O Brasil entrou no radar do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, após o chanceler russo, Sergey Lavrov, afirmar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela proposta de criar um meio de pagamento nos Brics que dispensa o uso do dólar, seja por meio de uma outra moeda ou de um sistema alternativo ao Swift, usado para mensagens de pagamentos bancários. Trump ameaçou tributar os países do bloco se o projeto for levado adiante.
“Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano ou eles enfrentamão 100% de tarifas e devem dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana. Eles podem procurar outro 'otário'. Não há nenhuma chance dos Brics substituirem o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tente deve dizer adeus aos Estados Unidos”, escreveu Trump em uma rede social, referindo-se ao grupo de países emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Etiópia, Egito e Emirados Árabes Unidos.
Analistas consultados pela Gazeta do Povo Alertamos que, apesar de existir um componente retórico nos discursos de Donald Trump, não se pode descartar a possibilidade de avaliações ou tarifas contra países dos Brics. Para Vitélio Brustolin, pesquisador da Universidade de Harvard, o histórico de Trump na Casa Branca indica que ele tem disposição para adotar tais medidas em benefício da economia americana.
“Se os países começarem a fazer negócios com as próprias moedas para driblar o dólar dos Estados Unidos – e isso interessa muito à Rússia por causa das avaliações e à China que é a segunda maior economia do mundo – a gente está correndo risco de avaliação por causa disso. Não acho que seja blefe e é possível afirmar isso porque o histórico de Trump demonstra que essas ameaças de avaliações não são blefe”, afirma.
As ameaças de tributação do republicano ocorreram dias após uma entrevista de Lavrov à TV Brics ir ao ar. Ao veículo, o ministro das relações exteriores da Rússia reafirmou o interesse dos Brics em criar estratégias para transações financeiras internacionais que não utilizem a moeda americana.
“Precisamos de um sistema paralelo, considerando que o dólar é cada vez mais utilizado como arma prejudicial na economia global. Ninguém sabe quem será o próximo”, disse Lavrov.
Na mesma entrevista, o chanceler russo nomeou Lula como o responsável pela iniciativa que originou o Brics Pay. “O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, foi o iniciador, na Cúpula do BRICS em Joanesburgo, em 2023, da discussão sobre sistemas de pagamento alternativos, um dos temas da presidência russa”, afirmou.
Após as declarações de Trump sobre tarifas, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Alexander Pankin, disse, segundo a Reuters, que o Brics continuará trabalhando em um sistema de liquidação alternativo ao Ocidente.
Lula é um entusiasta da desdolarização e coloca o Brasil na mira das taxas americanas
Lula, que tem apostado cada vez mais em uma aproximação com os Brics, é um entusiasta da desdolarização, o que coloca o Brasil na mira de Trump. O petista já falou sobre tema em diversos discursos.
“Por que todos os países são obrigados a fazer seu comércio lastreado no dólar? Quem foi que decidiu que era o dólar a moeda depois que desapareceu o ouro como paridade?”, afirmou Lula durante viagem que fez a Xangai, na China, em março de 2023.
As críticas ainda se estendem aos organismos financeiros tradicionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). “As condições para acesso a recursos financeiros financeiros proibitivos para a maioria dos países de renda média e baixa. O fardo da dívida limita o espaço fiscal para investir em saúde e educação, reduzir as desigualdades e enfrentar a mudança do clima”, disse em discurso na ONU, neste ano.
Para os analistas consultados pela Gazeta do Povoa insistência de Lula em apostar na desdolarização pode acabar trazendo prejuízos econômicos para o Brasil. Na avaliação de Vito Villar, analista de política internacional da BMJ, ainda que seja difícil fazer uma previsão dos riscos devido à instabilidade que a economia brasileira passa neste momento, o Brasil deve ser atingido direta e indiretamente pelas taxas anunciadas por Trump.
“A previsão de que a elevação das tarifas nos Estados Unidos vai aumentar a taxa de juros e vai fortalecer muito o dólar. O Brasil já vai ser prejudicado diretamente porque essas tarifas serão colocadas horizontalmente para o mundo inteiro”, pontua Villar. O especialista enfatiza ainda que o fato da balança comercial do Brasil com os EUA ser deficitário, com mais importações que exportações, o aumento das taxas americanas pode agravar ainda mais o comércio brasileiro com o país.
