Segundo o texto de Randolfe, o Código Eleitoral seria alterado para que a votação para as duas cadeiras de senadores fosse permitida para apenas um candidato, sendo então eleitos o primeiro e os segundos mais votados. O modelo atual permite que o eleitor vote em dois nomes diferentes, o que, em tese, favorece a eleição de candidaturas de mesma coligação ou partido. A ideia da oposição é lançar ao menos duas candidaturas fortes em cada estado para ficar com as duas vagas.
Na justificativa de seu projeto, o senador esquerdista argumenta que as inserções em sequência na urna de dois candidatos ao Senado facilitam a “concentração de poder em um único grupo político, prejudicando a diversidade representativa”. Ele ainda destaca que o atual contexto de forte polarização política exige mecanismos para garantir uma “representação mais plural”.
Sob o argumento de conter a polarização, projeto tem a direita como alvo principal
Para políticos e analistas ouvidos pela Gazeta do Povoembora o projeto contenha desvios causados pela polarização, seu alvo é de direita, principalmente aliados de Jair Bolsonaro (PL). O ex-presidente tem articulado, com antecedência, uma estratégia para lançar pares de candidatos competitivos ao Senado em 2026, formando uma maioria conservadora.
A partir da posse dos eleitos, em fevereiro de 2027, uma nova configuração do plenário possibilitaria a eleição de um presidente do Senado alinhado à agenda da direita, viabilizando a abertura inédita do processo de impeachment contra ministros do STF, medida vista como essencial para equilibrar os poderes da República, mas sempre barrados pelos chefes do Legislativo.
O plano de Bolsonaro para eleições e reeleições de aliados para o Senado inclui a demissão de membros de sua família, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Michelle Bolsonaro (PL-DF). Nesse sentido, o ex-presidente investe na montagem de candidaturas “combo”, com chapas para governador e senadores, para o eleitor abraçar um só campo político.
Nesse modelo, um candidato mais forte seria outro, que também pediria votos para o primeiro, consolidando os votos conservadores. É justamente o arranjo que o projeto de Randolfe busca inviabilizar.
Projeto sofre resistência no Congresso e analista vê clara manobra casuística
O projeto de Randolfe sofre resistência no Congresso, especialmente entre os parlamentares da oposição, que veem nele interferência na dinâmica eleitoral e na tentativa de preservação do poder governamental.
O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) condenou o projeto para evidenciar o temor de eleição recorde de senadores conservadores e do impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF, “pavimentando o caminho para a renovação da Corte a partir de 2027 e a contenção de leis autoritárias”. “Os governistas estão apavorados e a proposta é o novo plano de ação”, concluiu.
Gayer argumenta que o projeto, na prática, reduz o poder de voto do cidadão à metade e visa fragmentar a votação na direita. “É um ato de desespero absoluto e uma grande desfaçatez, com sérias consequências para a democracia”, alertou.
Oposição e governo testem candidaturas para diversos campos ideológicos
O PL 4629/2024 acrescenta forte ao cenário político, quando governo e oposição intensificam músculos para testar candidaturas em respectivos campos ideológicos. Nomes como o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) já fazem campanha para disputar uma das próximas vagas no Senado. Outros, como a deputada Bia Kicis (PL-DF), dependentes de acertos locais.
O consultor eleitoral e cientista político Paulo Kramer aponta que as séries históricas dos últimos pleitos confirmam a tendência de crescimento do voto conservador no país. Assim, o projeto de Randolfe representaria uma “nada sutil tentativa de virada de mesa”. Apesar disso, ele acredita que, mesmo aprovado, a proposta governamental pode não surtir o efeito esperado.
A justificativa do projeto assume com clareza que, mesmo com o impulso conservador na votação para o Senado, o segundo mais votado na eleição seria um nome de esquerda, algo que Kramer duvida que possa ocorrer hoje na maioria dos estados. Ele lembra que outras contestações eleitorais no passado, como a regra de 1982 que desejaram voto unificado no mesmo partido, acabaram favorecendo a oposição, mostrando-se um “tiro pela culatra”.
Tramitação do projeto de Randolfe encontra obstáculos técnicos e políticos
O cientista político Ismael Almeida avalia que o PL 4.629/2024 tem poucas chances de avanço devido a diversos fatores. “O caráter casuístico do projeto já impõe dificuldades naturais, sobretudo considerando o perfil dominante dos senadores atuais, de centro e centro-direita, eleitos sob o sistema vigente”, destaca. Além disso, há obstáculos de ordem técnica.
Almeida lembra que o texto deverá ser inicialmente elaborado para a análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em dados indefinidos. Ocorre ainda que no colegiado já tramita, há três anos, o projeto de lei complementar (PLP) 112/2021, que trata da criação de novo código eleitoral. “Por tais razões, limitadas e de forma autônoma”, disse.
A cada eleição a composição do Senado é alterada, alternando entre um terço e dois terços das cadeiras. No pleito de 2026, os eleitores votarão em dois senadores, pois 54 das 81 cadeiras do Senado votarão em disputa. É preciso escolher dois candidatos diferentes, pois um segundo voto no mesmo nome será anulado. Há ainda a opção de votar em branco. Por se tratar de uma eleição majoritária, não há voto em legenda para o Senado.
Deixe o Seu Comentário