A eletrificação de veículos no país seguiu acelerada. No primeiro semestre foram vendidos 79 mil carros elétricos e híbridos no mercado brasileiro, ante 32 mil no mesmo período de 2023. Os números tendem a crescer quando começar a produção de carros elétricos nas fábricas da BYD, na Bahia, e da GWM, em São Paulo. Paulo. As duas montadas chinesas serão as primeiras a fabricar em escala de veículos leves elétricos no Brasil.
A infraestrutura associada aos elétricos, porém, avança mais lentamente, com insuficiências de postos de recarga, limitações de autopeças e falta de profissionais especializados.
O descompasso dos atuais 8,8 mil pontos de recarga espalhados no país para quase 300 mil veículos em circulação, entre outras dificuldades da eletrificação, pode ser um transtorno para o consumidor. Mas ao mesmo tempo abre espaço para negócios relacionados ao setor, como reposição de autopeças, manutenção, locação de veículos, postos de recarga, comércio e até condomínios.
“Quando se tem uma frota crescente, experimentando vendas crescentes ano a ano, surgem oportunidades para outros segmentos”, analisa Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
A consultoria de estratégia nos setores de energia e automotivo Mirow & Co. calcula que, a partir de 2030, uma cadeia de veículos elétricos no Brasil movimentará mais de R$ 200 bilhões por ano. A projeção considera que até lá 10% da frota brasileira será de veículos movidos a bateria, híbridos ou não.
O setor automotivo em geral soma uma prospecção de R$ 167 bilhões do total. Autopeças e locação de veículos, serviços de carga e o setor elétrico vêm em seguida, com valores estimados de R$ 17 bilhões, R$ 14 bilhões e R$ 10 bilhões, respectivamente.
“A eletrificação vai transformar negócios já existentes e promover novos negócios entre empresas de setores que serão convergentes, como o de recarga e o de distribuição de energia elétrica, por exemplo. Haverá fusões e aquisições com vistas a essa nova realidade”, avalia Felipe Diniz, sócio e líder do estudo na Mirow & Co.
Recarga é lacuna para consumidor e oportunidade de negócio
A recarga atualmente é uma das questões principais a ser resolvida no país. Os motoristas ficam inseguros de pegar estradas com grandes distâncias e não encontrarem postos de recarga no caminho. Nas rodovias, os eletropostos costumam ser de carregamento ultrarrápido. Ainda assim, a tomada e a conexão, bem como a sua potência e o tempo necessário para alimentar a bateria, variam conforme o modelo do conector e do veículo.
Além disso, apesar do incentivo à eletrificação, o governo não construiu, nem incentiva ou paga por estes eletropostos. Bastos pontua que existem fontes de financiamento para negócios em geral, mas não há projetos focados no fomento à infraestrutura da eletrificação, como em outros países.
No momento, o problema vem sendo contornado com as próprias montadas instalando pontos e carregadores pelo país. Outros, porém, ficam na aba das concorrentes, o que acende críticas dentro do setor.
O uso de 75% de seus eletropostos por veículos de outras marcas levou a Volvo a mudar sua política de recarga. Desde o mês passado, a empresa decidiu cobrar R$ 4 o kWh e taxa de conectividade de R$ 2,50 para carros elétricos de outras marcas recarregarem nos seus 52 pontos rápidos em rodovias, presentes em 37 rotas.
Com investimento de R$ 70 milhões para chegar a 101 postos, a Volvo cortou as asas das montadas que participaram apenas do bônus, sem ônus algum. A mudança é uma forma de pressionar outras companhias para não vender o “brinquedo sem a pilha”.
“Quanto mais players e parceiros existem para abranger novas rotas, mais rápido atingiremos nosso objetivo de contribuições a eletromobilidade no Brasil”, diz a companhia sueca.
O estudo da Mirow & Co. prevê que até 2030 a demanda de recarga de veículos elétricos de passeio seja ampla em 2% o consumo nacional de eletricidade. O entendimento é que, à medida que mais carros elétricos circulam, os postos de multisserviço se adaptam, criando oportunidades tanto para empresas especializadas em gestão de pontos de recarga e fabricantes de carregadores quanto ao comércio.
Hoje os consumidores carregam cerca de 80% de suas baterias em casa ou no trabalho, locais onde passam a maior parte do tempo. Os outros 20% são recargas de conveniência, na rua ou na estrada. O tempo de espera do motorista pela recarga pode ser convertido em venda em postos de abastecimento, shoppings e outros estacionamentos em centros comerciais.
“O dono do posto veja uma oportunidade aí na espera, pois ele atende a recarga e ainda vende outros itens enquanto o cliente espera o carro carregando”, observa Thiago Castilha, diretor de marketing da Associação Brasileira das Empresas de Equipamentos e de Serviços para o Mercado de Combustíveis e de Conveniência (Abieps).
Segundo ele, grandes empresas de energia vêm investindo em eletropostos de recarga rápida nas estradas e dentro das áreas urbanas. Bastos, da ABVE, acrescenta que os corredores (trechos conectados) estão sendo criados por empresas de postos de combustíveis.
“A previsão é dobrar o número de carregadores públicos em dois anos. O mais importante é a distribuição destes pontos ser assertiva e a expectativa de carregadores cada vez mais rápidos. Nas estradas, tem que ter recargas rápidas e ultrarrápidas”, acrescenta Bastos.
A Vibra, dona da rede de postos de combustível com a marca Petrobras, tem 15 eletropostos em quase 2 mil quilômetros de extensão, a maioria no Rio de Janeiro. As outras estão nas capitais do Espírito Santo e da Bahia e no interior de Minas Gerais.
A meta divulgada pela empresa é somar 70 postos com pontos de recarga em 9 mil quilômetros de rede até 2025, dos quais 50 em estradas e 20 em centros urbanos.
Outro segmento atento à tendência é o imobiliário. Assim como as academias e espaços pet e gourmet foram diferenciais no passado, agora os destaques são minimercados independentes e locais para os moradores recarregarem seus veículos.
“Hoje quando as pessoas vão procurar apartamento é mais comum perguntar se tem ponto de carregamento. Antigamente, era apenas em residentes de alto padrão, agora é uma demanda geral. Então entendemos que os condomínios precisam ser estruturados, principalmente os grandes”, conta João Marcelo Frey, gerente de negócios da administradora Apsa.
A empresa gerencia mais de 3 mil condomínios em oito estados e fez parceria com uma companhia de recarga de carros elétricos. Frey explica que são dois modelos oferecidos a mais de 300 mil condomínios. O mais procurado é aquele em que o morador contrata a instalação de uma tomada apenas na sua garagem, para seu próprio consumo.
O outro é um ponto de uso comum, com custo avaliado entre todos os condôminos. Esse modelo é mais comum em novos condomínios na expectativa de valorização do imóvel. O porém é que os moradores não querem pagar por um serviço que não usam.
“Ainda tem muita resistência de contratar ponto de recarga no condomínio por quem não usa, mas entendemos que valoriza o imóvel”, completa Frey.
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