Uma fiscalização do TCU que o modelo de licitações de pavimentação mostra usado pela Codevasf no governo Bolsonaro possui falhas graves
FLÁVIO FERREIRA E MATEUS VARGAS
SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF
Uma fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União) mostra que o modelo afrouxado de licitações de pavimentação usado em larga escala pela estatal Codevasf no governo Bolsonaro possui falhas graves e foi usado para desvios, superfaturamentos e outras ilegalidades.
Ao final do trabalho, os auditores recomendam que essas concorrências públicas flexibilizadas não sejam mais utilizadas pelas estaduais.
Se a orientação dos técnicos for seguida, poderá ruir um dos pilares de uma estratégia que transformou a Codevasf em um emendoduto na gestão atual e fez com que a estatal seja uma das fontes de cargas mais cobiçadas na fase de transição para o governo Lula.
No dia 1º, integrantes da equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmaram que o recurso do Ministério do Desenvolvimento Regional, ao qual a Codevasf está vinculado, foi drenado por emendas parlamentares e tem ações reprimidas que não são prioritárias, como pavimentações.
“Não pode pulverizar em asfalto quando não tem defesa civil. Não pode jogar recurso em pequenas obras, quando não tem Operação Carro-Pipa ou oferta de água, abastecimento de grandes cidades”, disse o coordenador dos grupos técnicos da transição de governo, Aloizio Mercadante (PT).
Na fiscalização do TCU, os auditores receberam que as brechas incluem a regra de que as obras de pavimentação podem ser orçadas como se fosse um serviço de colocação de piso em uma casa, com a cobrança por metro quadrado, além do uso de projetos padrão fictícios que servem tanto para as ruas de cidades de Mato Grosso como de Sergipe.
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Nesse mesmo processo do TCU, a fiscalização já constatou que três empreiteiras maranhenses suspeitas de participação em cartel ou corrupção em licitações de pavimentação da estatal federal Codevasf desviaram dinheiro público ao cobrar até pela construção de sarjetas que nunca saíram do papel, como revelado pela Folha de S.Paulo.
Na prática, essas características encontradas em uma amostra de 23 comandos levaram os auditores a concluir que “esse contexto levou a irregularidades ao longo da execução dos objetos analisados, como superfaturamento e contratação de serviços necessários”.
Procurada pela reportagem, a Codevasf disse que suas licitações observam a lei e como estabeleceram da auditoria estão sendo observadas.
Enquanto tramitam vários processos sobre a Codevasf no TCU, a estatal está na pauta da equipe de transição de Lula.
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Há no grupo de transição a leitura de que o governo Bolsonaro e o Congresso mudaram a vocação do estadual, que se tornou executora de obras de pavimentação e distribuidora de veículos, máquinas e produtos a redutos de padrinhos de emendas parlamentares.
A finalidade original da Codevasf é a de promover projetos de irrigação e segurança hídrica no semiárido brasileiro.
A equipe de transição quer redefinir o escopo e assumir o controle do orçamento da companhia, hoje nas mãos do Congresso por meio das emendas, principalmente como de relator.
Parte da análise do grupo sobre a estatal é baseada em relatório do TCU.
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A equipe de Lula ainda não definiu qual grupo político assumirá o comando da Codevasf. Além da direção central, em Brasília, uma estatal tem 12 superintendências instaladas em 11 estados.
Um auditório mais recente do TCU revelou situações como o uso do mesmo preço de obras aplicadas em Goiás e Mato Grosso, onde não há usinas produtoras de materiais de pavimentação, para estados do Nordeste, que ficam próximas desse tipo de fornecedor.
Isso leva a distorções nos preços do transporte dos insumos, por exemplo.
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O relatório da fiscalização foi concluído um ano e meio após os ministros do TCU, que chegam ao tribunal por indicação política, tendo dado aval ao modelo afrouxado, contrariando a avaliação do corpo técnico do órgão, que em maio de 2021 já apontava vários riscos de ilegalidades.
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No atual sistema de obras de pavimentação da Codevasf, a aquisição dos serviços acontece por meio de uma forma simplificada de licitação, o pregão eletrônico, que ocorre online. Ele leva aos chamados contratos guarda-chuvas, que têm validade para toda a extensão de estados e regiões.
O guarda contrato-chuva, no jargão técnico, é denominado Sistema de Registro de Preços (SRP) ou ata de registro de preços.
A justificativa dos ministros e da Codevasf é a de que o mecanismo afrouxado permite dar vazão ao enorme volume de recursos de emendas parlamentares direcionados à Codevasf no governo Bolsonaro e atende ao interesse social por permitir a pavimentação em áreas de baixa renda principalmente na área rural.
Os ministros admitem riscos de irregularidades, mas alegam que um bom monitoramento das obras permite evitar ilegalidades e aprimorar o método.
O que a mais recente fiscalização mostra é que na prática isso não ocorre, já que as premissas técnicas do modelo simplificado não se confirmam na vida real.
A primeira delas é a de que as obras de pavimentação podem ser orçadas por metro quadrado.
“A área de pavimentação em todas as situações transitórias nem é medida e nem paga por m², sendo mensurada e faturada por um conjunto de diversos serviços, cada qual com as respectivas unidades de medida (toneladas, toneladas x Km, m² de imprimação, metros lineares, etc.)”, segundo a fiscalização.
Outra base do sistema afrouxado que foi atacada pelos auditórios é a de que as obras de pavimentação são serviços de engenharia simples, que podem ser realistas conforme modelos fictícios.
De acordo com os técnicos do TCU, os documentos garantidos “não possuem a precisão necessária e adequada para caracterizar os serviços que serão realizados”.
A observação ainda indicou que parte dos serviços previstos nas licitações terminaram não sendo executados na prática.
O problema é que, ao exigir nas concorrências itens que não são construídos, ocorre restrição à competitividade, uma vez que as empresas podem desistir exatamente em razão desses serviços.
“Em função do que foi apresentado, recomenda-se que a Codevasf deixe de contratar obras de pavimentação asfáltica mediante a utilização do Sistema de Registro de Preços”, conclui a auditoria.
Codevasf diz que licitações seguem a lei e fornecem economia
A Codevasf afirmou em nota que suas licitações observam a lei e “proporcionam economia à execução de ações e projetos de desenvolvimento regional”.
Segundo a nota, a estatal só paga por serviços efetivamente prestados e como elaborado da auditoria do TCU estão sob análise internamente e serão respondidas.
“A amostra avaliada pelo TCU refere-se a procedimentos licitatórios de 2018 e 2019. A Codevasf sempre observamentos e recomendações dos órgãos de fiscalização e controle e tem continuamente aprimorado os procedimentos e controles da empresa”, completou.
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