Aposta dos Brics em pagamentos alternativos ajuda as economias chinesa e russa
Os planos dos Brics para buscar novas plataformas de pagamento e diminuir o uso do dólar em suas transações refletem os anseios da Rússia e da China. O país comandado por Xi Jinping tenta transferir sua economia para ocupar a posição de maior economia do mundo, que disputa com os EUA.
Neste sentido, o economista e ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo de Freitas, acredita que as iniciativas propostas pelo grupo de nações emergentes visam, na realidade, trazer o iuan e tornar os países do bloco cada vez mais dependentes da economia chinesa. Ao diminuir as reservas de dólar ou de euro, em busca de favorecer o comércio com moedas dos países dos Brics, o analista explica que o Brasil pode restringir suas possibilidades de comércio.
“Num sistema cambial, quando você exporta, você o faz para contribuir com as reservas internacionais [de dólar ou de euro, que são moedas globais aceitas no mundo inteiro para câmbio]. Ao exportar para receber em real, o que se vai fazer com essa quantidade? Ou em iuan ou rublo russo?”, questiona o economista. Em sua avaliação, esta apresentação apenas será utilizada para o comércio com os países aos quais elas pertencem ou para converter em dólar ou euro, o que não faz sentido economicamente.
O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Vitélio Brustolin também afirma que essas estratégias atendem aos interesses da Rússia e da China. “À Rússia interessa driblar as avaliações, ela já é o país sancionado do mundo. Para a China, interessa fortalecer sua economia, que tem a segunda maior economia do mundo”, avalia, ao pontuar que o Brasil teria impactos poucos positivos e ainda traz riscos. Isso porque, ao aumentar as reservas de yuan ou rublo, o país fica mais dependente do mercado sem transparência da China, da Rússia ou das demais nações não democráticas dos Brics.
Brics aposta em pagamentos sem dólar mas…
Esta já é uma ideia ventilada pelo grupo, sobretudo através da China, há alguns anos. Os membros do Brics pensam ainda na possibilidade de criar uma moeda única, utilizada apenas entre os países do bloco, para reduzir a dependência do dólar no comércio internacional.
Apesar das ambições, a ideia nunca saiu do papel, em parte porque sua execução exigia muito esforço e compromisso e sua implementação seria de ser realizada já que a maioria dos países que formam os Brics são ditaduras que não possuem transparência de sua economia. Essa falta de transparência coloca em xeque a própria economia desses países, especialmente a China que teria o capital necessário para financiar esse projeto, mas possui ferramentas questionáveis.
Apesar dos obstáculos, os Brics avançaram na criação de uma plataforma de pagamentos exclusiva dos países membros do bloco. O Brics Pay, criado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, é visto como uma alternativa ao Swift — que também é um sistema de pagamentos, porém baseado em bancos ocidentais já consolidados e amplamente utilizados. A criação do sistema vinha sendo apontada por analistas como ação política do bloco com a intenção do bloco, sobretudo da China e da Rússia, de desafiar o Ocidente.
Lançada e desenvolvida durante a presidência russa nos Brics, a plataforma pode ser usada pelo ditador Vladimir Putin como uma forma de driblar sua suspensão do Swift. A Rússia está proibida de realizar transações internacionais através do sistema após ter invadido a Ucrânia. Já o líder chinês Xi Jinping tem interesse no projeto, pois o Brics Pay pode ser utilizado para intervenções no projeto da China de lançar o yuan como moeda digital de caráter global e que possa fazer frente ao dólar.
Seu uso também deve entrar no radar de sanções das nações ocidentais, já que ela pode influenciar a economia russa. Os Estados Unidos, ao lado dos países europeus, promoveram uma série de embargos à Rússia com a intenção de desestabilizar a economia do país e forçar Vladimir Putin a colocar um fim na guerra. Com o conflito contra a Ucrânia que fará três anos, a maior parte dos recursos financeiros de Moscou são revertidos para a máquina de guerra russa. Um terço do orçamento do próximo ano deve ser destinado à defesa.
Deixe o Seu Comentário