A proposta de regulamentação da reforma tributária que passou na Câmara e ainda será comprovada pelo Senado pode elevar os custos de geração de energia, além de afetar diretamente a competitividade do setor, reivindicando advogados tributaristas. As mudanças podem se refletir no aumento das tarifas para grande parte dos consumidores. O governo alega, por outro lado, que o valor tende a cair após a reforma.
Justamente para evitar uma tributação excessiva nesse contexto, a Emenda Constitucional 132, promulgada no fim do ano passado, estabelece explicitamente que o Imposto Seletivo, criado com a reforma tributária, não incidirá sobre energia elétrica e telecomunicações.
No entanto, ao apresentar o projeto de lei complementar (PLP) 68/2024, que regulamenta a parte constitucional da reforma, o governo propôs a incidência do mesmo imposto sobre a remoção de petróleo e gás natural. Na Câmara, o recolhimento do tributo foi estendido ainda ao carvão mineral.
Além de matéria-prima para combustíveis de veículos e equipamentos, os minerais são utilizados na geração de energia por meio de termelétricas.
A redação anterior do projeto previa a tributação apenas sobre bens minerais extraídos no Brasil, mas, na Câmara, o termo “extraídos” foi suprimido, o que, segundo tributaristas, significa que o imposto poderá incidir também sobre produtos importados, como o petróleo cru , normalmente comprado no exterior para refinarias em sede nacional.
“O IS será cobrado sobre bens minerais extraídos no Brasil ou importados. Nota-se, inclusive, um paradoxo: incidir a tributação sobre os insumos de itens que são essenciais para a fabricação de combustíveis e produção de energia, impactando toda a economia nacional”, diz Giovanna Porfírio, advogada tributarista da Bento Muniz Advocacia.
Para ela, a incidência do Imposto Seletivo sobre petróleo, gás natural e carvão mineral pode afetar até mesmo a concorrência internacional, uma vez que o ônus tributário pode acarretar um desincentivo à atividade.
Guilherme Peloso Araújo, sócio do Carvalho Borges Araújo Advogados, lembra que, desde 2022, a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), os estados passaram a praticar alíquotas de ICMS entre 17% e 18% sobre o fornecimento de energia elétrica em razão da essencialidade do serviço.
Com isso, a carga direta sobre o setor passou a ficar entre 26,25% e 27,25%, considerando ainda uma alíquota de 9,25% de PIS e Cofins. O governo projeta uma tributação em torno de 26,5% ao fim da transição para os novos Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). “Perde-se a chance de desoneração de um insumo tão importante”, avalia Araújo.
Giovanna destaca ainda que o PLP 68 estabelece que quaisquer valores pagos a título de tributos e preços públicos serão incluídos na base de cálculo do imposto e da contribuição. “Em outras palavras, a TUSD [Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição] ea TUST [Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição] serão incluídos na base de cálculo do IBS e da CBS, seguindo o mesmo raciocínio consolidado do Corte Superior no Tema 986, podendo implicar em uma possível bitributação.”
“Para o consumidor final, os impactos dessas mudanças na tributação resultam em aumento de custos, como nos valores de combustíveis e na conta de luz, culminando em custos logísticos mais elevados, bem como no próprio desincentivo às atividades econômicas”, diz advogada.
Governo diz que imposto sobre conta de luz deve cair após reforma
Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que a tributação da energia elétrica para o consumidor final deve ser mais baixa após a reforma. Segundo a pasta, o modelo de tributação atual resulta em uma carga de pelo menos 34,4% em relação aos valores antes dos impostos, considerando uma alíquota atual modal de 9,25% de PIS e Cofins e uma alíquota de 18% de ICMS , que hoje incidente em cascata.
“Com relação à TUSD e a TUST, eles já são cobrados atualmente na conta da energia elétrica”, diz trecho de nota enviada pelo ministério. “Por fim, com relação ao imposto seletivo sobre petróleo, gás natural e carvão mineral, a Câmara decidiu que sua alíquota não poderá ser superior a 0,25%, que é uma alíquota simbólica, que não terá qualquer impacto relevante sobre o custo de geração de energia.”
O impacto da reforma tributária para a cadeia de geração, transmissão e distribuição de energia, no entanto, vai além da carga direta de impostos. Despesas com contratação de serviços, aluguel de máquinas e equipamentos, dentre outros investimentos do setor devem ser mais tributados no novo sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Na nota, a Fazenda ressalta ainda que o PLP aprovado pela Câmara dos Deputados prevê a devolução de 100% da CBS e de 20% do IBS sobre energia elétrica para famílias de baixa renda, por meio do sistema de cashback.
Conforme o texto, terão direito ao ressarcimento dos impostos as famílias inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) cuja renda mensal per capita seja de até meio salário mínimo.
Hoje, no entanto, já existe uma política semelhante voltada ao mesmo público, a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), que prevê benefícios que podem chegar a até 65% de desconto sobre o valor total da conta de luz, a depender do consumo mensalmente.
Deixe o Seu Comentário