Após valorização explosiva, a $Trump, criptomoeda lançada às vésperas de sua posse pelo presidente americano Donald Trump, promete ampliar ainda mais as fronteiras do mercado criptográfico.
Até a tarde desta terça-feira (21), o “Trumpcoin” já havia acumulado valorização de aproximadamente 450% desde seu lançamento na sexta-feira (17). O preço inicial era de US$ 0,18 quando foi lançado e chegou a um pico de US$ 74 no domingo.
Ao lado da euforia, o lançamento foi criticado pela tentativa do republicano de lucrar com sua influência política. A moeda foi lançada pela CIC Digital LLC, uma afiliada da Trump Organization, e 80% dos tokens são de propriedade das empresas da organização.
Mesmo assim, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo Admitimos que a moeda expande o alcance do setor, que já seria também impulsionado pela promessa de regulamentação repetidas vezes inúmeras vezes na campanha pelo novo morador da Casa Branca.
“A TrumpCoin representa uma nova fronteira para o mercado, onde política, tecnologia e finanças se cruzam de maneira inédita”, afirma Murilo Cortina, diretor-comercial da QR Asset Management. “Se projetos como este se multiplicarem, o mercado pode enfrentar uma onda de novos tokens associados a figuras públicas, transformando 'memecoins' em ferramentas de influência política e econômica.”
Oportunismo político é crítico
Para Fernando Ulrich, especialista em criptomoedas e sócio da Liberta Investimentos, a iniciativa trumpista tem várias dimensões. “Por um lado, a ‘memecoin’ do Trump é uma vergonha, porque é o presidente, seus filhos e suas empresas utilizando a influência política para lançar uma moeda às vésperas da posse”, afirma.
“Isso está enriquecendo sua família, seus amigos e parceiros num conflito de interesses, na minha opinião. Antiético e totalmente desnecessário que mancha sua imagem logo no início do mandato”, opina.
Por outro lado, segundo ele, é também uma prova de como o presidente é republicano com “uma abordagem muito mais ativa” em relação ao mercado criptográfico. Existe um grande impacto, destaca Ulrich, mesmo que ainda pairem no ar dúvidas se a iniciativa é uma brincadeira. A dúvida foi intensificada no domingo, quando, após o ápice da cotação, a $Trump se estabilizou com o lançamento de outro memecoin, a $MELANIA pela primeira vez Melania Trump.
“Ele pode parecer algo de menor importância, mas tem um aspecto claro, mostra uma sinalização muito forte de que ele está nesse mercado, explorando as possibilidades junto com seus filhos, sua família e suas empresas”, diz Ulrich.
Gustavo Torrente, professor de criptografia da FIAP, faculdade de tecnologia, corrobora nas críticas éticas e os impactos no mercado. “Particularmente, não acho que seja uma postura ideal para um presidente fazer isso [lançar uma memecoin]”, diz. “Mas é bacana de acompanhar, pra ver até onde o que vem acontecendo nesse contexto das criptomoedas pode nos levar.”
Para ele, é um “cenário de cassino”, mas as pessoas sabem do risco. “Não estão investindo 100% do seu capital nisso, e apostam em ganhos explosivos”, diz. “Cabe a nós entender qual é esse projeto, o que tem por trás disso, qual é o volume de moedas dentro dessa rede, dentro desse token. Foi uma ‘sacada’ do Trump.”
Memecoins, Bitcoin e outras criptomoedas
As memecoins são criptomoedas originadas de memes, piadas ou brincadeiras da internet. Na maioria das vezes, seu valor é influenciado pela comunidade online.
Algumas delas, como Dogecoin e Shiba Inu, criadas por desenvolvedores, após muitos ciclos de altas e baixas, obtiveram valorizações impressionantes. A Dogecoin foi lançada em dezembro de 2013 por uma fração de centavo e vendida em maio de 2021, quando atingiu seu pico de aproximadamente US$ 0,737, com valorização de cerca de 36,850%.
A história do Shiba Inu (SHIB) é semelhante. Criada em agosto de 2020, ela teve um aumento significativo em valor, especialmente em 2021. Quem investiu nela logo após seu lançamento e manteve os tokens até os picos de 2021 também obteve retornos expressivos.
