Um levantamento feito pelo senador Jorge Seif (PL-SC) aponta que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu 9.166 habeas corpus a condenados ou investigados por tráfico de drogas apenas em 2024 – o equivalente à metade de todas as decisões elaboradas no tribunal nesse tipo de ação, apresentada à Justiça para arquivar inquéritos, processos anulares ou soltar derrotas.
No Supremo Tribunal Federal (STF), foram 577 concessões de habeas corpus no mesmo período, sendo o tráfico o crime mais comum. Os dados fazem parte do dossiê intitulado “A Ascensão do Narcoestado do Brasil”, elaborado pelo parlamentar após oito meses de pesquisa e mais de 400 horas de trabalho pessoal, compilando cinco anos de decisões judiciais, reportagens e dados oficiais. Até o momento, Seif divulgou apenas dados de 2024.
Para Seif, conforme informações demonstram que o Judiciário brasileiro contribuiudo para o fortalecimento das facções criminosas, e por isso ele defende a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI da Toga) para investigar ministros e possíveis vínculos com escritórios de advocacia que atuam na defesa de grandes crimes. “O tráfico é o maior beneficiário das decisões judiciais no Brasil hoje”, declarou.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do PovoSeif denuncia o que chama de conivência institucional do Judiciário com o crime organizado, explica as reformas que consideram urgentes no sistema judicial e reafirma que “não se trata de atacar instituições, mas de restaurar a confiança nelas”.
UM Gazeta do Povo compareceu ao STF e ao STJ, por meio da assessoria de imprensa, para um posicionamento acerca das declarações de Seif, mas não houve resposta.
Confira a entrevista completa com o senador Jorge Seif:
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Gazeta do Povo – Como foi feito o levantamento e qual metodologia o senhor usou para selecionar os casos incluídos no dossiê?
Jorge Seif: O dossiê foi construído a partir de mais de cinco anos de reportagens, colunas, editoriais e dados públicos oficiais. Foram oito meses de trabalho contínuo, em que organizei mais de 400 horas de recorte, compilação e verificação de fontes da imprensa brasileira e internacional.
Os critérios foram objetivos: casos com decisão judicial identificável, relevância nacional, repercussão pública, grandes quantidades de drogas e impacto direto sobre a segurança pública. O resultado é um documento cronológico e temático que demonstra, com base em fatos, o enquadramento da política de combate ao tráfico a partir de decisões judiciais reiteradas.
Há intenção de tornar público o documento completo para que jornalistas e a sociedade possam verificar as fontes?
Jorge Seif – Sim. A transparência é um dos pilares desta iniciativa. O dossiê será disponibilizado integralmente, com todas as referências e links para as matérias originais, decisões e dados relatados.
Nada foi inventado. Tudo o que está aí já foi publicado pela imprensa ou consta de dados oficiais. O que fez foi dar forma e coerência a esse material disperso, transformando fragmentos em um retrato sistêmico da realidade.
O senhor afirmou que o Judiciário “se tornou sócio do narcotráfico”. Você poderia detalhar quais elementos do dossiê sustentam essa acusação?
Jorge Seif- Essa expressão resume uma constatação empírica: o tráfico é o maior destinatário das decisões judiciais no Brasil hoje. Os números são claros: em 2024, o STJ concedeu 9.166 habeas corpus a traficantes – metade de todas as concessões do tribunal. No STF, foram 577 habeas corpus, e o tráfico foi o crime mais beneficiado.
Além disso, há decisões que anularam apreensões de centenas de quilos de cocaína, soltaram chefes de facções e impuseram limites às ações policiais, como a ADPF 635, a ação do PSB na qual o STF restringiu operações em favelas e depois impôs regras para atuação da polícia em mais de 1.700 comunidades no Rio de Janeiro.
O conjunto demonstra uma estrutura judicial que, ainda que involuntariamente, fortalece o crime organizado e desestimula o trabalho policial. É isso que falo quando digo que há uma sociedade de interesses entre o sistema e o tráfico.
Há casos específicos de ministros ou tribunais que o senhor considera mais emblemáticos dessa suposta conivência?
Jorge Seif – Sim. O dossiê cita casos amplamente conhecidos, como a soltura de André do Rap, líder do PCC, em 2020, determinada por decisão monocrática do STF; a anulação da apreensão de 695 quilos de cocaína, também no STF, sob alegação de vício processual; e a liberação de 15 integrantes de uma quadrilha em Campinas.
Há ainda decisões do STJ que aplicam o “tráfego privilegiado” [redução de pena para réus primários, com bons antecedentes e que não integram facções] mesmo em apreensões de 200, 300 e até 700 quilos de droga. Esses exemplos mostram como a interpretação benevolente da lei se tornou rotina – e não exceção.
Que tipo de investigação o senhor considera possível dentro dos limites constitucionais do Congresso?
Jorge Seif – O Congresso tem competência plena para instaurar uma CPMI, com base no artigo 58, parágrafo 3º, da Constituição. Isso permite a quebra de sigilos bancários, fiscais e telemáticos de advogados e escritórios ligados a facções; convocação de ministros conselheiros, assessores e operadores de direito; requisição de informações ao Conselho Nacional de Justiça, Ministério Público Federal, Polícia Federal e Controladoria-Geral da União; e o envio de relatórios ao Ministério Público para propor ações penais e administrativas.
Portanto, é perfeitamente possível – e constitucional – investigar as agências entre escritórios milionários e decisões de solução que beneficiam o tráfico.
O senhor é sincero que o problema da segurança não é apenas nas polícias, mas no sistema judicial. Que reformas o senhor considera urgentes para corrigir isso?
Jorge Seif- As principais reformas que defende são: verificar o “tráfego privilegiado”, vedando o benefício a quem for flagrado com grandes quantidades de drogas ou tiver vínculo com facções; decisões subscritas monocráticas em matéria criminal à confirmação colegiada obrigatória; aprovar lei que disciplina o flagrante em crime permanente, para evitar nulidades técnicas que anulam provas; rever a ADPF 635, equilibrando direitos humanos e retomada de territórios dominados; evitar conflitos de interesses entre ministros e advogados com vínculos familiares ou societários; criar um banco nacional de solturas e reincidências, para medir o impacto real das decisões e rever o instituto de audiência de custódia, que hoje, na prática, desautoriza o trabalho policial.
Qual seria, na sua visão, o resultado ideal dessa iniciativa de reforma do Judiciário: um novo tipo de controle externo ou apenas a exposição pública dos fatos?
Jorge Seif – O resultado ideal é tudo isso junto: exposição pública dos fatos, instalação da CPMI da Toga, responsabilização e um pacote legislativo de correção de distorções.
Além disso, precisamos criar mecanismos permanentes de controle e transparência sobre decisões judiciais de impacto coletivo.
Não busco atacar instituições — busco restaurar a confiança nelas. A Justiça deve ser refúgio do cidadão de bem, não abrigo de infrações. Se este dossiê servir para abrir os olhos da sociedade e contribuir para uma reforma real, já terá cumprido seu propósito.
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