Cozinheira ‘influencer’, dormitório ‘de família’, ‘psicólogo’ de ex-detentas: o comércio na porta do maior complexo penitenciário do RJ
[/gpt3]
‘Quentinhas’ de mais de R$ 200 e quartos de R$ 80: o comércio no entorno de presídios Há quase 40 anos em funcionamento, o Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, recebe hoje 23.303 detentos. Ao redor deles, circulam no entorno outras ofertas de milhares de parentes, amigos e advogados, ou que movimentam um comércio variado no local. Há quem venda roupas permitidas para uso durante a custódia, bolsas transparentes — que facilitam a revista na entrada do presídio —, cigarros. Mas o carro-chefe dos negócios é o atendimento às famílias. O g1 conversou com três comerciantes que atuam na região há décadas: uma cozinheira-pastora-influenciadora que capricha nos combos de comida — os “jumbos”. uma empreendedora que viu em pessoas dormindo sob marquesas uma oportunidade de oferecer cama – e carinho a quem vive seus dramas familiares; é um dono de bar que vende comida e bebida, mas também apoia mulheres recém-saídas da cadeia, muitas vezes ainda sem boatos e sem ninguém para as receber. Leia a reportagem abaixo e assista no vídeo acima. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias do RJ em tempo real e de graça A pastora Andileia Santos, de 51 anos, viralizou nas redes sociais e já acumula mais de 500 mil visualizações no TikTok. Ela prepara e vende combos de comidas destinados às famílias detentas, que levam os kits nos dias de visita — o popular “jumbo”. Quase toda comida é preparada pela própria Andileia, que começa a trabalhar à 1h da madrugada e só termina às 17h, no fim das visitas. Ela contou ao g1 que prefere cozinhar com as próprias mãos, usando seus próprios temperos e receitas tradicionais. Às 7h, quando a equipe de reportagem chegou ao local, pratos como dobradinha e carne assada já estavam prontos para serem embalados e entregues às famílias que aguardavam na fila para a entrada das visitas. Para dar conta da produção, Andileia conta com uma equipe de oito pessoas. Ela explica as regras para a montagem das bolsas com os alimentos que entram no presídio: Cada detento pode receber duas bolsas — uma com alimentos em sacos transparentes, que passam por inspeção, e outra com produtos de higiene ou biscoitos; Todos os alimentos devem estar em embalagens transparentes; Os sacos com as comidas são colocados dentro de potes, com limite de quatro potes por preso. Montagem dos combos de comida da pastora Andileia Gustavo Wanderley/g1 As regras são seguidas à risco. Do contrário, o produto não está autorizado na penitenciária. “Aqui nós preparamos tudo. A família só traz os potes. Cada família tem direito a entrar com quatro potes dessa comida. No combo vai arroz, feijão, macarrão, farofa, carne, torresmo, de acordo com o gosto do cliente. Hoje uma moça me pediu moqueca de peixe, por exemplo”, conta Andileia, que preparou mais de oito combos naquele dia. De acordo com a pastora, os combos – que rendem pelo menos três refeições, com sobra – têm três preços: o mais barato custa R$ 125 e inclui todos os acompanhamentos e uma proteína. Com duas opções de proteína, o preço sobe para R$ 165. Já o mais completo, com três proteínas, sai por R$ 205. Conhecida apenas como pastora, Andileia tem um jeito espontâneo e carismático. Com seu “bom dia” cheio de energia, ela começou a ouvir que precisava levar esse astral também para as redes sociais. “As meninas ficaram dizendo: ‘pastora, a senhora tem que ir pro TikTok, a senhora é engraçada, vai fazer sucesso’ e eu segui o conselho”, lembra. O resultado veio rápido: em quatro meses, ela já soma quase 10 mil seguidores e mais de 500 mil visualizações nos vídeos. Pelas redes sociais, ela conquistou novos clientes. Pastora Andileia na preparação dos combos Gustavo Wanderley/g1 “Hoje eu tenho clientes da Bahia que tem comprado comigo, tenho um cliente de Brasília, do Espírito Santo, de Minas, São Paulo, Maranhão e por aí vai”, afirma. O começo, no entanto, não foi tão fácil. Ela passou anos vendendo apenas roupas e alguns pacotes de comida que cozinhava em casa e levava para a porta do presídio cedo. Depois, ela enfrentou a pandemia e a crise financeira que atingiu a região com a suspensão das visitas durante o isolamento social. Agora, ela planeja expandir os negócios e já passou a aceitar encomendas de