O bilionário Elon Musk, apoiador de Trump, surfou bastante na onda dos memes e contribuiu para sua popularidade. Em 2020, começou a fazer tweets humorísticos chamando o Dogecoin de “moeda do povo” e até avisando que a levaria para Marte.
A diferença das memecoins com as criptomoedas consolidadas são os fundamentos sólidos, como segurança, descentralização e inovação tecnológica. Bitcoin e Ethereum, os maiores expoentes de criptografia, são projetados para resolver problemas específicos e oferecer uma infraestrutura robusta, além de serem reconhecidos como reserva de valor, uma forma de dinheiro descentralizada, segura e com grande acessibilidade no mercado financeiro.
Já as memecoins têm fundamentos mais fracos e sua valorização pode ser altamente volátil, dependendo do humor do mercado. Ambas, no entanto, utilizam a tecnologia blockchain, que garante a segurança e a transparência das transações, sem necessidade de intermediários e parâmetros.
Trump sinaliza com regulamentação
A expectativa com Trump é que haja uma regulação mais amigável para todo o mercado de criptomoedas. Em vários discursos, o republicano sinalizou a necessidade de esclarecer as regras do ambiente de negócios. A ideia é promover a segurança jurídica para atrair investimentos para o setor nos Estados Unidos.
Uma de suas intenções é atrair mineração (processo de produção) de Bitcoin para os Estados Unidos. Também há especulações sobre medidas controversas, como por exemplo de investimentos em Bitcoin para constituir uma reserva estratégica para os EUA. “Isso é mais difícil de passar no Congresso americano”, avalia Ulrich.
Para o especialista, o ponto mais importante no contexto da regulamentação é a multidão explícita de Trump e do Secretário do Tesouro, Scott Bessent, contra as moedas digitais do banco central, como Moeda Digital do Banco Central (CBDC).
As CBDCs têm ganhado foco nos últimos anos num cenário de transformação digital dos meios de pagamento. Vários países, como Bahrein, China e Espanha já adotaram ou estão em fase de experimentação de seus tokens. No Brasil, o Drex é o embrião desse projeto.
As críticas com relação às moedas de bancos centrais dizem respeito ao aumento de controle da autoridade monetária aos dados e recursos dos cidadãos. Enquanto as criptomoedas são descentralizadas, as CBDC são emitidas e controladas pelos BCs. Os dados também ficam restritos apenas à autoridade monetária.
“O Drex ainda não conecta o cidadão ao Banco Central, mas pode se tornar este que eu chamo de um dispositivo potencialmente totalitário”, diz Ulrich. “Felizmente já declaramos explícitas do Trump que enquanto ele for presidente jamais haverá uma moeda digital do banco central nos Estados Unidos.”
Trumpcoin promove engajamento político
No cenário de otimismo para investidores, os especialistas destacam que o Trumpcoin acrescenta uma novidade ao alcance do setor, mostrando como os criptoativos podem ser usados para criar engajamento político e financeiro.
Ao lado da imprevisibilidade sobre sua valorização, uma das possibilidades apontadas por Ulrich é que a moeda possa se tornar “algo como a tabela de popularidade do Trump”.
“De repente, quando ele [Trump] fazendo coisas boas, um memecoin ganha valorização”, exemplifica. “Quando faz alguma besteira, ou é percebido assim pela população, perde valor de mercado. É algo interessante, uma novidade, sem dúvida alguma.”
Para Cortina, há riscos de centralização e dependência de narrativa para suas afirmações, o que “exigirá um debate mais profundo sobre governança, ética e o papel da regulamentação no setor”.
“Ela [a $Trump] simboliza o potencial disruptivo e o lado especulativo dos criptoativos, desafiando investidores, desenvolvedores e reguladores a compensar os limites e as possibilidades desse ecossistema, mas também evidencia oportunidades de inovação e inclusão que surgem quando a tecnologia blockchain é aplicada em larga escala”, diz. “A Trumpcoin não é apenas uma moeda: é um reflexo do mercado criptográfico que tem potencial de redefinir nossa sociedade.”