Embora o Brasil não ocupe posição central na agenda de política externa dos Estados Unidos, a eleição do futuro morador da Casa Branca terá impacto sobre a economia brasileira, seja ele Donald Trump ou Kamala Harris.
As propostas dos candidatos em relação ao comércio exterior potencial para pressionar o dólar frente ao real, determinar investimentos e, indiretamente, abalar as contas públicas brasileiras.
Uma possível vitória do candidato republicano Donald Trump tem sido o ponto principal das atenções. Para a maioria dos especialistas, o cenário com Trump seria mais desafiador, considerando, além da economia, as arestas de interlocução com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No caso da eleição de Kamala Harris, do partido Democrata, a maior parte dos analistas prevê uma continuação das políticas do atual governo de Joe Biden. “Ela [Harris] não tem um plano de governo específico, está muito em cima dos moldes do Biden”, diz Jefferson Laatus, CEO da Laatus Investimentos. “Isso até abalar sua substituição.”
Trump, por sua vez, desperta inquietações pelo alto grau de protecionismo nas relações comerciais. A intenção dele é proteger as empresas norte-americanas e atrair novos investimentos a fim de criar empregos para trabalhadores que perderam vagas por causa da globalização das cadeias de produção.
O maior do ex-presidente é o alvo da China, que aumentou sua economia em dez vezes nas duas últimas décadas e ameaça a hegemonia americana. O candidato aceita tarifas de importação de 60% para os produtos chineses e de 10% para o resto dos países.
“Quanto maior a tarifa, mais provável é que uma empresa venha para os Estados Unidos e construa uma fábrica aqui para não ter que pagar a tarifa”, disse Trump em entrevista à Bloomberg em outubro.
O isolamento de Trump preocupa, mas não há consenso sobre os efeitos
A declaração sobre tarifas de comércio internacional gerou reações e controvérsias. A maior crítica é em relação ao isolamento do candidato, que pode afetar a economia mundial.
Segundo análise do banco suíço UBS, a medida poderia reduzir o crescimento econômico global em 1 ponto percentual, afetando os mercados europeus e emergentes.
O Brasil, avaliado por parte dos analistas, poderia ser afetado duplamente. Os EUA são nosso segundo parceiro comercial. As exportações alcançaram US$ 36,9 bilhões em 2023, ou 10,9% do total exportado, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
Se as vendas para os EUA diminuírem, o país receberá menos dólares, elevando ainda mais as cotações da moeda ante o real. Na sexta-feira, o dólar atingiu no Brasil o patamar de R$ 5,83, o mais alto desde maio de 2020.
O mesmo pode ocorrer na relação com a China, nosso principal parceiro comercial. Em 2023, os chineses faturaram US$ 104,3 bilhões do Brasil, ou 30,7% das exportações brasileiras.
“A desaceleração do crescimento da economia mundial impactaria imediatamente nos termos de troca da economia brasileira, ou seja, o preço dos produtos que as pessoas mais exportam [principalmente commodities] cairia, desvalorizando ainda mais o real frente ao dólar”, afirma o economista José Luís da Costa Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB).
No fim do dia, segundo Oreiro, a medida culminaria em inflação e, consequentemente, na taxa de juros e contas públicas brasileiras.
Mas não há consenso. Relatório da XP Investimentos enviado ao Dinheiro da informação aponta que setores de exportação de commodities, como o agronegócio, podem acabar se beneficiando.
Isso aconteceu durante a guerra comercial com a China na presidência de Trump, quando a demanda chinesa chegou ao mercado brasileiro como alternativa aos produtos americanos.
Trump e Kamala têm agendas semelhantes em relação à China
Para Lívio Ribeiro, sócio do BRCG e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), as consequências não dizem respeito apenas às propostas de Donald Trump, mas também às de Kamala Harris. “Não há diferença significativa entre as políticas a serem adotadas em relação à China por Trump ou Harris”, diz o economista.
Segundo Ribeiro, o protecionismo americano em relação à China é atualmente uma “questão de Estado e não de governo”. “A luta pela hegemonia na economia global não passa mais por quem está sentado na Casa Branca ou em Pequim”, diz. “Em termos objetivos, a agenda democrata e republicana é a mesma”.
Prova disso, destaca, é que o governo Biden não apenas manteve as medidas restritivas ao comércio exterior aprovadas por Trump em seu primeiro mandato como criou novas políticas para aumentar a concorrência.
Entre elas, um Lei de Chips e Ciência (Lei dos Chips), que reservou US$ 52 bilhões em incentivos para empresas construirem fábricas de semicondutores em solo americano.
Outra ainda mais impactante foi a Lei de Redução da Inflação (Lei de Redução da Inflação), a IRA, aprovou em agosto de 2022, que inclui US$ 370 bilhões em subsídios direcionados à produção de energia limpa e créditos fiscais para veículos elétricos fabricados nos EUA.
Biden também reforçou a política Compre americano (“compre americano”, em tradução livre), exigindo que o governo federal compre mais produtos nacionais.
Ribeiro lembra ainda que, historicamente, o protecionismo está mais ligado ao Partido Democrata do que ao Republicano. Líderes icônicos do partido, como o ex-presidente Ronald Reagan, se destacaram por políticas com ênfase na liberdade econômica.
“Trump não é um padrão republicano, tanto que existem muitos opositores a ele na ala tradicional do partido”, afirma. “O ‘trumpismo’ é um movimento político mais ligado aos republicanos, mas não exatamente dentro da tradição republicana.”
Diferença está na estratégia de contenção chinesa
Para o economista do Ibre, Lívio Ribeiro, a candidata Kamala Harris daria continuidade a essa política, talvez não de forma tão “draconiana”. Trump, por sua vez, pode estar “fazendo mais barulho”.
