O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem contado com a ajuda do noticiário e das redes sociais para postergar o anúncio do corte de gastos, necessário para equilibrar o orçamento de 2025 e dos anos seguintes.
Mesmo antes das explosões em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta-feira (13), a repercussão da proposta de emenda à Constituição (PEC) para reduzir a jornada de trabalho 6×1 já havia contribuído para desviar a atenção do assunto.
“Muita coisa contribuiu para o corte de gastos sair de foco”, afirma o cientista político João Lucas Moreira Pires. “A eleição presidencial nos Estados Unidos, a COP29 [Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, no Azerbaijão]uma jornada 6×1 e até uma explosão no STF. O assunto dos cortes acabou ficando em segundo plano.”
Assim, o governo conseguiu ganhar tempo para administrar a “batata quente” que tem em mãos. O assunto tratou de resistências às massas afetadas, dos anfitriões petistas e do próprio presidente, que precisou ser reforçado pela urgência do ajuste.
“O governo está com uma imensa dificuldade para definir essa revisão dos gastos”, afirma Sérgio Praça, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV Cpdoc). “A explosão do STF e a jornada 6×1 jogam a favor, sim, porque tiram a atenção.”
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Haddad: sem “tempo hábil” para anúncio do corte de gastos
Há mais de duas semanas se espera que o governo bata o martelo sobre as medidas para corrigir o arcabouço fiscal. Na última quarta-feira, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, disse que o pacote está pronto, mas que não há previsão de dados de divulgação.
“Não sei se há tempo hábil”, disse o ministro aos jornalistas na entrada do edifício-sede da Fazenda.
A equipe presidencial está voltada para agendas e encontros bilaterais de Lula durante sua participação na Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, na próxima semana (dias 18 e 19). E, na próxima quarta-feira (20), feriado da Consciência Negra, Lula estará ocupado com a visita de Estado do presidente da China, Xi Jinping.O encontro é visto com atenção, já que Brasil e China têm interesses geopolíticos via Brics ( grupo de países emergentes) e ensaiam aproximações para projetos de infraestrutura. Antes de viajar para Brasília, o presidente chinês estará na véspera no Rio de Janeiro, no encontro do G20.
Mercado financeiro tem incertezas refletidas
A expectativa inicial de Haddad era de que o pacote de gastos fosse finalizado no dia 5. Enquanto a proposta não é anunciada, o mercado financeiro tem refletido o cenário de incertezas. O Ibovespa (índice de ações da bolsa de valores, B3) caiu aproximadamente 1,6% em novembro. O dólar chegou a bater em R$ 5,86 no início do mês. O atraso continua sendo preciso.
“Os investidores financeiros seguem se deteriorando, a curva de juros mais alta, a bolsa em queda e o real se desvalorizando”, afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings. “O mercado não paga para ver, ele ajusta os prêmios de risco na medida que não há uma definição mais clara.”
Para Sílvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências, quando as medidas forem adotadas com implementação de trabalhos para o crescimento das despesas, o mal-estar será amenizado, mas sem uma reversão de expectativas.
“Vai persistir uma leitura de dúvidas, de ceticismo sobre como será a condução da economia nesses últimos dois anos de mandato”, diz. “Mas pelo menos no curto prazo talvez consigamos conter um pouco essa escalada de nervosismo.”
Para Moreira Pires, “o mercado sabe que o pacote sairá até dezembro”, porque o governo não tem opção. Mas ele acredita que o valor cortado deve ficar em torno do piso das projeções iniciais do mercado (cerca de R$ 30 bilhões) e não do teto (R$ 50 bilhões).
“Caso o anúncio não aconteça, não será surpresa uma inflação que ultrapasse os cinco pontos”, diz o cientista político. Hoje a previsão mediana do mercado é de que o IPCA feche o ano em 4,62%.
Para Agostini, o atraso não traduz “comodismo” do governo, mas a complexidade da construção dos acordos. “Não é algo trivial de se fazer em um governo, que é cortar gastos. A conversa e os acordos estão sendo construídos”, diz. “O governo está conversando com os três poderes para tentar conseguir um pacote robusto e confiável, ou vai continuar com a dúvida dos investidores. Têm sido ventiladas várias hipóteses, mas ainda com pouca discussão.”
Inclusão de militares no pacote gera nova tensão
O último ponto de impasse veio à tona na semana passada, com a inclusão da pasta da Defesa no pacote. O governo federal, segundo relatos que vieram a público, propôs a redução de benefícios para parentes de militares e mudanças no sistema de previdência da carreira.
Para os analistas, foi um esforço do Planalto para sinalizar que o corte atingiria o chamado “andar de cima”, e não apenas os benefícios sociais, preservando a popularidade de Lula.
Conforme relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) publicado em junho, o déficit per capita na previdência militar é 17 vezes maior que o do INSS. No Sistema das Forças Armadas, o saldo negativo entre arrecadação e despesa equivale a R$ 159 mil por beneficiário, contra R$ 9,4 mil no Regime Geral de Previdência.
“A maior dificuldade, sem dúvida, incluirá os militares”, diz Sérgio Praça. “O governo mente ao dizer que, ao longo do ano, pactuou qualquer coisa com essa categoria. Revisar gastos, especialmente previdenciários, será importantíssimo para o país, mas as chances de isso ocorrer agora, a meu ver, são pequenas.”
Na quarta-feira, Haddad se reuniu pela manhã com os comandantes das Forças Armadas e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Ficou decidido que as equipes técnicas dos dois ministérios se reunirão para fazer cálculos e detalhar as medidas de ajuste.
À tarde, o presidente Lula esteve com Múcio e os comandantes das três Forças numa solenidade para assistir à promoção dos oficiais generais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, que ocorre todos os anos. Mas o tema não foi abordado.
Corte de gastos em pastas sociais continua em pauta
Segundo interlocutores do governo, as demais iniciativas veiculadas nas áreas de Previdência, Desenvolvimento Social, Trabalho e Emprego, Saúde e Educação continuam em pauta. Estes dois últimos devem ter a inclusão dos pisos constitucionais no arcabouço fiscal, que prevê um crescimento máximo de despesas de 2,5% ao ano.
Os ministros dessas áreas tinham manifestado contrariedade com a ideia. Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, lançou mudanças no Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Luiz Marinho, da pasta do Trabalho e Emprego, criticou a possível redução do seguro-desemprego e o ministro da Previdência, Carlos Lupi, ameaçou pedir demissão se a pasta tiver cortes. Nísia Trindade, da Saúde, e Camilo Santana, da Educação, também resistiram a possíveis mudanças nos pisos constitucionais das suas áreas.
Haddad sinalizou que já houve acordo. “Os ministros foram submetidos a essa ideia, reagiram de várias maneiras, mas todos compreenderam a necessidade de nós termos de sustentabilidade nos próximos anos. Se depender de mim, essa arquitetura deve ser de longo prazo no Brasil”, disse.
Independentemente de quando ocorrer o anúncio, interlocutores do presidente afirmam que a palavra “corte” deve ser evitada, e substituída pelo termo “ajustes”.
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