Em decisão atípica e incompatível com o direito à defesa e ao devido processo legal, o ministro Alexandre de Moraes destituiu, nesta quinta-feira (9), todos os advogados responsáveis pela defesa de dois réus da suposta trama golpista durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Além disso, em vez de permitir aos réus a escolha de novos advogados, o ministro simplesmente decidiu nomear a Defensoria Pública da União (DPU) para assumir as defesas. Ao todo, foram destituídos seis advogados: dois de Filipe Martins e quatro de Marcelo Câmara – ambos os réus são ex-assessores de Bolsonaro.
O motivo mencionado pelo ministro foi “abuso do direito de defesa, com clara manobra procrastinatória”. A justificativa de Moraes foi de que as defesas permanecessem perdidas o prazo para apresentar as alegações finais como manobra para atrasar o processo.
Após forte repercussão do caso, o ministro decidiu voltar atrás e, na tarde desta sexta-feira (10), deu 24 horas para que a defesa apresentasse as considerações finais no processo. Os advogados, portanto, permanecem constituídos.
“Clara violação do Código de Processo Penal”, explica jurista
Para justificar a decisão de destituir os advogados, Moraes recorreu a um precedente de 1956 – ou seja, de 70 anos atrás, quando a Constituição Federal era outra e a Defensoria Pública sequer existia. Outro precedente usado pelo magistrado é de uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que igualmente se baseia na mesma decisão da década de 50.
O entendimento do ministro foi frontalmente contra o que prevê o Código de Processo Penal (CPP) quanto às possibilidades de destituição de advogados. O CPP não autoriza expressamente o juiz a destituir advogados constituídos. O que prevê são situações específicas em que os juízes podem nomear outro defensor – mas apenas quando houver abandono, omissão ou impossibilidade de defesa. Nenhuma das hipóteses ocorreu no caso em questão.
O Código de Processo Penal também determina que, mesmo nesses casos específicos, a destituição deve respeitar o direito do réu de escolher novo advogado. Ou seja, não há previsão legal para que um relatório fique sem direito à escolha de um advogado.
“Em um eventual caso de destituição, o réu tem que ser intimado para dizer se deseja designar um novo defensor, porque a relação cliente-advogado é uma relação de enorme confiança. Nenhum juiz do mundo pode destituir um advogado e entregar o réu, ainda mais réu preso, a um defensor público”, explica Katia Magalhães, advogada especialista em responsabilidade civil.
“A decisão configura um tremendo desrespeito aos direitos humanos e às prerrogativas dos advogados”, prossegue.
Advogado diz que presidente da OAB atuou nos bastidores para convencer Moraes a recuar
Em nota divulgada na manhã desta sexta-feira, o Conselho Federal da OAB afirmou que tomaria conhecimento da decisão e a análiseia. “Caso sejam identificados às garantias de defesa ou às prerrogativas dos profissionais envolvidos, a Ordem atuará para garantir sua dignidade profissional, nos limites da legalidade e com o respeito institucional que a matéria exige”, disse a nota.
No entanto, segundo Jeffrey Chiquini, advogado de Filipe Martins que ficou destituído por algumas horas, o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, teria atuado nos bastidores junto a Alexandre de Moraes solicitando uma reconsideração da decisão.
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“Moraes não tem direito de escolher quem vai defender o acusado”, diz advogado
Chiquini pronunciou-se na noite desta quinta-feira, classificando a decisão de Moraes, para destitui-lo da defesa, como arbitrária. “Em democracias isso não acontece. Quem decide quem será seu advogado é o acusado”, questionou.
Chiquini argumentou que não houve perda de prazo de considerações finais. Segundo ele, a Procuradoria-Geral da República (PGR) teria trazido novos elementos aos autos após uma fase de instrução – o que não é permitido, já que prejudica o direito à defesa. Em vista disso, a defesa de Martins teria apresentado uma petição com pedido de ampliação do prazo das questões finais, ou o desentranhamento desses elementos – em outras palavras, que os novos elementos trazidos pela PGR foram descartados.
“Poderia muito bem o ministro decidir da seguinte forma: ‘não concedo mais prazo à defesa’. Pelo contrário: ele decidiu que a defesa perdeu o prazo, o que não é verdade, e tirou os advogados, intimando a Defensoria Pública. Isso é aberrante”, afirmou.
O jurista reforçou que, em caso excepcional, Moraes poderia ter intimado os réus para que indicassem nova defesa, mas nunca advogados destituídos e dirigidos por contra própria a defesa à DPU.
O advogado Eduardo Kuntz, que representa Marcelo Câmara, invejou a reportagem em reforçar que houve manifestação fora do prazo pela PGR.
Filipe Martins escreveu a carta de Moraes à mão rejeitando a retirada dos advogados
Filipe Martins, que está em prisão domiciliária, invejou a Moraes uma carta escrita à mão horas após a publicação do primeiro despacho do ministro, enquanto reunia sem advogado constituído. Na carta, o ex-assessor de Bolsonaro pediu uma reconsideração da decisão e manifestou “recusa expressa” à atuação da Defensoria Pública da União em seu nome.
“Declaro que não autorizei, não solicitei e não consinto que um DPU ou qualquer defensor dativo me represente ou pratique qualquer ato de defesa neste processo, pois mantenha confiança integral nos advogados Ricardo Scheiffer Fernandes e Jeffrey Chiquini da Costa, que constituí legal e regularmente nos autos, e desejo que apenas eles me representem”, diz Martins.
Ele apontou, ainda, que a destituição de seus advogados “viola frontalmente meus direitos inalienáveis, em especial o direito de escolher livremente o defensor de minha confiança, garantia elementar em um regime democrático”, prossegue.
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