Apesar de a Controladoria-Geral da União (CGU) apontar fraudes na aplicação de R$ 10 milhões destinados à Universidade Federal de Sergipe (UFS) durante uma pandemia de COVID-19o Ministério Público Federal do estado (MPF-SE) e a Polícia Federal (PF) estão prestes a arquivar a investigação. Mais de 90% do valor é recurso público, encaminhado à instituição para projetos de pesquisa sobre a doença e compra de testículos que não foram recebidos oficialmente.
“Há acusações de crimes como peculato, corrupção e emprego irregular de palavras públicas”, informa a especialista em Direito Penal Denise Leal Albano. Professora na UFS, ela já denunciou outras irregularidades envolvendo a universidade, como um contrato de R$ 12 milhões firmado com o Ministério da Educação (MEC) e que foi suspenso após reportagem da Gazeta do Povo.
Também há R$ 700 mil doados pelo Instituto Butantã para pesquisas relacionadas à Coronavac, R$ 1,5 milhão de parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT-SE), Ministério Público Federal (MPF-SE) e Ministério Público do Estado de Sergipe (MP-SE), e ainda R$ 720 mil doados pela JBS, empresa investigada pela Lava Jato que confessou esquema que beneficiou políticos do PSDB e PT.
“A doação da JBS é a única palavra de empresa privada, então caberia à PF e ao MPF apurarem o caso”, aponta a professora, ao afirmar que a CGU analisou todos os demais documentos e constatou, por exemplo, superfaturamento em contratos, fraude em licitações e pagamentos indevidos. O relatório foi entregue ao Ministério Público de Sergipe em junho de 2023.
Entre os fatos apresentados pela Controladoria-Geral está a falta de confirmação da coleta dos testes adquiridos por R$ 1,8 milhão e pagamentos antecipados (trecho do relatório abaixo). O órgão informa que a antecipação de valor causou “prejuízo potencial de R$ 798 milhões”devido à redução natural do preço dos insumos durante uma pandemia.
A CGU também fornece contratações de pessoal com dispensa de licitação, sem justificativa, e com indicação equivocada do local de prestação de serviço (trecho abaixo). O relatório informa ainda que não foi apresentada comprovação de experiência dos contratados e que os processos carecem de “qualquer fundamentação”.
Além disso, a Controladoria indicou outras irregularidades, como pagamentos superfaturados, embora os contratantes conhecessem “outros fornecedores potenciais” que poderiam apresentar propostas de preços competitivos.
Após a divulgação do relatório de 110 páginas (disponível na íntegra aqui), a advogada Denise Albano entrou em contato com o MPF-SE e com a Superintendência Regional da Polícia Federal no estado para verificar como estava o processo de apuração dessas ilicitudes, mas não recebi informações.
“Claro que eles não poderiam me revelar tudo e eu nem pediria, mas aproveitei para dizer que esperavam que solicitassem quebras de sigilo e ordens de busca e apreensão para investigar os envolvidos”, menciona a professora, que nunca recebeu confirmação de que esses procedimentos têm sido realizado.
UM Gazeta do Povo Entrei em contato com o MPF-SE e com a PF do estado solicitando detalhes do andamento dos inquéritos, mas não obtive retorno até a publicação desta reportagem.
O que diz a UFS?
Além de questionar a Justiça, Denise também solicitou a instauração de um procedimento dentro da UFS para apurar as irregularidades apontadas internamente na instituição e localizar os servidores responsáveis.
No entanto, ela informa que a UFS arquivou o pedido sob alegação de que as pesquisas mencionadas na denúncia foram gerenciadas pela Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de Sergipe (Fapese). Essa é a mesma fundação que gerenciava os R$ 12 milhões do projeto firmado entre MEC e UFS com valor quase sete vezes maior que o esperado.
Portanto, ao receber a resposta da instituição, o especialista recorreu. “Os professores têm vínculo com a universidade, essas pesquisas foram realizadas no âmbito da UFS, todos os coordenadores são do campus São Cristóvão [foto abaixo] e as ilicitudes precisam ser apuradas”, diz. “Mesmo assim, eles arquivaram”, continua. A reportagem entrou em contato com a UFS, e aguarda retorno.
Entenda o caso dos R$ 10 milhões enviados à UFS durante a pandemia
Ainda segundo advogada, o caso começou quando ela, que é pesquisadora da temática de crime organizado e corrupção, decidiu analisar pesquisas que foram realizadas pela universidade e que foram usadas para suportar as medidas de restrição durante a pandemia, como toque de reposição e confinamento.
“Suspeito que essas pesquisas têm dados forjados, tanto com base nos documentos que levantei, como atualizado, mais tarde, no relatório da CGU”, expõe, ao citar que “pode ter existido uma orquestração para explicar o terror que vimos na pandemia, como quarentena, vacinação obrigatória, passaporte vacinal e interdito à autonomia médica”. Os estudos subsequentes comprovaram a ineficiência dessas medidas.
A partir da suspeita, um pesquisador analisou relatórios emitidos pela Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU) que apontavam irregularidades na Universidade Federal de Sergipe (UFS), como contas reprovadas, multas por problemas em licitação e falta de transparência.