comidas para eventos e festas. “As pessoas acham que aqui é um rio de dinheiro. Não, aqui é um rio de trabalho, tem muito trabalho. E tem famílias que chegam aqui com o mínimo do mínimo. Tem família que não tem condições de comprar um combo de R$ 125. Mas, por outro lado, tem a família que pode comprar um combo de R$ 500”, disse Andileia. A pastora conta ainda que percebe muita solidariedade entre as famílias. “Essas famílias entram em acordo entre si e essa família que tem o mínimo para poder levar, leva a bolsa da mãe que tem muito e lá eles se juntam”, conta. Das marquesas ao dormitório No início dos anos 2000, Célia Oliveira trabalhava guardando bolsas na entrada do antigo presídio Hélio Gomes, na Rua Frei Caneca, no Centro do Rio. Ela chegou a cuidar de centenas de proprietários por dia, mas, com a notícia do possível fechamento do local, teve que buscar uma nova forma de sustento. “Eu vim pra Bangu e aqui meu leque abriu. Eu continuei guardando bolsa, mas consegui vender uma salada de fruta, que era e é até hoje permitida a entrada. Conseguia fazer várias outras coisas”, relembra Célia. Na época, ela morava em Bonsucesso e precisava sair de casa ainda de madrugada para chegar nas primeiras horas da manhã ao Complexo Penitenciário de Bangu. “Eu vi que as pessoas dormiam embaixo das marquises. Não tinha nada, só as marquises de ponta a ponta, não existiam dormitório aqui. As pessoas ficaram no relento, na chuva, dormindo no chão, no papelão. E isso era na friagem ou no calor com os mosquitos te pegando”, conta. Quarto coletivo do dormitório de Célia Gustavo Wanderley/g1 Foi então que surgiu a ideia de que mudaria sua vida: abrir um dormitório nas proximidades do presídio. “Eu aluguei uma lojinha, pequenininha, do tamanho de um quarto e coloquei um colchão inflável. E aí estava todo o mundo nos colchões infláveis. Não deu certo porque estourava tudo, mas eu fiquei um ano com o dormitório assim. Conforme entrava um dinheiro, eu ia e comprava um colchão melhor”, conta Célia. Segundo Célia, o negócio começou a dar resultado depois de um ano, quando a clientela aumentou e ela conseguiu comprar o imóvel onde funciona o dormitório. Com a aquisição, ela conseguiu ampliar o espaço, que hoje tem dois andares e capacidade para receber mais de 30 pessoas por noite. Atualmente, as diárias em quartos coletivos variam de R$ 25 a R$ 28, dependendo se a cama é na parte de cima ou de baixo do beliche. Já os quartos individuais podem chegar a R$ 80. Um dos quartos individuais do dormitório da Célia Gustavo Wanderley/g1 “A prioridade das camas baixas nos beliches é para grávidas, senhoras, pessoas com dificuldades na locomoção, porque se por tudo o mesmo preço as meninas novas não vão querer ficar no alto”, explica a empresária. “Eu costumo dizer que aqui é um dormitório de família, que tem regras. Muita coisa não pode. Por exemplo, eu não permito bebida aqui dentro, eu não permito palavrões, porque a gente tem que respeitar”, acrescenta. Discussões por conta de facções ou religiões também não são permitidas. Célia Oliveira é dona de um dormitório na porta do presídio masculino de Bangu Gustavo Wanderley/g1 Para ela, o trabalho vai além de oferecer um lugar seguro para as famílias descansarem — é também uma forma de acolher e demonstrar carinho. “O meu papel aqui é acolher a família com amor, com carinho, porque já é um lugar tão pesado, tão triste. Imagina você estar indo visitar seu filho, seu esposo, as crianças vendo seu pai, é tudo tão triste.” “Quando eu recebo a família aqui, eu sempre falo: ‘que você possa se sentir em casa, eu sei que não é, mas é o que eu posso oferecer, é o meu melhor’”, diz. Apoio ‘psicológico’ a ex-detentas Ricardinho do bar Gustavo Wanderley/g1 Outro personagem conhecido na região é Ricardinho do Bar, comerciante que há cerca de 10 anos mantém um bar em frente ao Presídio Djanira, unidade feminina do complexo. Ricardo Domingos Pinheiro mora ao lado do bar, onde também vende produtos permitidos para as detentas, como xampu, absorventes e outros itens de higiene pessoal. De imediato, chama atenção a diferença no movimento do local. Enquanto o presídio masculino registra longas filas, o número de pessoas que aguardam para entregar mantimentos às detentas é bem menor. Mesmo sem formação acadêmica, o trabalho de Ricardinho se assemelha ao de um assistente social ou psicólogo, tanto no