O fracasso nas eleições municipais deste ano e a necessidade de buscar alianças que viabilizem uma eventual reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2026, ampliaram a racha interna na cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT). A principal disputa se dá no entorno da sucessão de Gleisi Hoffmann na presidência da sigla, já que seu mandato termina em 2025.
A crise foi acentuada nesta segunda-feira (28) depois que Gleisi Hoffmann e Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, divergiram publicamente sobre o desempenho do partido nas urnas. Logo após um encontro com Lula no Palácio da Alvorada, o auxiliar do presidente afirmou que o PT está desde 2016 no “Z-4 das eleições municipais” – expressão usada para se referir à zona de rebaixamento no futebol.
“O PT, desde 2016, entrou no fim da tabela do Z4 [zona de rebaixamento] das eleições legislativas. O PT tem um debate a fazer com o segmento dos trabalhadores, sobretudo os que ganham de dois a dez níveis mínimos, que por algum motivo não se sentem representados”, disse Padilha.
A fala do ministro foi alvo de críticas por parte de uma ala do PT durante o encontro da executiva, que se reuniu para fazer um balanço sobre o desempenho neste segundo turno. Publicamente, Gleisi criticou a fala de Padilha e apontou falhas em seu trabalho como articuladora do governo no Congresso Nacional.
“Padilha deve focar nos músculos, políticas do governo, de sua responsabilidade, que ajudamam a chegar a esses resultados. Mais respeito com o partido que entregou por Lula Livre e Lula Presidente, quando poucos defenderam”, escreveu a deputada nas redes sociais.
Ainda segundo o presidente do PT, o baixo desempenho do partido no pleito municipal se deu por conta das alianças do governo Lula com os partidos de centro. Ela é de opinião de que o PT deveria focar mais na ideologia de esquerda e prestar menos atenção em acordos. “Pagamos o preço, como partido, de estar num governo de ampla coalizão. E estamos numa ofensiva da extrema direita. Ofender o partido, fazendo graça, e diminuir nosso esforço nacional não contribui para alterar essa expansão de forças”, completou.
Integrantes do partido ouvidos pela reportagem afirmaram que a reunião da executiva do PT foi marcada por críticas ao governo e por cobranças por uma reconexão com as bases e pelo reposicionamento da legenda mais à esquerda. Gleisi, por outro lado, tentou contornar o clima de tensão falando em “retomada” e citou os 252 prefeitos eleitos este ano, contra 183 em 2020. Para ela, a vitória em Fortaleza foi a “cereja do bolo”, pois em 2020 o partido não venceu nenhum capital.
Apesar dos números apresentados pelo petista, o partido foi o nono no ranking dos que mais elegeram prefeitos neste ano. Partidos do Centrão – como PSD (887), MDB (853) e PP (747) – foram os que mais obtiveram sucesso no pleito municipal.
Para o secretário de comunicação do PT, deputado Jilmar Tatto (SP), faltou apoio do próprio Lula para as candidaturas do partido. “O governo não ajudou. Tem muita várzea no governo e isso é perigoso, pensando em 2026. Os partidos do Centrão tiveram emendas e canalizaram tudo para os candidatos deles. Nós, não”, disse.
Ala do PT defende antecipação da saída de Gleisi Hoffmann da presidência do PT
A “lavagem de roupa suja” acontece em meio à pressão de uma ala dentro do PT para que Gleisi Hoffmann antecipe a sua saída da presidência do partido. Essa possibilidade foi levantada pelo próprio presidente Lula em uma reunião logo após o primeiro turno.
Pelo calendário oficial, o petista seguirá no comando do partido até junho de 2025. O PT deverá realizar entre os dias 05 e 07 de dezembro um congresso para discutir as regras para a sucessão de Gleisi.
A disputa pela antecipação da troca de presidência se dá justamente na ala majoritária da direção nacional e que comanda a maioria dos diretórios estaduais. O grupo inclui a própria Gleisi, o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um dos principais desafetos da deputada.
O presidente do PT e Haddad acumularam divergências, principalmente, em relação à política econômica do governo. Gleisi é contra corte de gastos estruturais, como em saúde e educação, seguro-desemprego e benefícios aos servidores públicos, que estão sendo cogitadas pelo ministro da Fazenda atualmente.
Essa ala de oposição a Gleisi inclui ainda o ex-ministro José Dirceu, que foi beneficiado por uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou suas condenações no âmbito da operação Lava Jato. Ao lado do presidente Lula, esse grupo acampou a candidatura de Edinho Silva, prefeito de Araraquara e que foi responsável por fazer a cooperação de comunicação da campanha presidencial de 2022.
A avaliação dessa ala é de que Edinho tem um perfil mais moderado e seria capaz de construir alianças ao centro acontecendo a reeleição de Lula em 2026. O governo, por exemplo, já discute criar mais espaço para partidos como PSD – seria uma forma de ampliar a governabilidade do petista.
“Ainda que de forma capenga, o PT conseguiu disputar em muitas cidades. Mas a liga da direita é uma questão ideológica, onde estamos falhando. Temos de fazer, urgentemente, um reposicionamento”, disse o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Os adversários de Edinho Silva, no entanto, avaliam que ele saiu enfraquecido das eleições municipais, pois não conseguiu eleger o seu sucessor em Araraquara. Apesar disso, seus aliados indicam que seu poder de diálogo é maior que o do atual presidente. Eles citaram, por exemplo, que enquanto o deputado ataca Tarcísio de Freitas em suas redes sociais, o prefeito defende o diálogo com o governador de São Paulo.
Outra reivindicação feita pela ala que defende a saída de Gleisi é sobre a distribuição do fundo eleitoral. Integrantes do partido na Câmara defendem que o próximo presidente garanta o direito da bancada também ter decisão sobre como serão os repasses. Atualmente, essa atribuição fica apenas com a execução nacional da legenda.
Gleisi tenta emplacar sucessora do Nordeste
Publicamente, Gleisi Hoffmann afirma que seguirá à frente do partido até o final do seu mandato. Contudo, a avaliação, inclusive entre os seus aliados, é de que a sucessão deve ocorrer já no começo de 2025.
Com essa movimentação, o atual presidente vem concorrer ao atual líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), que assume o comando do partido. Gleisi tem defendido que é preciso que o partido seja liderado por um nome do Nordeste, um dos principais redutos eleitorais petistas. O fato do PT ter conquistado a prefeitura de Fortaleza, com Evandro Leitão, vem sendo usado também como argumento.
Apesar de seu trânsito com diversas lideranças do Centrão no Congresso, Guimarães já disputou uma cadeira do Senado em 2026 pelo Ceará e estar no comando do PT poderia inviabilizar seus planos eleitorais. Outro nome cotado pelos aliados de Gleisi é o do senador Humberto Costa (PT-PE), que coordenou ao lado do atual presidente o grupo de trabalho do PT nas eleições municipais.
Apesar da queda de braço que vem sendo travada, dentro do Palácio do Planalto a avaliação é de que o movimento de Gleisi não deve prosperar. Nos cálculos dos aliados de Lula, os nomes apontados não aglutinaram o apoio da maioria do partido neste momento e enfrentaram outras lideranças do próprio Nordeste, como o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que é da Bahia, e o ministro da Educação, Camilo Santana, do Ceará, por exemplo.
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