
Finalizada sua participação na COP 30, em Belém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retornou a Brasília nesta semana e retomou as articulações para definir quem indicará para a vaga deixada por Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF). O favorito ainda é o advogado-geral da União, Jorge Messias, mas o nome dele enfrenta resistência crescente entre senadores, inclusive da base governamental.
O sinal claro disso foi dado quarta (11), quando nesta recondução de Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República (PGR) foi aprovada por 45 votos, apenas 4 a mais que o necessário. Em 2023, quando Lula o indicou pela primeira vez, Gonet foi aprovado com folga, com apoio de 65 dos 81 senadores.
Sob pressão, Lula fará uma rodada de conversas nos próximos dias para tentar consolidar o apoio político antes de anunciar oficialmente o escolhido. Auxiliares próximos afirmaram que o presidente ainda quer indicar Messias, mas confirmou que há um movimento robusto no Senado para que o governo opte por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ex-presidente da Casa, com maior trânsito entre os pares. Cabe aos senadores aprovar o indicado após sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Pacheco tem como principal articulador do atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um dos aliados centrais de Lula no Congresso. Alcolumbre esteve com o presidente no fim de outubro, antes da viagem à Ásia, e apresentou sua avaliação: na de que Messias teria dificuldade real de aprovação. A expectativa na ocasião era que Lula anunciasse Messias após o encontro, mas diante do alerta, adiou a decisão.
O desconforto no Senado continuou nesta semana. Na manhã desta quarta-feira (12), o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), transmitiu a Pacheco o relato de que Lula fingiu chamá-lo para conversar. Wagner esteve com o presidente na noite anterior no Palácio da Alvorada, quando discutiu a indicação ao STF e outros temas sensíveis da agenda política. Segundo ele, apesar das resistências, o Planalto segue com Messias. “Tenho de trabalhar com o dado que tenho. E o dado que tenho é que há uma escolha feita pelo presidente, apesar de não ter sido anunciado formalmente”, afirmou o senador.
Lula é o próximo de Pacheco e quer vê-lo candidato ao governo de Minas Gerais em 2026 para ter um palanque no estado na corrida presidencial. “A definição de qual papel o Rodrigo vai cumprir vai ocorrer no diálogo do presidente Lula com o Rodrigo, pela relação de amizade e de confiança que os dois têm”, afirmou o presidente do PT, Edinho Silva.
Setores do PT continuam empenhados em defender a indicação de Messias. Nesta quarta-feira, Edinho disse que ele é “um dos maiores juristas do país” e destacou o fato de ele ser evangélico, característica que contribuiria para um “equilíbrio de pensamento” dentro do STF. Segundo ele, Lula só anunciará o escolhido quando tiver segurança de que o nome passe pelo Senado: “O presidente não vai indicar sem dialogar”.
A aprovação do Gonet acende alerta no Planalto
A recondução de Paulo Gonet ao comando da (PGR), nesta quarta, acendeu um sinal amarelo no governo. Em 2023, o escolhido por Lula para comandar o Ministério Público Federal (MPF) havia sido aprovado com folga: 65 votos sólidos e 11 contrários. Desta vez, teve 20 votos a menos e foi um cartaz muito mais apertado — 45 a 26.
O comportamento do plenário foi semelhante ao da aprovação de Flávio Dino ao STF, quando o ex-ministro da Justiça com 47 votos a 31, revelando fissuras na base governista e a queda da blindagem automática às periodicidades do Executivo.
Segundo o analista político e diretor de operação do Ranking dos Políticos, Luan Sperandio, o resultado demonstra “uma perda de capital reputacional diante da oposição no Senado”. Ele avalia que, embora o governo ainda tenha maioria, o recado foi claro: “esse resultado expõe fissuras e mostra que a sustentação política do indicado não é mais automática como historicamente”, acrescentou.
Sperandio observa que o enfraquecimento do cartaz revela um Senado mais disposto a exercer protagonismo e a importar filtros mais rigorosamente à restrição ao sistema de Justiça. “Os senadores não pretendem apenas chancelar nomes do Executivo, especialmente quando se trata de uma carga que ganhou enorme relevância nos últimos anos.”
Para ele, há uma mudança decorre do papel crescente da PGR e do STF nas disputas políticas e fiscais. “A PGR se tornou ainda mais estratégica num ambiente em que o STF funciona como uma ‘terceiro rodada’ das disputas legislativas — como vimos recentemente no episódio do aumento do IOF”, disse.
