Região com baixo desenvolvimento e detentora de um dos piores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, o Vale do Jequitinhonha tem sido a escolha para multinacionais instalarem unidades. O movimento tem tido como reflexos o impulso do empreendedorismo local e a criação de empregos. O projeto do Vale do Lítiodo governo de Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais, começou há um ano e demonstra relevância não apenas pela proteção do metal, que possui papel fundamental na transição energética global, mas também pelo papel financeiro no desenvolvimento econômico local.
O anúncio foi realizado na Nasdaq em 9 de maio de 2023, destacando a iniciativa como uma prioridade para o desenvolvimento econômico das cidades do norte e nordeste do estado. Além da exploração do lítio, o projeto visa a promoção do emprego e o aumento da renda regional, integrando esforços em educação e diversificação econômica. O metal é usado na fabricação de medicamentos e se destaca na produção energética e tecnológica. Devido à limitação de ampliação de seu uso na escala global, tem sido um vetor de transformação para a região.
Segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, a partir da implantação do projeto os investimentos privados na região ultrapassaram R$ 5,5 bilhões, com a criação de 10 mil empregos diretos e indiretos. Cinco grandes empresas se estabeleceram na região, com duas já operando e exportando o mineral. A produção e exportação do lucro desenvolveu-se para um crescimento expressivo do Produto Interno Bruto (PIB) per capita nas cidades de Araçuaí e Itinga, que registraram aumentos de quase 30% e 20%, respectivamente, entre 2018 e 2021.
Empresas surgem e crescem no Vale do Lítio
A movimentação mais interessante são as pequenas empresas locais que são surgidas – e crescidas – na região. De hotéis a lanchonetes, o comércio local e a prestação de serviços são beneficiados dos grandes investimentos traficados pela mineração.
Segundo dados da Junta Comercial de Minas Gerais, no primeiro quadrimestre de 2024 o Vale do Lítio manteve o desempenho do mesmo período do ano anterior, quando teve saldo positivo no número de empresas. O saldo foi de 268 empresas, sendo que foram 717 constituições e 449 extinções. Em 2023 o saldo era de 302 (649 empresas abertas e 347 fechadas).
O destaque neste cenário é Teófilo Otoni, maior cidade da região (140.937 habitantes segundo o Censo de 2020), que fica a 440 quilômetros de Belo Horizonte. Em 2023 foram criadas 199 empresas no primeiro quadrimestre e, em 2024, o número é de 202.
De acordo com a Junta Comercial, 71% das empresas abertas em Teófilo Otoni atuam no setor de serviços, enquanto 26% estão no comércio e 3% na indústria. Outro dado importante é que 75% dos CNPJs criados na cidade são de microempreendedores individuais e 21% de microempresas, mostrando que o cenário tem estimulado as pessoas a empreenderem para atender às demandas que são trazidas pelo novo cenário econômico da região.
O cenário se repete em cidades menores como Araçuaí, que possui quase 35 mil habitantes de acordo com o último censo do IBGE, e está a 678 quilômetros da capital mineira. Nos primeiros quatro meses deste ano, a cidade teve 31 novas empresas abertas. Tanto neste ano quanto no ano passado, a diferença entre CNPJs criados no período foi positivo, com saldo positivo 17 deste ano e 27 no ano passado. São números relevantes, dado o tamanho do município.
Eliana Pereira dos Santos, de 54 anos, é uma dessas empreendedoras. Fazendo salgados há 22 anos, conta que começou porque queria ter algo seu. “Eu queria ser dona de um negócio, porque sempre trabalhei em casa de família e era tudo muito difícil. Mas eu pensei: 'Meu Deus, eu não vim no mundo só pra isso'”.
Com ajuda do marido, Eliana iniciou a venda de salgados que fazia em casa. Depois de todos esses anos, pensei em parar, até que a chegada de novos investimentos na região trouxe, além de ânimo, uma oportunidade de crescimento. Dois clientes de Eliana comentaram sobre um projeto de microcrédito que estava sendo oferecido e, apesar da desconfiança inicial, um empreendedor decidiu arriscar. “Elas me falaram que eles (do programa de microcrédito) iam conceder empréstimo de R$ 2 mil, com 6 meses de carência, parcelas fixas e o juro era baixinho. Eu falei: 'isso é golpe'”, relembrando, afirmando que, ao descobrir que era algo sério, indicado para outras mulheres.
A linha de microcrédito que Eliana conta é o Fundo “Dona de Mim”, projeto apoiado pela Mineradora Sigma, que visa oferecer financiamento para microempreendedoras. Para Eliana, o dinheiro somado à entrega que a exploração do lucro trouxe, veio como uma alavanca para os negócios. “Comprei meu forno, passei a ter uma mercadoria de mais qualidade, tive contato com outras pessoas… Eu tenho vários clientes que trabalham na empresa, porque a partir do momento que você está ali no projeto, eles divulgam o que a gente faz ”.
