Tendo saído derrotada nas eleições municipais de 2020, a direita brasileira chega a 2024 com candidatos competitivos em importantes capitais do país, como o deputado federal André Fernandes (PL), em Fortaleza (CE); João Henrique Caldas, em Maceió (AL); Bruno Engler (PL), em Belo Horizonte; e Tião Bocalom (PL), em Rio Branco.
A estruturação em torno de um partido, o PL, e o fundo partidário quase bilionário são vistos por analistas como fatores-chave para o desempenho eleitoral. No entanto, a avaliação é que a direita brasileira precisau abandonar o discurso antissistema, adotado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018, para alavancar um projeto político.
Nas eleições municipais de 2020, Bolsonaro, então sem partido, declarou apoio a 63 candidatos em todo o país, sendo 18 prefeitos, 44 vereadores e um candidato a senador na eleição suplementar de Mato Grosso. Apenas 11 candidatos a vereador e cinco a prefeito foram eleitos — desses, apenas um em capital: Tião Bocalomque na época disputou pelo PP.
Na época, o desempenho foi visto como resultado da falta de um partido robusto que centralizava as candidaturas e garantia de recursos. O então presidente deixou o PSL ainda em 2019, após atritos com o presidente da sigla, o deputado Luciano Bivar. A baixa inserção de Bolsonaro na política municipal e o relacionamento conturbado do então presidente com as principais siglas do centrão nos primeiros dois anos de governo também foram visíveis como elementos que dificultaram o crescimento eleitoral nos municípios.
Necessidade de articulação forçou a direita para se aproximar do centrão e suavizar o discurso
Mas quando ocorreu a adesão da direita ao centrão? A resposta não é precisa, mas os ocupantes da Câmara dos Deputados avaliam que o apoio do governo à primeira eleição de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Casa foi um gesto importante da direita aos partidos do centro. Na disputa, Lira respondeu Baleia Rossi (MDB) com um apoio majoritário da ala bolsonarista.
Outro evento importante foi a nomeação do senador Ciro Nogueira (PP) como ministro-chefe da Casa Civil, ocorrida em julho de 2021. Sendo um hábil articulador dentro do Congresso Nacional, o senador trabalhou como uma ponte entre o governo Bolsonaro e o bloco do baixo clero.
A filiação de Bolsonaro ao Partido Liberal, comandada por Valdemar Costa Neto, em 2021, também foi evidenciada como um importante movimento de Bolsonaro em se adaptar ao sistema político tradicional. Antes de um partido do centrão, o PL se tornou uma alternativa para as principais lideranças da direita, em meio às entraves na criação da Aliança Nacional. Além disso, a capacidade de articulação política de Costa Neto foi tida como um importante ativo para o diálogo com demais partidos que passaram a integrar o governo. O resultado dessa conjuntura de movimentos desaguou em 2022, quando o PL elegeu 99 deputados federais: a maior bancada da Câmara.
Antes de um partido do centrão, o PL tornou-se uma alternativa para as principais lideranças da direita.
O cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), afirma que a direita brasileira passou por uma reconfiguração nas últimas décadas, marcadamente pela ascensão de novos grupos políticos e lideranças. Esses movimentos foram impulsionados pela oposição à corrupção e pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que serviu como um marco para essa mudança.
“Houve uma normalização da direita política no Brasil, com a reprodução do messianismo político e de lideranças carismáticas, algo inédito no espectro ideológico da direita até então. O surgimento do bolsonarismo foi um exemplo claro desse interesse”, avalia.
Gomes também destaca a crescente institucionalização desse campo, especialmente no Partido Liberal, que ganhou força política e acesso a recursos. “O PL, partido de Bolsonaro, passou a controlar comissões importantes e disputar prefeituras competitivamente, em parte devido ao acesso ao fundo partidário e ao fundo, o que aumentou a competitividade nas eleições, mesmo que seus membros criticassem o financiamento público de campanha.”
PL precisou adotar o pragmatismo para avançar no campo eleitoral
A cientista política Priscila Lapa ressalta a fragilidade programática dos partidos no Brasil e o predomínio do pragmatismo político. Ela se destaca como as legendas, incluindo o PL, muitas vezes se moldam mais pela conveniência do que por uma visão ideológica estruturada. “Os partidos no Brasil funcionam muito mais como instrumentos eleitorais do que como organizadores de uma visão de mundo ou de um projeto de país. A personalização da política, em parte impulsionada pelas redes sociais, fez com que os partidos perdessem seu papel de orquestrar as demandas da sociedade.”
Além disso, Priscila observa que o crescimento de partidos como o PL se deu de forma pragmática e eleitoralmente conveniente, mas essa expansão tem limites. “O PL se tornou atraente pela sua capacidade de acesso a recursos, como o fundo eleitoral e o tempo de TV, o que o tornou competitivo. Porém, esse surto pode gerar conflitos internos no futuro, com a disputa por espaços de poder entre lideranças que querem controlar a legenda. Nenhum partido brasileiro escapa a essas características de caciquismo.”
A avaliação de Priscila já pode ser observada no atual conflito entre integrantes do PL e o PSD, partido de Gilberto Kassab. A sigla, que atualmente comanda o Senado Federal, é vista como o principal empecilho para o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) chegaram a pedir o boicote aos candidatos do PSD nas eleições municipais. Contudo, o próprio PL soma mais de 800 coligações com o partido de Kassab no pleito municipal.
Para conquistar espaços, a direita buscou moderar o discurso
O cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, avaliou que a direita brasileira tem se tornado mais institucionalizada, ocupando espaços políticos e recuando do discurso antissistema que marcou o auge de sua ascensão. “Após a era petista e a indignação gerada pela Lava Jato, Bolsonaro capitalizou essa insatisfação popular, mas o cenário agora é diferente. A direita, que antes tinha uma postura mais radical, hoje está preocupada em garantir os espaços conquistados e expandir de forma mais segura.”
Cerqueira também comenta como o apoio de Bolsonaro se tornou importante para os partidos de centro-direita nas eleições municipais de 2024, destacando o uso estratégico dos recursos partidários. “A direita está mais integrada ao sistema, e o uso do fundo partidário por partidos como o PL, algo que antes gerou críticas, agora é uma prática comum. Eles menos antissistema porque já fazem parte do sistema e buscam se consolidar nele.”
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