apoio às famílias quanto no acolhimento de quem acaba de deixar o cárcere. “Quando as meninas saem de liberdade, eu procuro estar sempre dando um suporte. Ajude que elas entrem em contato com a família e acalmo elas um pouco. Quando elas saem do cárcere e não têm família aqui fora esperando, elas ficam nervosas”, conta Ricardo. Quando um ex-detenta não sabe o contato da família ou não conhece os parentes, Ricardinho passa horas buscando informações nas redes sociais para tentar reencontrá-los. “É cansativo? Sim, mas a gente consegue. Às vezes demora uma, duas horas, mas a gente acaba conseguindo.” Ricardo tem um bar há cerca de 10 anos na frente do presídio Djanira Dolores de Oliveira Gustavo Wanderley/g1 Ricardo afirma que a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) tem liberado detentas até durante a noite, o que, segundo ele, coloca a segurança delas em risco. “Essa rua aqui à noite não tem ninguém, é um deserto. Então, mesmo sendo à noite, a gente tá aqui procurando dar esse suporte para as meninas chegarem em casa”, explica. “É uma questão até que causa uma revolta por não ter uma questão de humanidade, sabe? Uma pessoa sai depois das 22h do cárcere e morando em outra região? Causa uma revolta. O estado tem que se comprometer também com isso e saber que se eu vou colocar uma pessoa na rua um horário desse, como a pessoa vai fazer para chegar em casa?”, questiona o comerciante. Procurada pelo g1, a Seap informou que a liberação dos custodiados ocorre assim que o alvará de soltura é recebido e processado, sem a definição de um local específico para as solturas. Em muitos casos, é o próprio Ricardinho que leva a ex-detenta até a família e acompanha o reencontro. Em outras situações, ele a conduz até a rodoviária ou entrega o dinheiro enviado pelos parentes via PIX. Ele conta que já levou mulheres a endereços lembrados de cabeça, sem saber o que encontrariam, mas diz que a gratidão delas sempre compensava as dificuldades. “É um momento muito especial, uma pessoa que quer muito encontrar uma família e como eu vou levar, eu não sei o que vou encontrar também. E é muito gratificante poder proporcionar esses momentos”, destaca. Ricardo na porta de Djanira Dolores de Oliveira Gustavo Wanderley/g1
‘Quentinhas’ de mais de R$ 200 e quartos de R$ 80: o comércio no entorno de presídios Há quase 40 anos em funcionamento, o Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, recebe hoje 23.303 detentos. Ao redor deles, circulam no entorno outras ofertas de milhares de parentes, amigos e advogados, ou que movimentam um comércio variado no local. Há quem venda roupas permitidas para uso durante a custódia, bolsas transparentes — que facilitam a revista na entrada do presídio —, cigarros. Mas o carro-chefe dos negócios é o atendimento às famílias. O g1 conversou com três comerciantes que atuam na região há décadas: uma cozinheira-pastora-influenciadora que capricha nos combos de comida — os “jumbos”. uma empreendedora que viu em pessoas dormindo sob marquesas uma oportunidade de oferecer cama – e carinho a quem vive seus dramas familiares; é um dono de bar que vende comida e bebida, mas também apoia mulheres recém-saídas da cadeia, muitas vezes ainda sem boatos e sem ninguém para as receber. Leia a reportagem abaixo e assista no vídeo acima. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias do RJ em tempo real e de graça A pastora Andileia Santos, de 51 anos, viralizou nas redes sociais e já acumula mais de 500 mil visualizações no TikTok. Ela prepara e vende combos de comidas destinados às famílias detentas, que levam os kits nos dias de visita — o popular “jumbo”. Quase toda comida é preparada pela própria Andileia, que começa a trabalhar à 1h da madrugada e só termina às 17h, no fim das visitas. Ela contou ao g1 que prefere cozinhar com as próprias mãos, usando seus próprios temperos e receitas tradicionais. Às 7h, quando a equipe de reportagem chegou ao local, pratos como dobradinha e carne assada já estavam prontos para serem embalados e entregues às famílias que aguardavam na fila para a entrada das visitas. Para dar conta da produção, Andileia conta com uma equipe de oito pessoas. Ela explica as regras para a montagem das bolsas com os alimentos que entram no presídio: Cada detento pode receber duas bolsas — uma com alimentos em sacos transparentes, que passam por inspeção, e outra