Eliana ainda comenta que, com toda a entrega e a entrada no projeto, acabou conhecendo outras empreendedoras que formam hoje uma rede de fornecedores. “Se você me ligar e encomendar um salgado, eu vou te falar com a minha amiga que faz docinhos, tem outra que faz personalizados, tem como fazer artesanato. Nós nos unimos e eu vejo uma cidade completamente diferente”, atesta ela.
O secretário de Desenvolvimento Econômico, Fernando Passalio, pontua que os números superam as expectativas iniciais do Projeto Vale do Lítio, que ainda tem muito potencial de crescimento e melhoria na qualidade de vida da população. “Quando iniciamos esse projeto do Vale do Lítio, conseguimos triplicar o número de pesquisas minerárias e essas pesquisas estão chamando a atenção de todo o mundo, muitas empresas vindo e a comunidade estão sentindo os efeitos desse desenvolvimento. Muitos investimentos gerados, muito investimento investindo, muitas empresas dobrando de tamanho”, comemora.
“O hotel que ficamos (em referência a uma visita feita por líderes do governo em abril deste ano) em Araçuaí dobrou de tamanho, foi construído mais um prédio para atender a demanda da região. E nós estamos falando de emprego, de renda, de circulação de riquezas. Isso tudo faz sentido no dia a dia de quem mora na região”, afirma o secretário.
Empreendedores aprovam desenvolvimento da região
Maurício Andrade, 64 anos, é dono de uma pousada em Araçuaí desde a década de 1980 e confirma que os negócios melhoraram nos últimos meses. “Eu sabia que os investimentos iriam crescer aqui um dia. E realmente comecei a chegar ao pessoal agora. Construí outro hotel. Depois, construí um anexo em cima dele”, conta.
Dos 71 apartamentos do hotel de Maurício, 35 são recém-inaugurados. O empresário afirma que tem visto diversas empresas novas chegando na cidade e que a demanda cresceu. Ele aumentou a equipe em 50% no último ano, além de melhorar os salários, e hoje tem 18 funcionários. “Você não acha um pedreiro para trabalhar, porque está todo mundo com muito serviço. Para segurar uma pessoa, tem que aumentar o salário, pois tem muita oportunidade de trabalho”, relata.
A extração de minério é realizada principalmente pela Companhia Brasileira de Lítio (CBL), atuante desde 1991, e pela Sigma Lithium, que iniciou as operações em 2023. Com investimentos previstos também de outras mineradoras, como Atlas Lithium, Lithium Ionic e Latin Resources, a região vê um futuro promissor. Além disso, a exploração do lítio tem gerado aumentos substanciais na arrecadação de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), que saltou de R$ 1,419 milhões em 2019 para R$ 55,1 milhões em 2023.
Passalio afirma que outras empresas, em fase de licenciamento ambiental, devem iniciar operações ainda este ano e que o governo segue buscando investimentos. “Nossa meta é continuar atraindo investimentos para o estado. A bola da vez é o Vale do Lítio, porque estamos falando da transição energética, que é um assunto em pauta no mundo. E uma vez que o lítio que temos naquela região é de alta qualidade, com custo excelente para a remoção, tem chamado a atenção de empresas globais que vêm para a região”.
O projeto Vale do Lítio também estimulou a multiplicação de processos minerários registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM), refletindo o interesse crescente pelo mineral. Em 2024, até abril, o número de processos relacionados à pesquisa de lítio atingido 1.900, um aumento notável em relação aos anos anteriores.
As exportações de produtos da cadeia do lítio somaram US$ 496,8 milhões em 2023, com Minas Gerais respondendo por 99,3% das exportações brasileiras do setor. Os principais mercados incluem China (98,7%), França (0,7%) e Reino Unido (0,2%), demonstrando a relevância internacional do estado no mercado de lítio.
O secretário pontua, porém, que ainda existem obstáculos para os empreendedores locais e estrangeiros. “Temos problemas seríssimos ainda a serem vencidos. Falta ainda o governo federal trabalhar a BR-367 que está em situação de penúria. A rodovia tem sido um limitador de desenvolvimento da região. Um trecho que liga ali Araçuaí a Itinga é perigoso, colocando a vida das pessoas em risco e tirando renda das empresas das duas cidades. As pessoas deixam de transitar porque a via é totalmente impraticável. São buracos atrás de buracos e é muito comum vermos acidentes ali naquela região”, aponta.
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