Para o cientista político Alexandre Bandeira, o episódio da recondução de Gonet marca uma mudança relevante no comportamento do Senado. Ele lembra que, historicamente, as sabatinas funcionavam “muito mais como uma cerimônia de elogios do que como um verdadeiro exame de mérito e conduta” dos indicados.
“Por muito pouco [Gonet] não foi reconduzido, e isso mostra que o Senado está disposto a debater e confrontar os prazos que consideram controversas”, afirma o cientista político.
Bandeira acrescenta que a postura dos senadores críticos teve motivação tanto institucional quanto política, especialmente entre aqueles que veem na atuação de Gonet uma postura omissa ou homologada à obrigação de Bolsonaro. “Ainda que as críticas tenham sido apresentadas de forma negativa, elas representam um avanço, porque o senador não está ali para aplaudir o sabatinado, mas para questioná-lo”, analisa.
Cientista político e professor do Ibmec-BH, Adriano Cerqueira avalia que a oposição de direita está cada vez mais articulada e tende a ganhar força na próxima legislatura. “A direita está bem articulada no Senado. Ela ainda não é majoritária, mas as projeções mostram que isso tende a mudar. Os governantes de hoje, aliados de Lula, estão perdendo espaço.”
Para ele, as pressões enfrentadas por Gonet durante a sabatina deverão se intensificar ao longo do mandato. “A possibilidade de mudança no cenário após as próximas eleições deve resultar em uma margem ainda menor de apoio, especialmente em votações sensíveis”, diz.
O analista Luan Sperandio também vê impacto direto sobre a possível indicação de Jorge Messias ao STF. “A campanha de Jorge Messias precisará ser muito bem conduzida. Em Brasília, costuma-se falar no tradicional ‘beija-mão’: rodadas de conversas individuais, visitas, audiências, participação em eventos e jantares de bastidor que ajudam a consolidar apoios nessas situações. Quando esse esforço não ocorre, o custo político aumenta, e o placar tende a refletir isso”, afirma.
Na avaliação de Sperandio, “o resultado de Gonet sinaliza um grau a mais de dificuldade para a indicação de Messias, apesar de não a inviabilizá-la, mas mostra que o custo político para Lula e sua base é mais alto”.
O cientista político Alexandre Bandeira também aponta que a provável futura sabatina de Jorge Messias deverá enfrentar clima semelhante ao visto na sabatina de Gonet. “Messias deve passar por um processo muito semelhante. O governo só trará seu nome à sabatina quando houver garantia de votos suficientes para aprovação. A lição de Gonet foi clara: é preciso articulação política prévia e negociação dentro do Senado.”
Bruno Dantas corre por fora e vai ser recebido por Lula
Diante do recado do Senado, os aliados afirmam que Lula ampliará as consultas a outros nomes cotados. Um deles é o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU). Embora corra por fora na disputa, Dantas tem apoio entre ministros do Supremo, setores da elite jurídica e parte da base governamental.
Na segunda-feira, Dantas desembarcou em Belém ao lado de uma comitiva de peso: o chefe da Casa Civil, Rui Costa; o líder do governo no Senado, Jaques Wagner; e o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues. O gesto, embora discreto, chamou atenção nos bastidores da sucessão.
Aliados afirmam que Lula deverá enviar-lo nos próximos dias, assim como já conversou com ministros do STF. Antes de embarcar para a COP 30, o presidente tratou do tema com Flávio Dino, que mantém influência política e jurídica no governo.
O professor de Direito Constitucional Álvaro Palma de Jorge, da FGV Direito Rio, explica que a entrega de Lula é típica de um processo que é, por natureza, político. Autor do livro O Processo de Escolha dos Ministros do STFele lembra que a Constituição exige apenas três requisitos para o cargo: ter mais de 35 anos, notório saber jurídico e confiança ilibada.
“Fora isso, é uma escolha totalmente discricionária do presidente, sujeita à concordância do Senado”, observa. Segundo ele, a influência da Casa legislativa começa antes mesmo da sabatina. “O presidente só envia o nome se ele for aprovado. Quando há risco de derrota, a indicação nem chega a ser feita.”
Palma conclui que as consultas de Lula — a ministros, parlamentares e nomes alternativos — reforçam o caráter essencialmente político do processo: “A indicação ao STF não é apenas jurídica; é, antes de tudo, política.”











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