O descontrole fiscal no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve continuar a ter um impacto significativo na inflação deste ano, apontam analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. As expectativas do mercado financeiro indicam um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 4,99% em 2025. Os juros futuros subiram, sendo cotados póximos de 15% para 2026, enquanto o dólar permanece valorizado, ultrapassando R$ 6.
O teto da meta da inflação de 2024 foi estourado. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na manhã desta sexta (10) o IPCA de 2024, que foi de 4,89%. A meta atual é de 3%, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual, ou seja, até 4,5%.
O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, deve encaminhar no início da sexta uma carta justificando o estouro da meta da inflação em 2024.
“Boa parte do problema tem origem no forte aumento de gastos promovidos e defendidos pelo governo”, diz Sílvio Campos Neto, sócio da consultoria Tendências.
“A inflação está acima do teto da meta, em um contexto de economia crescendo acima do seu potencial devido ao forte impulso fiscal. A maior percepção de risco, por conta das preocupações com os rumores da política econômica nos dois últimos anos de mandato, agravou a desancoragem das expectativas e a depreciação cambial.”
Descontrole as preocupações fiscais e pode aumentar os juros
Para Guilherme Tinoco, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre), a situação coloca em xeque a sustentabilidade do arcabouço fiscal, exigindo um esforço maior daqui para frente.
“O ano de 2025 será muito desafiador porque o governo precisa manter o déficit primário zerado”, afirma Tinoco. “A ideia inicial era já ter um superávit este ano, de 0,5%, que foi revisto no ano passado. Seriam medidas para acelerar a redução de despesas para estabilizar a dívida pública, que é crescente.”
Desde o início da gestão Lula 3, o endividamento público aumentou mais de 6 pontos percentuais, atingindo 77,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em novembro, segundo o BC. Isto mostra um grande descontrole fiscal.
As expectativas do mercado financeiro para a Selic em 2025 também estão aumentando. Nas últimas quatro semanas, a mediana das projeções para o final do ano passou de 13,5% ao ano para 15%. Já há analistas trabalhando com o cenário de que ela chega a 16%.
“A política monetária terá que ser bastante reativa no sentido de buscar uma retomada do controle”, diz Campos Neto.
Para Tinoco, o resultado será um crescimento econômico menor. “A alta da taxa deve afetar, além do consumidor, os setores que dependem mais do crédito”, afirma. Campos Neto diz que a economia inicia o ano ainda sustentada pelas perspectivas do mercado de trabalho, com um impulso adicional ao setor agro. “Porém, para o segundo semestre é esperado uma desaceleração mais intensa, inclusive com a perspectiva de variações negativas do PIB na margem”, afirma.
Dólar em alta alimentado pelo descontrole fiscal
Com forte impacto na inflação, a cotação do dólar em 2025 também figura entre as principais preocupações dos agentes. A moeda americana avançou 27% frente ao real no ano passado.
O salto maior foi na final do ano passado. Segundo os analistas, o anúncio, ao lado do corte de gastos, da isenção do Imposto de Renda para faixa de alongamento até R$ 5 mil acabou pesando na piora das expectativas.
“Isso despertou o sentimento de que o governo realmente não tinha vontade de cortar as despesas de maneira estrutural e ficaria empurrando o ajuste”, afirma Tinoco.
Com o ruído, o dólar chegou a atingir em dezembro os R$ 6,31, recorde nominal histórico. Para conter a escalada da moeda norte-americana, o BC precisou intervir por meio de leilões. Foram despejados US$ 21,5 bilhões à vista no mercado, uma grande injeção de recursos em um único mês da história do regime flutuante de câmbio. Mesmo assim, a moeda segue valorizada.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirma que o cenário de 2025 será tenso. “O câmbio não tem chance de baixar de R$ 6 e há o risco de subir ainda mais”, disse a “O Estado de S. Paulo”.
“Aparentemente, está caminhando para se estabilizar em R$ 6,20, mas não dá para descartar que, junto com o cenário internacional e o mal direcionado fiscal, ele irá procurar um patamar de R$ 6,50.”
Cenário externo também é fonte de preocupação
O cenário externo é outra fonte de preocupação. O dólar está em patamares elevados no mundo todo desde a vitória do candidato republicano Donald Trump à Casa Branca. Trump, que assume a carga em 20 de janeiro.
Ele prometeu adotar tarifas de importação para produtos de todos os países, medida considerada inflacionária. Isso deve dificultar ainda mais a queda da taxa básica de juros pelo banco central americano, o Federal Reserve (Fed).
A elevação das taxas de juros nos EUA, geralmente, resulta na saída de recursos do Brasil, considerada porto mais arriscado pelos investidores. Com menos capital estrangeiro no país, a oferta de dólares diminui, o que pressionou a cotação da moeda para cima. Em dezembro, o Fed controla as taxas de juros norte-americanas em 0,25 ponto porcentual, para a faixa entre 4,25% a 4,50% ao ano. Para 2025, a previsão é de apenas dois cortes.
Dados do BC mostram que US$ 15,9 bilhões deixaram o país em 2024, marcando a terceira maior retirada desde o início da série histórica em 2008. Na B3, a bolsa brasileira, foram retirados R$ 32,1 bilhões.
Governo minimiza inflação, câmbio e juros altos, dizem economistas
A combinação de inflação, câmbio e juros altos, para os economistas, parece estar sendo minimizada pelo governo, que já baixou novas medidas de ajuste. A preocupação com o descontrole fiscal é muito pequena.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, celebrou nesta terça-feira (7) o déficit primário de 2024 de 0,1%, menor que o previsto pelo mercado financeiro. Os dados não determinam os gastos com a tragédia no Rio Grande do Sul.
“Este governo se mostra indisposto a enfrentar o desafio dos gastos”, diz Claudio Shikida, economista do Instituto Millenium. “Ele não se dedicou ao ajuste fiscal como deveria e tampouco conseguiu apresentar uma proposta de reforma administrativa. Teremos baixo crescimento e inflação acima da meta.”
Para Tinoco, a palavra é expectativa. “As obrigações fiscais se acumularam de um jeito que esse ano vai ficar todo mundo, o mercado todo acompanhando com lupa cada medida do governo”, diz.
A preocupação é que medidas populistas para estimular o crescimento e a reeleição podem complicar ainda mais a situação das contas públicas. “O governo já está em modo de reeleição”, destaca Shikida.
Sílvio Campos Neto acredita na vigilância dos agentes econômicos. “Medidas de estímulo parafiscal ou um corte dos juros voluntarista, devem trazer resultados piores, e não melhores”, afirma.
“Com os mercados altamente vigilantes e cautelosos, quaisquer sinais nesta direção devem trazer mais depreciação cambial e maior pressão nos juros de mercado, o que reverteria os benefícios potenciais de curto prazo das medidas.”
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