Então, encaminhei pedidos — por meio da Lei de Acesso à Informação — aos setores da universidade que estariam envolvidos. “Só que as respostas eram contraditórias, evasivas, e muitas questões não eram esclarecidas”, relata Denise.
Diante da situação, ela e outros professores da UFS reuniram um acervo de documentos com intenções de desvios de verbos e contrataram, de forma independente, uma auditoria contábil para avaliar o material.
O serviço apontado como irregularidades, e os professores enviaram o resultado, em setembro de 2021, ao Ministério Público Federal de Sergipe, à Controladoria-Geral da União e à Polícia Federal no estado. A UFS e a Fapese também foram comunicadas.
No entanto, “mais de três anos passaram e, em vez de vermos o resultado das investigações, o inquérito pode ser arquivado”, lamenta Denise.
“Mais de três anos passaram e, em vez de vermos o resultado das investigações, o inquérito pode ser arquivado”
Denise Leal Albano, especialista em Direito Penal e professora da UFS
MPF-SE envia representação ao TCU, que não tem competência para avaliar
Uma das únicas ações realizadas pelo MPF-SE, segundo a professora, foi o envio, “quase imediata” da denúncia ao Tribunal de Contas da União (TCU).
“E eu questionei o Procurador da República se fosse comum enviar uma representação ao TCU sem encaminhar documentos e sem tomar quaisquer providências para apuração”, relata o especialista em processo penal.
Segundo ela, sua representação entregue ao Ministério Público citava suspeitas de crimes e também um projeto relacionado à empresa JBS. “Eu sei, e o Procurador também sabe, que o TCU não tem competência criminal e nem competência para apurar destinos de recursos privados”, aponta a professora, ao questionar o motivo desse envio. “Foi para que o Tribunal de Contas da União arquivasse o caso, como fez?”.
UM Gazeta do Povoo Procurador de Justiça do MP-SP, José Carlos Mascari Bonilha, informa que o MP pode encaminhar para outra autoridade a representação recebida, desde que “considere não ter atribuição para atuar no caso”, explica.
No entanto, ele explica que não é comum enviar para órgãos que não tenham competência em relação ao assunto, como parece ter ocorrido com o TCU, que não apura atos de improbidade administrativa, relacionados a enriquecimento ilícito, lesão ao patrimônio público ou atentado contra princípios da administração pública.
“Essa análise de ocorrência de atos de improbidade administrativa é feita pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário”, diz Bonilha, que também é mestre em Direito Processual Penal.
Procedimento padrão do Ministério Público exige investigação
Ainda segundo ele, sempre que o MP recebe uma representação — chamado popularmente de denúncia — é preciso instaurar um procedimento formal, registrar no sistema e aprofundar as investigações. “Para isso, pede ofícios aos órgãos que verifiquem pertinentes, ouve investigados e testemunhas, e determinem realização de perícia”.
Esta investigação aprofundada faz com que, ao final, o promotor firme sua honestidade a respeito do fato, que pode ser a abertura de uma ação civil pública ou celebração de acordo com alguma obrigação a ser cumprida pelas partes envolvidas.
“E, se o membro do MP entende que não é preciso entrar com ação civil pública, o arquivamento deve ser solicitado ao controle interno, por Conselho Superior, para reavaliar a decisão”, continua Bonilha, ressaltando que a reabertura do procedimento pode ser determinada a qualquer momento que surjam novas provas.
“Se um membro do MP entende que não é preciso entrar com ação civil pública, o arquivamento deverá ser submetido a um controle interno realizado pelo Conselho Superior”
José Carlos Mascari Bonilha, Procurador de Justiça
O que você sabe sobre o respeito da investigação até agora?
De acordo com a professora Denise, dois inquéritos foram abertos pelo MPF-SE, e uma investigação foi realizada pela PF, com depoimentos de testemunhas. “Uma delas, inclusive, citou o pagamento de 'bolsas' aos orientandos sem que, necessariamente, as pesquisas envolvam relação direta com a pandemia.”
Também foi localizado, segundo a especialista, um laboratório desenvolvido recentemente no município sergipano de Nossa Senhora do Socorro em nome de dois alunos que receberam bolsa na UFS. “Mas é um professor da universidade, envolvido nos projetos citados nas investigações, que se apresenta no local como dono desse laboratório”, aponta.
Outra testemunha, segundo o especialista em Direito Penal, relatou um “esquema de rachadinha”entre alunos bolsistas e professores. “Esse depoimento, inclusive, 'vazou' e o aluno sofreu retaliações”, lamenta Denise, que se preocupa com a demora excessiva do processo devido à segurança das testemunhas e dos professores que denunciaram os fatos.
“Venho sofrer retaliações e ameaças”, revela, ao pedir ceridade nas investigações, mas sem otimismo. “Se mais pessoas tomarem conhecimento sobre o que ocorreu nesse período sombrio da pandemia, inclusive para a ciência, e ficarem mais alerta, já estarei satisfeito”, finaliza.
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