Brasília, para seguir Moraes em suas posições. Mensagens de celular e sinais das antenas apresentadas por membros do grupo circulando perto da residência funcional do ministro.
Na operação chamada “Copa 2022”, os militares trocaram mensagens num aplicativo para bloquear suas posições. Horas depois, houve uma ordem para “abortar” uma missão. As linhas estavam em nome de terceiros e cada militar utilizava um código referente a um país (Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil e Gana).
A PF ainda revelou a existência de outro plano, denominado “Punhal Verde e Amarelo”, no qual a previsão de execução de Moraes, Lula e Alckmin era acompanhada das “demandas” permitidas para concretizar os crimes, como levantamento do aparato de segurança do ministro, de suas posições e horários, os celulares que seriam usados para comunicação dos executores, bem como as armas que seriam usadas (pistolas, fuzis, transportes e lançamentos-granadas e lançamento-rojão).
Em relação a Lula, havia a ideia de “envenenamento ou uso de produtos químicos para causar um organismo orgânico”. Quanto a Alckmin, “sua neutralização extinguiria a chapa vencedora”, conforme descrito pelo plano, elaborado pelo general Mário Fernandes.
Em 5 de julho de 2022, antes do início da campanha eleitoral, o general participou de uma reunião com Bolsonaro e ministros do governo no Palácio do Planalto em que se discutia uma ação antes da eleição, com base nas instalações de que haveria uma fraude em favor de Lula. Na época, o Ministério da Defesa tentou testar problemas nas urnas eletrônicas.
Em novembro, após a vitória do petista, os encontros aconteceram também no Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro se recolheu. A PF descobriu que o documento com planos para uma ruptura foi impresso no Palácio do Planalto e levado depois para a residência oficial da Presidência.
“Fica evidenciado que no dia 12/06/2022, no horário em que o Secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, general MARIO FERNANDES imprimiu o documento 'Plj.docx' (18hs09min), possivelmente relacionado ao planejamento operacional da ação clandestina para prender/executar o ministro ALEXANDRE DE MORAES e assassinar o presidente e vice-presidente eleitos LULA e GERALDO ALCKMIN, o então presidente da República JAIR BOLSONARO também esteve no Palácio do Planalto. No mesmo período, conseguiu-se também a presença concomitante, na região do Palácio do Planalto, de MAURO CID e RAFAEL DE OLIVEIRA”, diz a PF no pedido de prisão dos militares suspeitos.
Contatos gerais com Bolsonaro
As mensagens de Mário Fernandes indicam que ele exerceu liderança sobre “crianças pretas”, militares de operações especiais do Exército envolvidos na trama. Além disso, mantinha contato com manifestantes que se acampavam em frente ao QG do Exército em Brasília. Por fim, conversamos com frequência com Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito de Bolsonaro, quase sempre na tentativa de persuadir o ex-presidente a concorrer a atos oficiais que autorizassem os militares a agir no sentido de uma ruptura institucional.
Num áudio enviado a Mauro Cid em 8 de dezembro de 2022, dias antes da diplomação de Lula, Mario Fernandes disse ter falado com Bolsonaro sobre uma ação até o dia 31, véspera da posse.
“Cid, boa noite. Meu amigo, antes de mais nada me desculpe estar te incomodando tanto no dia de hoje. Mas, porra, a gente não pode perder oportunidade. São duas coisas. A primeira, durante uma conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”, diz parte da mensagem.
No restante da mensagem, ele fala sobre como estavam os movimentos de rua contra a posse de Lula e a necessidade de mobilizar militares para uma ação de força antes que novos comandantes assumissem.
“A partir da semana que vem, eu falei a citar isso pra ele, das duas uma, ou os movimentos de manifestação na rua, ou eles vão esmaecer ou vão recrudescer. Recrudescer com radicalismos e a gente perde o controle, né? Pode acontecer de tudo. Mas podem esmaecer também. Vou até te mandar um vídeo aqui abaixo da situação em frente ao PDC no Rio de Janeiro. Tá ok? E o outro aspecto é que, pô, nós já temos passagens de comando dos comandos de força, força armada. Já 20, 20 e poucos. E aí já vão passar o comando para aqueles que estão sendo indicados para o eventual governo do presidiário. E aí tudo fica mais difícil, cara, para qualquer ação. Então esses dois aspectos são importantes, certo? Veja o vídeo aqui abaixo”, disse Mário Fernandes para Mauro Cid.
No áudio seguinte, o general pede ao ajudante de ordens auxílio para manter o acampamento no QG do Exército:
“E Cid, o segundo ponto é o seguinte, eu estou tentando agir diretamente junto às forças, mas, pô, se você pudesse pedir para o presidente ou para o gabinete do presidente atuar. Pô, a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro quanto os caminhoneiros que estão lá em frente ao QG. E hoje chegou para a gente que parece que existe um mandato de busca e apreensão do TSE, não, do Supremo, em relação aos trânsitos que estão lá. Os caras não podem agir, é área militar, mas já foram presos pela Polícia Federal. Então isso seria importante, se o presidente pudesse dar uma entrada ali para o Ministério da Justiça para segurar a PF ou para a Defesa alertar o CMP, e, porra, não deixa. Pô, os caminhões estão dentro da área militar, os caras vieram aí, porra, estão há 30 dias aí deixando de produzir pelo Brasil e agora vão ter os caminhões apreendidos. Cara, isso é um absurdo. Então, atento a isso, converse com o presidente, cara. Um grande abraço, força!”
Deixe o Seu Comentário