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Influencers migram das redes à política, mas geram desconfiança

Influencers migram das redes à política, mas geram desconfiança

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O treinador e influenciador Pablo Marçal (PRTB-SP), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, precisou de menos de dois meses desde o anúncio de sua candidatura para se firmar entre os quatro primeiros apresentados em diversas pesquisas. Ele tenta se posicionar como alternativa para direitistas que não se representam pelo atual prefeito da cidade, Ricardo Nunes (MDB-SP), nome apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ).

A rapidez de sua ascensão se explica, em grande parte, por sua popularidade nas redes sociais, cuja dinâmica ele domina melhor do que todos os seus principais concorrentes. Na quinta-feira (25), uma pesquisa do Datafolha divulgada pela Folha de S.Paulo Mostramos que as postagens do coach geram quatro vezes mais engajamento do que todos os outros candidatos somados.

Com quase 12 milhões de seguidores no Instagram, Marçal é o principal expoente de uma nova tendência no Brasil: a popularidade nas redes como porta de entrada para a política. Em diversas cidades do país, figuras famosas em alguns nichos da internet anunciaram sua candidatura nas eleições municipais que ocorrerão em outubro deste ano.

Também em São Paulo, o economista e youtuber Paulo Kogos, que tem quase 200 mil inscritos no YouTube e ficou conhecido por sua defesa de ideias econômicas libertárias, tornou-se pré-candidato a vereador pela União Brasil.

No Rio de Janeiro, o influenciador Cristian Santos, o Pantera, que faz vídeos de humor relacionados ao futebol e ao Botafogo, também virou pré-candidato pelo União Brasil. Em Cuiabá, o influenciador Rafic Yassin, que tem mais de 300 mil seguidores no Instagram, anunciou que quer ser candidato a vereador de Cuiabá pelo PP.

No Espírito Santo, o proprietário antes anônimo da conta de humor no Instagram “O Parcial”, que publica notícias satíricas sobre política, passou a mostrar sua cara em 2023, identificando-se como o empresário Vitor Magnoni. Em 2024, ele anunciou sua pré-candidatura à Câmara Municipal de Vitória pelo PSB.

Todos eles esperam aproveitar uma onda semelhante à que já converteu outros nomes famosos da internet brasileira a cargas políticas. Foi o caso, por exemplo, do deputado federal mais votado nas eleições de 2022, Nikolas Ferreira (PL-MG), que começou a ganhar notoriedade especialmente por vídeos publicados no YouTube e nas redes sociais criticando a esquerda. Em 2020, no embalo de sua popularidade no mundo digital, Nikolas já havia sido eleito vereador em Belo Horizonte.

Caso semelhante é o de Arthur do Val (União-SP), do canal de YouTube “Mamãe Falei”, que faz críticas à militância política cega por meio de entrevistas com participantes de eventos e manifestações de esquerda. Ele se tornou deputado estadual em 2019, mas acabou renunciando ao cargo em 2022, após o Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo abrir um processo contra ele. Do Val se tornou alvo de um inquérito depois do vazamento de um áudio de WhatsApp em que dizia que mulheres ucranianas “são simples porque são pobres”.

Influenciadores que entram na política ainda enfrentam desconfiança

O episódio de Arthur do Val é emblemático de como influenciadores podem se tornar vítimas da própria ferramenta que os alçou à fama. Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec-BH e da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), “a visibilidade ampla pode destruir rapidamente uma imagem se uma pessoa mostrar inconsistência, incoerência”.

“Os influenciadores publicam muito, e a gente sabe que, à direita e à esquerda, há uma rede de pessoas analisando os conteúdos publicados. Eles podem recuperar rapidamente tuítes, publicações antigas que vão contradizer a posição atual do influenciador. A menos que ele tenha uma Conduta consistente em termos políticos, isso pode gerar muita dificuldade”, comenta.

Na hora de traduzir para a vida política o sucesso nas redes, outro desafio dos influenciadores é convencer os participantes de que eles não continuarão se comportando mais como figuras da internet do que como servidores públicos. “As pessoas não estão votando em professor de treinador, vão votar em quem vai cuidar da cidade”, afirmou Ricardo Nunes alguns dias depois de Marçal anunciar que seria candidato.

Para Cerqueira, “é mais fácil um político que saiba usar as redes sociais se beneficiar e conseguir ter um grande sucesso do que o contrário”, e há inclusive o perigo de que uma candidatura se torne motivo de perda de influência nas redes sociais. “Um influenciador que tem uma boa renda financeira por conta dos seguidores e resolver investir na vida política pode ter mais resultados negativos do que positivos. Ele pode até mesmo perder relevância, seguidores e a receita financeira que antes tinha”, observa.

Esse foi o caso, por exemplo, da jornalista e ex-deputada federal Joice Hasselmann, que tinha perto de 2 milhões de seguidores no Instagram até 2019, e hoje tem cerca de 600 mil. Boa parte de seu sucesso nas redes se desvia a sua defesa de valores caros à direita. Após o rompimento com Bolsonaro e uma mudança radical em seu discurso motivado por conflitos políticos, ela começou a perder seguidores rapidamente.

“A menos que o influenciador tenha uma noção exata do que quer, de quem ele quer representar, ele pode realmente se perder nesse mundo. Se ele sabe o que quer, se tem uma linha reta em termos de ação política, aí sim esse contato mais direto vai dar a ele uma grande substituição”, diz Cerqueira.

Para ele, Nikolas Ferreira é um bom exemplo disso. “É um grande influenciador. Ao mesmo tempo, tem uma carreira política já promissora. É muito jovem, mas já é deputado federal. Sabe como usar as redes sociais, ao mesmo tempo em que consegue se garantir em termos de renovação”, afirma o professor. “Mas o que eu vejo é que isso raramente acontece.”

Paulo Kramer, doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), vê com ceticismo a ideia de celebridades virtuais vazando para a política do mundo real. “Os influenciadores adquirem fama por serem famosos, o que faz com que esta seja uma profissão, ampla, tautológica. Eu vou ser bem sincero — e é provável que meu ponto de vista reflita tão-somente a rabugice de um quase septuagenário —, mas a ascensão desses influenciadores me parece a confirmação cabala do vaticínio de Nelson Rodrigues: a grande revolução do nosso tempo é a revolução dos idiotas”, comenta.

Para ele, o grande risco da nova onda de influenciadores digitais na política é que a mediocridade acaba ganhando cada vez mais espaço nas cargas de prestígio. “Alexis de Tocqueville [escritor francês (1805-1859)] já anunciava que o nivelamento social crescente, marca distintiva das sociedades modernas, resultaria em massa informativa – ou disforme – de indivíduos impacientes ao menor sinal de distinção característico de uma cada vez mais rara e incerta excelência humana. A volúpia igualitária, a revolta instintiva contra todas as desigualdades condicionais”, diz Kramer, “embota o gosto pela liberdade e torna esses cidadãos presas simples de governantes com vocação para a tirania”.

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