com produtos de higiene ou biscoitos; Todos os alimentos devem estar em embalagens transparentes; Os sacos com as comidas são colocados dentro de potes, com limite de quatro potes por preso. Montagem dos combos de comida da pastora Andileia Gustavo Wanderley/g1 As regras são seguidas à risco. Do contrário, o produto não está autorizado na penitenciária. “Aqui nós preparamos tudo. A família só traz os potes. Cada família tem direito a entrar com quatro potes dessa comida. No combo vai arroz, feijão, macarrão, farofa, carne, torresmo, de acordo com o gosto do cliente. Hoje uma moça me pediu moqueca de peixe, por exemplo”, conta Andileia, que preparou mais de oito combos naquele dia. De acordo com a pastora, os combos – que rendem pelo menos três refeições, com sobra – têm três preços: o mais barato custa R$ 125 e inclui todos os acompanhamentos e uma proteína. Com duas opções de proteína, o preço sobe para R$ 165. Já o mais completo, com três proteínas, sai por R$ 205. Conhecida apenas como pastora, Andileia tem um jeito espontâneo e carismático. Com seu “bom dia” cheio de energia, ela começou a ouvir que precisava levar esse astral também para as redes sociais. “As meninas ficaram dizendo: ‘pastora, a senhora tem que ir pro TikTok, a senhora é engraçada, vai fazer sucesso’ e eu segui o conselho”, lembra. O resultado veio rápido: em quatro meses, ela já soma quase 10 mil seguidores e mais de 500 mil visualizações nos vídeos. Pelas redes sociais, ela conquistou novos clientes. Pastora Andileia na preparação dos combos Gustavo Wanderley/g1 “Hoje eu tenho clientes da Bahia que tem comprado comigo, tenho um cliente de Brasília, do Espírito Santo, de Minas, São Paulo, Maranhão e por aí vai”, afirma. O começo, no entanto, não foi tão fácil. Ela passou anos vendendo apenas roupas e alguns pacotes de comida que cozinhava em casa e levava para a porta do presídio cedo. Depois, ela enfrentou a pandemia e a crise financeira que atingiu a região com a suspensão das visitas durante o isolamento social. Agora, ela planeja expandir os negócios e já passou a aceitar encomendas de comidas para eventos e festas. “As pessoas acham que aqui é um rio de dinheiro. Não, aqui é um rio de trabalho, tem muito trabalho. E tem famílias que chegam aqui com o mínimo do mínimo. Tem família que não tem condições de comprar um combo de R$ 125. Mas, por outro lado, tem a família que pode comprar um combo de R$ 500”, disse Andileia. A pastora conta ainda que percebe muita solidariedade entre as famílias. “Essas famílias entram em acordo entre si e essa família que tem o mínimo para poder levar, leva a bolsa da mãe que tem muito e lá eles se juntam”, conta. Das marquesas ao dormitório No início dos anos 2000, Célia Oliveira trabalhava guardando bolsas na entrada do antigo presídio Hélio Gomes, na Rua Frei Caneca, no Centro do Rio. Ela chegou a cuidar de centenas de proprietários por dia, mas, com a notícia do possível fechamento do local, teve que buscar uma nova forma de sustento. “Eu vim pra Bangu e aqui meu leque abriu. Eu continuei guardando bolsa, mas consegui vender uma salada de fruta, que era e é até hoje permitida a entrada. Conseguia fazer várias outras coisas”, relembra Célia. Na época, ela morava em Bonsucesso e precisava sair de casa ainda de madrugada para chegar nas primeiras horas da manhã ao Complexo Penitenciário de Bangu. “Eu vi que as pessoas dormiam embaixo das marquises. Não tinha nada, só as marquises de ponta a ponta, não existiam dormitório aqui. As pessoas ficaram no relento, na chuva, dormindo no chão, no papelão. E isso era na friagem ou no calor com os mosquitos te pegando”, conta. Quarto coletivo do dormitório de Célia Gustavo Wanderley/g1 Foi então que surgiu a ideia de que mudaria sua vida: abrir um dormitório nas proximidades do presídio. “Eu aluguei uma lojinha, pequenininha, do tamanho de um quarto e coloquei um colchão inflável. E aí estava todo o mundo nos colchões infláveis. Não deu certo porque estourava tudo, mas eu fiquei um ano com o dormitório assim. Conforme entrava um dinheiro, eu ia e comprava um colchão melhor”, conta Célia. Segundo Célia, o negócio começou a dar resultado depois de um ano, quando a clientela aumentou e ela conseguiu comprar o imóvel onde funciona o dormitório. Com a aquisição, ela conseguiu ampliar o espaço, que hoje tem dois andares e capacidade para receber mais