“A gente precisa separar o que é campanha do que está sentado na cadeira de presidente”, diz.
Roberto Azevêdo, ex-diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC) também vê semelhanças nas agendas dos candidatos em relação à China.“Ambos [Trump e Harris] têm a consciência perfeita, compartilhada por todo espectro político americano, de que a China é uma ameaça à hegemonia americana”, afirmou em entrevista à CNN. “Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial você tem países de regimes autoritários como uma ameaça real, não apenas militar, mas econômico. Há, no entanto, uma diferença de estratégia de como conter a expansão chinesa. Trump será mais assertivo em termos de barreiras comerciais e tarifárias”, acrescentou Azevêdo.
Inflação nos EUA afeta mercados emergentes
O desempenho da economia doméstica americana também terá reflexos no fluxo de investimentos para o Brasil e emergentes.
A taxa de juros dos EUA, determinante para direcionar o capital para as bolsas de valores, está entre 4,75% e 5%, nível alto para os padrões americanos.
A arremetida dos impostos foi decretada em 2022, para conter a inflação gerada pelos estímulos fiscais após a pandemia. Os preços subiram mais de 1% ao mês naquele ano, forçando o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) a subir os juros.
O ciclo de redução começou apenas em setembro deste ano, com o corte de 0,5 pp, o que animou os mercados mundiais fora. Os juros menores desestimulam a aplicação em títulos da dívida americana, os Tesouros, considerados os mais seguros do mundo.
Países com juros maiores, como o Brasil, costumam atrair o capital em busca de oportunidades de valorização.
A bolsa brasileira, que tem registro de fuga de investimentos ao longo do ano, ensaiou uma ocorrência, que acabou frustrada pela situação fiscal brasileira.
O Fed prevê mais dois cortes de 0,25 ponto percentual este ano, a depender dos dados de emprego e da inflação americana. Para Ribeiro, no caso de vitória de Trump, as consequências para o índice de preços serão mais imediatos. “Essa história de tarifa linear de 10% para o mundo inteiro tem um efeito de proteção de curto prazo. No final, o que se vai colher é uma inflação mais alta nos Estados Unidos”, afirma.
Agendas de Trump e Kamala podem elevar a inflação nos EUA
A ideia de Trump é que as tarifas também financiem o corte de impostos, uma bandeira histórica dos republicanos. O ex-presidente quer expandir os cortes de impostos implementados durante seu primeiro mandato, conhecido como Lei de redução de impostos e empregos (Lei de Empregos e Corte de Impostos).
“O discurso de corte de impostos tem, principalmente para Trump, um apelo muito forte para aquecer a economia, o que não está necessariamente errado”, diz Jefferson Laatus.
Kamala Harris também propõe cortar impostos para mais de 100 milhões de americanos de classe média e baixa renda, o que ela chamou de “economia de oportunidade”.
“Como presidente, meu foco será em criar oportunidades para a classe média que promovam segurança econômica, estabilidade e dignidade. Juntos, vamos construir o que eu chamo de 'economia da oportunidade'”, declarou o democrata.
Por isso, ambas as agendas são marés como inflacionárias.
“Com os cortes de impostos, virá a inflação, porque os produtos, em algum momento, vão ficar mais baratos”, explica Laatus. “A indústria não terá condições de abastecer o mercado interno, gerando inflação de demanda.”
Nesse cenário, os juros americanos tenderiam, se não a subir, a parar de cair, o que já “atrapalha” os emergentes.
“O fluxo de capital acabará ficando nos Estados Unidos, uma economia sólida, segura”, afirma. “Ninguém vai querer correr risco em país emergente. O resultado poderá ser o dólar para cima e mais inflação por aqui.”
Além disso, o economista alerta que o corte de impostos também reduz a arrecadação federal, o que pode aumentar o déficit americano, “que já é gigantesco”.
O déficit orçamentário dos Estados Unidos atingiu US$ 1,9 trilhão nos primeiros 11 meses do ano fiscal de 2024, segundo o Departamento do Tesouro.
As propostas do candidato republicano, segunda reportagem da Reuters em setembro, poderia acrescentar de US$ 3,6 trilhões a US$ 6,6 trilhões aos déficits primários dos EUA ao longo de dez anos.
Trump ou Kamala? Economia deve ditar resultado da eleição
Pesquisas americanas confirmam que, na disputa entre Trump e Kamala, a economia será determinante para a escolha do eleitor.
O último levantamento do Tempos Financeiros e da Universidade de Michigan aponta que três quartos das investigações acreditam que a inflação é o principal problema de suas vidas. Os outros 25% apontam a economia como principal fator para escolher em quem vota.
Uma pesquisa sugere que o discurso de Kamala Harris enfrentou dificuldades na reta final da campanha. O democrata não conseguiu desvincular sua imagem do governo Biden, mal avaliado, apesar do desemprego controlado e da economia aquecida.
Para 44% dos americanos aptos a votar, o ex-presidente vai melhorar a economia do país, enquanto 43% nomeiam mais na candidatura democrata para lidar com o tema. A maioria também acredita que Trump vai deixá-los em uma melhor situação financeira daqui a quatro anos se for eleito.
A insatisfação dos americanos vem sendo apontada por outras pesquisas ao longo do governo Biden.
Uma delas, da AP-NORC, divulgada em junho de 2022, indicou que 85% dos americanos acreditavam que o país estava indo na direção errada, enquanto apenas 14% achavam que estava no caminho certo. O sentimento foi compartilhado por 92% dos republicanos e 78% dos democratas.
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