A bancada da oposição, liderada pelo PL de Jair Bolsonaro, acredita que esta será uma semana decisiva para o avanço do projeto de anistia na Câmara dos Deputados. A união ocorre após a caminhada realizada em Brasília na última semana e em meio à expectativa de que o relator da proposta, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), apresenta seu parecer ao colégio de líderes nesta terça-feira (13), após semanas de negociações com diferentes partidos.
A Câmara já aprovou o regime de urgência da proposta, o que autoriza sua votação direta em plenário. Mas, nos bastidores, as conversas atuais miram transformar o texto da anistia em uma revisão das penas dos condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado na baderna de 8 de janeiro de 2023. A chamada estratégia da dosimetria, defendida pelo relator, enfrenta resistência da oposição.
“Dosimetria é conversa fiada para boi dormir. Nós não somos bois. Dosimetria não é papel do Congresso. Papel do Congresso é conceder anistia”, afirmou o pastor Silas Malafaia durante o ato na Esplanada dos Ministérios na semana passada.
O relator, por sua vez, tem resistido à pressão e sinalizou aos líderes da Câmara que buscam um texto de consenso com o Senado e que não possa ser barrado pelo STF. Nos encontros com os partidos ao longo das últimas semanas, Paulinho indicou que uma das ideias é permitir que os condenados pelo 8 de janeiro deixem o regime fechado após uma nova dosimetria.
Já para os membros do chamado “núcleo central” — que inclui Bolsonaro e outros sete réus condenados pelo STF —, a previsão seria de redução de pena, mas não o suficiente para evitar o cumprimento de parte da prisão em regime fechado. No caso do ex-presidente, por exemplo, a pena aplicada pelo STF foi de 27 anos e três meses.
A minuta do texto deve ser apresentada aos líderes e, segundo Paulinho, a votação poderá ser marcada por Hugo Motta (Republicanos-PB). Parlamentares da oposição afirmam que o presidente da Câmara teria sinalizado a intenção de incluir a matéria na pauta ainda nesta semana, caso o parecer seja formalmente protocolado.
Os líderes que vieram a Motta, no entanto, admitem nos bastidores que ainda não há consenso sobre a votação da matéria — seja pela anistia ou mesmo pela dosimetria defendida pelo relator. O presidente da Câmara anunciou que a pauta da semana será focada em projetos de lei voltados à educação, aos professores e às crianças.
“Semana das crianças e dos professores! Inclui na pauta 16 projetos específicos para a educação a partir da próxima terça-feira (14)”, escreveu Motta no X.
Para a cientista política Letícia Mendes, especialista em Poder Legislativo da BMJ Consultores Associados, a anistia se tornou um tema politicamente sensível e de baixo apelo popular, o que explica a cautela de líderes partidários.
“A pressão tem vindo principalmente da oposição, que é a principal bancada para fortalecer o avanço do assunto no Congresso. Há também parte do centrão envolvida, mas a oposição tem sido o motor dessa pauta. A anistia, por não impactar diretamente o dia a dia das pessoas, acaba restrito às famílias dos interessados no dia 8 de janeiro e, por isso, é um tema delicado junto aos parlamentares”, avalia.
Oposição discute apresentar destaque para mudar o texto do relator
Com a expectativa de que o parecer seja apresentado por Paulinho da Força, os líderes da oposição já discutem as estratégias para a votação. A bancada do PL, por exemplo, pretende apresentar um destaque para manter a proposta de anistia “ampla, geral e irrestrita”.
Pelo Regimento Interno da Câmara, o destaque é um instrumento que permite votar separadamente uma emenda ou parte de uma proposição, a fim de que sejam feitas alterações específicas no texto a ser aprovado.
Na prática, o mecanismo permite modificar a aparência do relator ou restaurar trechos do texto original. No caso da anistia, a manobra serviria para incluir o perdão integral aos condenados e inelegíveis, mesmo que o texto principal se limite à revisão de penas.
“Vamos discutir a possibilidade de apresentar um destaque. Eu não sei qual vai ser o texto do relator, se ele vai incluir algo e trazer uma anistia como nós desejamos”, disse o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).
O texto do destaque foi costurado pelo líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ). A ideia é anistiar os supostos crimes com base em um marco temporal, e, ele, já teria votos suficientes para aprovação, com apoio dentro do PP e do União Brasil, partidos que recentemente desembarcaram do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“A gente ainda espera convencer o relator. Para nós [do PL]só resta uma pauta: votar a anistia para todos os injustiçados desse pseudogolpe”, afirmou Sóstenes.
Para o advogado Arcênio Rodrigues, analista político e especialista em Direito, “não há ambiente no Congresso para aprovar sequer uma versão atenuada da anistia”.
“Especialmente se a proposta não contempla o ex-presidente Jair Bolsonaro — cuja inclusão, por outro lado, a tornaria ainda mais inviável. Nesse cenário, qualquer proposta de anistia — ainda que parcial ou ‘light’, limitada à redução de penas — carrega um enorme desgaste político”, argumenta.
Desconfiança entre Câmara e Senado pode atrasar votação
Além da disputa em torno do texto, líderes do Centrão admitem que a votação da anistia ou da dosimetria precisa ser acertada com o Senado. O temor é que o eventual desgaste político recai apenas sobre a Câmara, como ocorreu com a PEC da Imunidade, apelidada pelos críticos da PEC da Blindagem.
A proposta foi rejeitada pelo Senado no mês passado, o que ampliou a desconfiança entre as duas Casas. Líderes partidários reclamam que houve quebra de acordo e temem que o mesmo ocorra com a anistia, caso o texto seja aprovado pelos deputados e travado pelos senadores.
“Pacificando com o Davi [Alcolumbre, presidente do Senado]nós resolvemos 90% dos problemas”, afirmou Paulinho da Força, defendendo uma costura prévia entre as Casas para evitar novo desgaste.
Na semana passada, Motta e Alcolumbre se reuniram com justiça para tratar do tema. Segundo Paulinho, que também participou do encontro, o senador declarou contrariedade com uma versão do parecer e pediu ajustes para que a medida tivesse sido acessível no Senado. O relator evitou detalhar os pontos que foram alvo das queixas.
“O que ele (Alcolumbre) disse é que esse texto hoje está ruim e precisaria ser reconstruído. Ele disse que vai conversar com os líderes dele para poder dar uma sinalização”, contou Paulinho após a reunião.
Para Letícia Mendes, a proposta da “dosimetria das penas” pode ser um caminho para reduzir o desgaste político sem deixar uma pauta de lado. “A dosimetria pode ser uma saída construída entre o Centrão, a oposição e até o governo. Permite mostrar que o Congresso está deliberando sobre o tema, mas sob uma perspectiva menos conflitante, o que diminui o tensionamento político, principalmente com o presidente da Câmara”, explicado.
Deixe o Seu Comentário