A vitória do candidato Donald Trump à Casa Branca ampliou os holofotes em relação ao pacote de corte de gastos que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve divulgar ainda nesta semana para equilibrar as contas públicas. A medida é necessária para enganar também o mercado financeiro e a alta do dólar.
As propostas do republicano para a economia prometem fortalecer a moeda americana munidalmente e promover a desvalorização do real que já vem acontecendo devido à insatisfação do mercado financeiro com a situação fiscal.
O dólar chegou a beirar a casa dos R$ 5,90 na semana passada, por conta da demora do governo petista em apresentar as medidas para o corte de gastos.
Com a sinalização do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que as tratativas do pacote estavam avançadas, o mercado financeiro havia se acalmado e o dólar, recuado.
Nesta quarta-feira (6), após a vitória do republicano, a cotação abriu novamente perto da máxima histórica, a R$ 5,86. Ao longo do dia, a moeda se estabilizou e atingiu R$ 5,678 por volta das 16h30.
Haddad contribuiu novamente para a desaceleração, ao afirmar em Brasília que a rodada de reuniões entre ministros para tratar das medidas fiscais está concluída. “Os ministros estão todos muito conscientes da tarefa que temos pela frente”, disse.
As incertezas no mercado financeiro, no entanto, permanecem. “A combinação da vitória de Trump com um pacote de gastos que não seja bem recebido pelo mercado é explosiva”, avalia Sílvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.
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Protecionismo vai impactar exportações
O programa anunciado pelo presidente eleito dos EUA é considerado inflacionário devido às tarifas externas e cortes de impostos.
Se pela mesma implementação, o Fed – o banco central norte-americano – será obrigado a manter os juros aumentados por mais tempo para conter a disparada dos preços.
Com isso, os títulos da dívida pública dos EUA, os Tesouros, serão ainda mais atrativos, provocando a migração de recursos para lá e fortalecendo o dólar em relação às demais moedas.
Trump também está disposto a aumentar as tarifas de importação para proteger as empresas norte-americanas da concorrência estrangeira e atrair investimentos no país.
O sinal republicano sinalizou que cobraria tarifas de 60% sobre produtos chineses e de 10% sobre mercadorias dos demais países.
“Há ainda bastante incerteza sobre a previsão desse tipo de medida e se de fato serão inovadores pelo novo governo”, avaliou o Bradesco, em nota. “De toda forma, sua adoção teria efeitos altistas sobre a inflação global, menor eficiência alocativa e menor crescimento da economia mundial.”
Os EUA são o segundo parceiro comercial do Brasil. As exportações alcançaram US$ 36,9 bilhões em 2023, ou 10,9% do total exportado, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
Os principais produtos brasileiros exportados para os EUA, candidatos a tarifas, são petróleo, ferro e aço, celulose, café e aeronaves. Todos com alíquota zero ou, no caso de petróleo, abaixo de 10%.
Se as vendas para lá diminuírem, o país receberá menos dólares, elevando ainda mais as cotações da moeda ante o real.
Aumenta a pressão sobre o panorama fiscal
Neste cenário, a expectativa do mercado financeiro em relação ao panorama fiscal interno fica mais evidenciada. “Esse ambiente de percepção de juros mais altos, caso se consolide, adicione uma camada de incerteza à dinâmica da dívida pública local e, com dólar forte, também ao real”, avaliou o banco Bradesco em nota. ajuste fiscal ganha ainda mais importância”,
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, concorda que as atenções agora estão voltadas para a resposta do governo Lula. “Depois do resultado eleitoral nos Estados Unidos, a gente tem um governo no Brasil mais pressionado”, diz. “Portanto, alguma coisa vai ter que ser anunciada, rapidamente e com uma boa qualidade.”
Para José Alfaix, economista da Rio Bravo, o desempenho do dólar frente ao real tem refletido a descrença dos investidores em relação ao que virá do governo. “Há muito “ruído” derivado do ceticismo dos investidores por parte do comprometimento do governo [com o corte de gastos]”, diz.
Se o ajuste for robusto, destaca Alfaix, a apreciação do real frente ao dólar seria imediata. “Com um ajuste crível e disposto a analisar os problemas do crescimento ocasional das despesas obrigatórias, certamente observaríamos uma apreciação relevante do real”, diz. “O problema é se esse ajuste realmente acontecer, e será compatível com as expectativas do mercado.”
Caso as medidas não sejam lidas pelo mercado como satisfatórias, os economistas preveem arremetida da cotação do dólar.
“Se o governo brasileiro não melhorar essa situação fiscal, o dólar pode chegar a R$ 6”, diz Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike. “Para conter essa alta, é fundamental controlar os gastos públicos e, se necessário, o Banco Central seja mais rigoroso em relação à alta dos juros para se ter uma compensação sobre as moedas.”
Sidney Lima, Analista CNPI da Ouro Preto Investimentos, acredita em um agravamento da fuga de investimentos sem a resolução das questões das contas públicas no Brasil. “Entre janeiro e setembro, o país viu a saída de mais de US$ 52 bilhões, refletindo a preocupação dos investidores com a capacidade do governo de cumprir suas metas fiscais e controlar o endividamento crescente”, lembra.
Isso aconteceu apesar do ciclo de redução do juro americano, iniciado em setembro pelo Fed. Países emergentes, que têm juros maiores, geralmente se beneficiam da medida. Não foi o caso do Brasil, “por conta das incertezas fiscais e econômicas”.
Para Padovani, o mercado sabe que o governo não dará uma resposta insuficiente para aumentar a confiança na estabilidade da dívida pública.
“Ele deve dar uma sinalização de estabilidade do arcabouço fiscal suficiente apenas para enganar o mercado. Ainda assim, muitas dúvidas continuarão em relação à trajetória da dívida.”
Incrementada pelo ciclo de alta de juros, a dívida brutal do setor público deve atingir 84,3% do PIB em 2026 e 90% em 2032, segundo a mediana das projeções coletadas pelo boletim Focus, do Banco Central.
A estratégia do governo, destaca Padovani, é evitar um cenário de explosão do dólar, demonstrando alguma ocorrência. “Mas, como as medidas são fracas, o que ele vai conseguir é postergar a tensão financeira mais para frente. As dúvidas e a tensão vão na medida em que você se aproxima do calendário eleitoral 2026”, afirma.
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