O que o mercado financeiro e o próprio governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) temiam ocorrido: interesses eleitorais, inclusive da base parlamentar de apoio, tiraram vigor do pacote de ajuste fiscal. Além disso, a apreciação pelo Congresso das tardias e medidas insuficientes do ministro Fernando Haddad (Fazenda) escancarou a fraqueza política dele próprio e do presidente, mesmo diante da liberação de mais de R$ 7 bilhões em emendas parlamentares na última semana.
A resistência de Lula em enfrentar efeitos da desconfiança do mercado, que levou a cotações recordes do dólar e à escalada de juros, e o desgaste de Haddad se juntou ao mau humor gerado pelo bloqueio de emendas parlamentares no fim do ano. Nesse ambiente, o Congresso agiu conforme seus interesses, tumultuando o calendário e reforçando o pessimismo.
Na conturbada última semana de votações do ano no Congresso, o desgaste de Lula e Haddad reforçou o impasse. Declarações de líderes governamentais evidenciaram o desconforto com incertezas sobre os projetos propostos pela Fazenda. Por fim, o cabo de guerra em torno do Orçamento minou a chamada de responsabilidade em favor do equilíbrio das contas públicas.
Haddad tenta minimizar a desidratação das medidas do pacote pelo Congresso
Ainda na quarta-feira (18), Haddad minimizou a desidratação pelo Congresso do pacote fiscal, dizendo que ela “não tem grande monta” e acrescentando que espera manter a “escala” de contenção de gastos no patamar próximo da meta do governo. A equipe econômica estima um rompimento de R$ 327 bilhões de 2025 a 2030. Apesar disso, o Tesouro prevê déficit até 2026.
A Câmara também decidiu limitar o bloqueio das emendas para cumprir os limites do marco fiscal a só uma parte (15%) delas e às não impositivas, graças a uma emenda apresentada de última hora pelo próprio líder do governo, deputado José Guimarães (PT- CE). Com isso, fiquem de fora do ajuste das emendas individuais e de bancada, de pagamento obrigatório.
Os deputados ainda reduziram de oito para cinco os fundos públicos que podem ser desvinculados para abater dívidas do governo, excluindo os de combate às drogas, da Marinha Mercante e da Aviação Civil. Juntos, eles tinham saldo de R$ 20,4 bilhões no final de 2023, cerca da metade dos oito.
A maior parte das propostas do pacto de corte de gastos ainda está sendo comprovada pela Câmara nesta quinta e deve passar por apreciação no Senado na sexta.
Servidores pressionaram os parlamentares para impedir mudanças nos supersalários
Persistem resistência às mudanças no fundo constitucional do Distrito Federal e na contenção dos chamados supersalários do serviço público, principalmente do Judiciário. O relatório da PEC que muda regras do abono salarial prévio que uma lei complementar tratou das verbas que podem ficar fora do teto salarial dos servidores, hoje de R$ 44 mil mensais. As entidades de defesa das categorias afetadas montaram forte esquema de pressão junto aos parlamentares para evitar modificações.
O relator Moisés Rodrigues (União Brasil-CE) mudou o texto para prever que a regulamentação seria por meio de lei ordinária, que requer quórum mais baixo que a PEC, sendo facilmente flexibilizada. Outro trecho incluído pelo deputado deixa claro que, se não mudar a regra, tudo fica como é hoje.
Com isso, em vez de aprovar ou suportar o pacote fiscal, o Congresso caminha para esvaziá-lo e elevar as projeções de inflação, juros e câmbio, diante da diminuição da capacidade do governo em ajustar as contas públicas.
Não por acaso, de forma unânime, o Banco Central (BC), acossado pela alta da inflação, elevou a taxa básica de juros (Selic) em um ponto, para 12,25% ao ano e ainda sinalizou que em três meses o percentual poderá chegar a 14,25%. A última vez em que a Selic atingiu esse nível foi em 2015, quando Dilma Rousseff (PT) era presidente e o país afundava na recessão.
Diferentemente do que Lula e o PT afirmam, a alta dos juros tenta compensar a ausência de ações do governo para conter a trajetória de alta da dívida pública. Nesse cenário, parlamentares, incluindo governistas, resistem a aprovar medidas como o persistência nas regras de benefício destinadas a idosos e deficientes pobres (BPC), com temores eleitorais.
A votação do pacote no Congresso só foi desviada após liberação de emendas
A votação das propostas para contenção de gastos só foi possível após o governo pagar R$ 7,1 bilhões em emendas parlamentares em apenas dois dias. Os recursos ficaram suspensos e foram liberados após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ainda há R$ 8 bilhões em emendas de comissão que não foram pagas. Na prática, essas emendas são controladas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Nesse tipo de emenda, o nome dos beneficiários fica oculto, situação que o STF ordenou a suspensão. O governo só quer pagar o restante após sexta-feira (20).
Em paralelo, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Júlio Lopes (PP-RJ) visa cortar R$ 1,5 trilhão em 10 anos, com desindexação e desvinculação de vários pontos do Orçamento. Mas há quem defende ações na direção recomendada. De toda forma, a demora na aprovação do pacote inclui o ajuste fiscal.
Para o economista Vandyck Silveira, as autoridades do governo fixaram o dólar em R$ 6 como novo piso, sem chances de ceder. Dessa forma, usar reservas cambiais para conter a dinâmica cambial seria “ineficaz e insustentável”.
“O governo precisa assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento econômico que criou. Sem ajuste contundente, o cenário futuro tende a piorar”, disse.
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