de 30 pessoas por noite. Atualmente, as diárias em quartos coletivos variam de R$ 25 a R$ 28, dependendo se a cama é na parte de cima ou de baixo do beliche. Já os quartos individuais podem chegar a R$ 80. Um dos quartos individuais do dormitório da Célia Gustavo Wanderley/g1 “A prioridade das camas baixas nos beliches é para grávidas, senhoras, pessoas com dificuldades na locomoção, porque se por tudo o mesmo preço as meninas novas não vão querer ficar no alto”, explica a empresária. “Eu costumo dizer que aqui é um dormitório de família, que tem regras. Muita coisa não pode. Por exemplo, eu não permito bebida aqui dentro, eu não permito palavrões, porque a gente tem que respeitar”, acrescenta. Discussões por conta de facções ou religiões também não são permitidas. Célia Oliveira é dona de um dormitório na porta do presídio masculino de Bangu Gustavo Wanderley/g1 Para ela, o trabalho vai além de oferecer um lugar seguro para as famílias descansarem — é também uma forma de acolher e demonstrar carinho. “O meu papel aqui é acolher a família com amor, com carinho, porque já é um lugar tão pesado, tão triste. Imagina você estar indo visitar seu filho, seu esposo, as crianças vendo seu pai, é tudo tão triste.” “Quando eu recebo a família aqui, eu sempre falo: ‘que você possa se sentir em casa, eu sei que não é, mas é o que eu posso oferecer, é o meu melhor’”, diz. Apoio ‘psicológico’ a ex-detentas Ricardinho do bar Gustavo Wanderley/g1 Outro personagem conhecido na região é Ricardinho do Bar, comerciante que há cerca de 10 anos mantém um bar em frente ao Presídio Djanira, unidade feminina do complexo. Ricardo Domingos Pinheiro mora ao lado do bar, onde também vende produtos permitidos para as detentas, como xampu, absorventes e outros itens de higiene pessoal. De imediato, chama atenção a diferença no movimento do local. Enquanto o presídio masculino registra longas filas, o número de pessoas que aguardam para entregar mantimentos às detentas é bem menor. Mesmo sem formação acadêmica, o trabalho de Ricardinho se assemelha ao de um assistente social ou psicólogo, tanto no apoio às famílias quanto no acolhimento de quem acaba de deixar o cárcere. “Quando as meninas saem de liberdade, eu procuro estar sempre dando um suporte. Ajude que elas entrem em contato com a família e acalmo elas um pouco. Quando elas saem do cárcere e não têm família aqui fora esperando, elas ficam nervosas”, conta Ricardo. Quando um ex-detenta não sabe o contato da família ou não conhece os parentes, Ricardinho passa horas buscando informações nas redes sociais para tentar reencontrá-los. “É cansativo? Sim, mas a gente consegue. Às vezes demora uma, duas horas, mas a gente acaba conseguindo.” Ricardo tem um bar há cerca de 10 anos na frente do presídio Djanira Dolores de Oliveira Gustavo Wanderley/g1 Ricardo afirma que a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) tem liberado detentas até durante a noite, o que, segundo ele, coloca a segurança delas em risco. “Essa rua aqui à noite não tem ninguém, é um deserto. Então, mesmo sendo à noite, a gente tá aqui procurando dar esse suporte para as meninas chegarem em casa”, explica. “É uma questão até que causa uma revolta por não ter uma questão de humanidade, sabe? Uma pessoa sai depois das 22h do cárcere e morando em outra região? Causa uma revolta. O estado tem que se comprometer também com isso e saber que se eu vou colocar uma pessoa na rua um horário desse, como a pessoa vai fazer para chegar em casa?”, questiona o comerciante. Procurada pelo g1, a Seap informou que a liberação dos custodiados ocorre assim que o alvará de soltura é recebido e processado, sem a definição de um local específico para as solturas. Em muitos casos, é o próprio Ricardinho que leva a ex-detenta até a família e acompanha o reencontro. Em outras situações, ele a conduz até a rodoviária ou entrega o dinheiro enviado pelos parentes via PIX. Ele conta que já levou mulheres a endereços lembrados de cabeça, sem saber o que encontrariam, mas diz que a gratidão delas sempre compensava as dificuldades. “É um momento muito especial, uma pessoa que quer muito encontrar uma família e como eu vou levar, eu não sei o que vou encontrar também. E é muito gratificante poder proporcionar esses momentos”, destaca. Ricardo na porta de Djanira Dolores de Oliveira Gustavo Wanderley/g1[/gpt3]
Deixe o Seu Comentário