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Governo dribla lei fiscal para multiplicar Auxílio Gás

Governo dribla lei fiscal para multiplicar Auxílio Gás

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O governo Lula está driblando o arcabouço fiscal que ele mesmo inventou. Com a finta, poderá multiplicar os gastos com o Auxílio Gás sem descumprir a meta para as contas públicas. O benefício foi criado na gestão de Jair Bolsonaro e duplicado pouco antes das eleições de 2022, também às margens das regras fiscais, então regidas pelo teto de gastos.

O presidente da República e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciaram na semana passada que o auxílio chegará a muito mais gente. Nem parece o mesmo governo que, com o pretexto de equilibrar suas contas, anuncia dia e noite que precisa aumentar impostos.

Hoje 5,6 milhões de famílias têm direito ao vale. Esse número, segundo o governo, subirá para “mais de 20 milhões” até dezembro de 2025. Com isso, os recursos envolvidos “podem chegar” a R$ 13,6 bilhões “durante o ano de 2026”. Em comparação, o valor para 2024 é de R$ 3,4 bilhões.

As expressões entre aspas nos parágrafos acima constam de notícias veiculadas pelo Planalto e dão uma ideia da imprecisão da coisa, em termos de dados e valores. Mas, em suma, o que o governo quer é quadruplicar o Auxílio Gás até o ano das eleições presidenciais.

Se você consultar o Orçamento do ano que vem, no entanto, verá que estão reservados apenas R$ 600 milhões para o programa. Quer dizer que o Auxílio Gás será reduzido a menos de um quinto do valor atual, em vez de crescer?

Não. O que vai acontecer é que a maior parte do programa será paga por fora do Orçamento. E isso permitirá multiplicar os valores sem pressionar o limite de gastos do arcabouço fiscal.

Portal do Orçamento mostra que o governo reservou apenas R$ 600 milhões para o Auxílio Gás em 2025, apesar da promessa de multiplicar o benefício. A razão é que a maior parte será paga por fora do Orçamento.

Qual é o truque?

Vamos por etapas. O projeto de lei assinado pelo ministro Silveira e seu colega Fernando Haddad, da Fazenda, cria uma nova modalidade de pagamento do Auxílio Gás. Em vez de ser entregue diretamente ao beneficiário, como ocorre hoje, o dinheiro será repassado às distribuidoras de gás cadastradas, que distribuirão os botijões de GLP, com o devido desconto, às pessoas que tiverem direito.

(O governo explica que, assim, “há garantia de que os recursos sejam empregados diretamente na compra de GLP, combatendo a pobreza energética”. Uma antiga reclamação das distribuidoras é de que os brasileiros de baixa renda gastaram o dinheiro do vale-gás no que bem entende, e não em botijões; daí que acabam a queima de lenha, em prejuízo da própria saúde e do meio ambiente – e da caixa dessas empresas, claro.)

O programa será bancado com recursos do Fundo Social, ou seja, oriundos principalmente da produção do pré-sal. Mas o governo propõe um novo trajeto para a grana. Em vez de seguir o caminho normal (ser depositado no Fundo Social, depois repassado ao Tesouro e depois usado no Orçamento), o dinheiro poderá ir direto das petroleiras para… a Caixa Econômica Federal, e dali para as distribuidoras de gás de cozinha. É que o banco estatal, dispensado de licitação, ficará encarregado de “operacionalizar” o Auxílio Gás.

Ao tomar esse atalho, o dinheiro não é contabilizado como gasto no Orçamento da União. E o governo fica à vontade para afirmar que cumprirá a meta de déficit zero em 2025.

A artimanha não passou despercebida. Observadores das contas federais tocaram o alerta e disseram que o drible fragiliza a adição do ajuste fiscal.

Em entrevista coletiva na segunda-feira (2), o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, buscou ressaltar que uma ideia não nasceu em seu ministério. “Nosso compromisso é corrigir o processo, se houver qualquer falha ou dúvida. Ouvir críticas, tratar, aprimorar e corrigir possíveis erros”, afirmou.

Mesmo nascido em outras bandas, o novo Auxílio Gás leva a assinatura de Haddad, que se coloca como fiador dos compromissos fiscais do governo. O ministro participou da cerimônia em que a medida foi anunciada e lá disse que Lula tem “grandes chances” de fazer seu melhor mandato na Presidência.

Também é facto que o Orçamento de 2025 depende dessa e de outras perspicácias para que indique, pelo menos no papel, o cumprimento da meta fiscal. A peça conta com novos aumentos de impostos e traz uma projeção aparentemente subestimada dos gastos com a Previdência.

Bolsonaro dobrou Auxílio Gás às vésperas das eleições e fora do teto de gastos

Não é a primeira vez que o governo federal recorre a melhorias fiscais para ampliar o Auxílio-Gás. O benefício foi criado no fim de 2021 pelo então presidente Bolsonaro. Em meados de 2022, às vésperas das eleições, ele patrocinou uma emenda constitucional que dobrou o valor do vale, além de criar vouchers para taxistas e caminhoneiros e ampliar o Auxílio Brasil (hoje Bolsa Família) de R$ 400 para R$ 600.

O pacote custou R$ 41 bilhões, a serem pagos fora do teto de gastos e no período eleitoral, e só foi possível porque a mesma emenda declarou um certo “estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo”.

Meses antes, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, havia classificado a proposta de “bomba fiscal”. Sua equipe apelidava de “PEC Kamikaze”. Mais adiante, Guedes passou a chamar-la de “PEC das Bondades”.

Há pouco mais de um mês, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgando ação movida pelo partido Novo, declarou inconstitucionais a declaração de estado de emergência e os benefícios decorrentes da emenda.

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