Após seguidos desmentidos de que não iria adiar a implementação do novo regulamento antidesmatamento, a Comissão Europeia anunciou nesta quarta-feira (2) que o EUDR, como é conhecido, não entrará mais em vigor no dia 30 de dezembro de 2024.
O novo prazo, que ainda dependerá da aprovação do Parlamento Europeu, será 30 de dezembro de 2025 para grandes empresas e 30 de junho de 2026, para micro e pequenas empresas. O regulamento estabelece uma série de auditorias e certificações para comprovar que produtos das cadeias de soja, carne, borracha, café, madeira, cacau e óleo de palma não sejam provenientes de áreas desmatadas após 2020, legalmente ou não.
Estudo do Ministério da Agricultura apontou que 31,8% das exportações brasileiras para a Europa poderiam ser afetadas pelo EUDR, o que representa 14,7 bilhões de dólares. No início do mês, os ministros brasileiros da Agricultura e Relações Exteriores enviaram carta conjunta à cúpula da União Europeia solicitando que o bloco adiasse o regulamento, classificado como “unilateral e punitivo”, que prejudica sobretudo os pequenos produtores, além de ignorar a lei brasileira sobre desmatamento. Em Nova York, durante a assembleia da ONU, o adiamento também foi pedido pelo presidente Lula à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
O EUDR foi criticado dentro e fora da Europa
O movimento de oposição ao EUDR era crescente dentro do próprio bloco europeu. O chanceler alemão, Olaf Scholz, pediu uma suspensão do regulamento pelo que seriam “exigências impraticáveis” e “peso burocrático drástico para as empresas”. O governo italiano também já havia se manifestado publicamente contra as novas regras, afirmando que “as empresas envolvidas não estão preparadas para cumprir as obrigações de rastreabilidades praticadas”. As consequências podem se traduzir não apenas em “grandes dificuldades econômicas, mas também em aumento significativo no risco de alimentos no mercado ilegal”.
Ao explicar o adiamento do EUDR, a Comissão Europeia afirmou que todas as ferramentas de implementação estão prontas. “Os 12 meses extras podem servir como um período de introdução gradual para garantir uma implementação adequada e eficaz”, diz nota. “É uma solução equilibrada para dar suporte aos operadores em todo o mundo na garantia de uma facilidade tranquila, desde o início”, lê-se em outro trecho.
As autoridades de Bruxelas enfatizaram que “a proposta de extensão não coloca em questão de forma alguns objetivos ou a substância da lei”.
Ao mesmo tempo em que adiou o EUDR, a Comissão Europeia publicou documentos orientativos para cumprimento das exigências do regulamento. As diretrizes detalham funcionalidades do sistema de informação, atualizações sobre previsões e esclarecimentos sobre definições críticas, como “degradação florestal”, “operador” no escopo da lei e “colocação no mercado”. Foi publicado também um guia adicional de perguntas e respostas com 40 novos itens.
Lei poderia inviabilizar embarques de soja
O rigor do regulamento europeu, e a falta de esclarecimentos sobre detalhes da nova lei, estava tirando o sono do setor produtivo brasileiro. A não conformidade com as regras prévias multa de até 4% da receita líquida anual das empresas. Em caso de contaminação, no mínimo que fosse, um navio inteiro com soja poderia ser obrigado a voltar para o porto de origem.
“Se aplicarem essa multa de 4%, se as auditorias forem rigorosas, tenho certeza de que muitos exportadores não terão mais interesse de continuar operando com a Europa. Nossa margem de lucro para óleo de soja é de 2%. Imagine tirar 4% da receita anual líquida? Isso quebra a empresa”, disse à Gazeta do Povo, em entrevista anterior ao adiamento da norma, Bernardo Pires, diretor de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal (Abiove), que reúne as principais negociações que operam nenhum país.
O intervalo do setor produtivo com o adiamento do EUDR contrasta com o envolvimento das ONGs para sua implementação imediata. Logo após o governo brasileiro enviar carta a Bruxelas pedindo mais tempo, a rede de ONGs ambientais reunidas no Observatório do Clima invejosa outra carta, posição oposta.
ONGs eram contra adiamento
“É inadmissível que, com o país inteiro em chamas e às portas da COP30, autoridades do governo brasileiro se comportem como porta-vozes de parte de um setor da economia bastante implicado na perda de biodiversidade e nas mudanças climáticas para defender que a UE atrase a implementação da legislação, o que, em última análise, prejudica o próprio agronegócio brasileiro”, afirmaram as ONGs.
Do lado europeu, a preocupação era económica e de segurança alimentar. A Associação dos Fabricantes de Ração alertou que as exigências do EUDR provocariam um aumento de 5% a 10% nos preços da soja e consequências, com impacto em outras fontes alternativas de proteína, atingindo um custo de 2,25 bilhões de euros somente em 2025 A Europa consome 30 milhões de toneladas de soja anualmente, mas “não há garantia de que haverá produtos em conformidade com o Eudr para atender a demanda em 2025”, alertou a FEFAC.
Café brasileiro em posição privilegiada
Dentre os setores afetados pelo EUDR, o café brasileiro está em um patamar diferenciado. A Europa, actualmente, é destino de 47,5% dos embarques nacionais. “Se eu fosse um torrefador de café na Europa, eu iria comprar café do Brasil, porque eu sei que o país está mais avançado para atender a essas regulamentações, que tem tecnologia para isso. Eu não iria para países menores, na África e na Ásia , onde não tenho essa segurança”, disse à Gazeta o consultor Neil Rosser, da agência Bison Luxley Commodities, de Londres.
Ainda que possa haver benefícios para o café brasileiro num primeiro momento, o diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé), Marcos Matos, avalia que o regulamento traz riscos significativos. Os mapas por inteligência artificial, por exemplo, das áreas desmatadas, não distinguem bem pés de cafés de matas nativas, o que gerariam “falsos positivos” para o desmatamento.
Além disso, há uma preocupação com o impacto disruptivo do EUDR na cadeia mundial do café. “O EUDR pode, sim, causar exclusão social em várias origens mais vulneráveis, países africanos e centro-americanos. Se existir a exclusão desses mercados, a norma não cumpriu sua função, porque gerou pobreza, gerou miséria e exclusão social”, diz Matos .
Os europeus dependem das commodities brasileiras
Na justificativa para o adiamento do EUDR, a Comissão Europeia afirmou repetidamente ter levado em consideração a preocupação de países parceiros. Mas uma eventual ruptura nas correntes de comércio poderia ter efeitos devastadores também na Europa.
Um exemplo é o farelo de soja, item essencial para a produção de proteína animal. Atualmente, é no Brasil que os europeus buscam 59% de todo farelo de soja que atualmente para alimentar os rebanhos de aves, bovinos, suínos e peixes que garantem a segurança alimentar do continente. Em comparação, as compras europeias representam apenas 14% das exportações brasileiras do complexo soja.
“É verdade que eles importam 46% do nosso farelo, que tem mais valor agregado. Mas, no total, são 14% das exportações, ou 11 bilhões de dólares. Em valores é muito significativo, mas 14% não é como a China, que tem 70%. Não é mais o mercado predominante, o Brasil conseguiria de certa forma se ajustar e sobreviver, ainda que com bastante impacto, sem a Europa”, garante Pires, da Abiove.
Foi tentar evitar esse tipo de impacto indesejável que a Comissão Europeia, finalmente, se curvou aos alertas de “um caos anunciado”.
“Com as ações hoje anunciadas, a Comissão considera que serão cumpridas as condições necessárias para uma implementação suave do EUDR”, diz o documento europeu.
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