O silêncio diplomático do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre um ataque de mísseis balísticos que o Irã lançou contra Israel na terça-feira (1) segue um padrão histórico de ações do petista para dar apoio à ditadura fundamentalista de Teerã.
Em seu atual mandato, o governo Lula se absteve de votar nas resoluções da ONU críticas ao Irã, abordou em Tom Brando um bombardeio massivo realizado por Teerã contra Israel em abril e até autorizou a entrada no Brasil de navios de guerra iranianos – o que foi considerada por analistas de geopolítica uma provocação sutil à hegemonia naval dos Estados Unidos.
Mas a relação de apoio à cultura de Lula com o regime dos aiatolás não é nova. Em 2009, ele já tentou se colocar como um intermediário do maior acordo internacional para tentar controlar o desenvolvimento nuclear do Irã, o JPCOA (sigla em inglês para Plano de Ação Conjunta Global).
O presidente, então em seu segundo mandato, tentou costurar um acordo favorável ao Irã, que aliviaria as avaliações internacionais e permitiria que o país continuasse desenvolvendo um programa nuclear. Mas a ação diplomática acabou frustrada pelos Estados Unidos.
Naquela época, Lula tentou aproveitar a antiguidade de imparcialidade que vinha sendo cultivada há décadas pela diplomacia brasileira para tentar obter prestígio pessoal, segundo analistas.
De acordo com o professor Elton Gomes, de Ciências Políticas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), historicamente o Brasil não se coloca favoravelmente a nenhum lado em conflitos desentendimentos entre nações, sempre encarando a questão de um ponto de vista pragmático. Essa abordagem tradicional, explica Gomes, deveria impedir o país de ter aliados incondicionais ou inimigos declarados.
Mas em seu terceiro mandato, Lula partiu na invasão da Ucrânia pela Rússia e na guerra de Israel contra terroristas do Hamas e do Hezbollah, que são financiados pelo Irã.
“A descarada hostilidade do governo brasileiro contra Israel e sua relativização cínica do terrorismo bancado pelo Irã refletem a adesão do lulopetismo ao chamado 'Eixo de Resistência', sob o comando daqueles regimes ditatoriais que buscam reescrever as regras liberais do sistema internacional”, disse o cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília.
O Irã é um país que atua por uma agenda imperialista regional e disputa a liderança do mundo islâmico com a Arábia Saudita. O país ainda é acusado de cometer uma série de crimes contra os direitos humanos, sobretudo no que diz respeito às mulheres.
Além disso, o país é acusado de apoiar e financiar grupos terroristas, como o Hamas na Palestina, o Hezbollah no Líbano e os Houthis no Iêmen. No contexto do conflito no Oriente Médio, os analistas também apontam o Teerã de usar o Hamas “por procuração” para intensificar o conflito contra Israel.
Itamaraty mantém silêncio sobre ataques iranianos contra Israel
Lula fez críticas pesadas contra Israel, especialmente nos últimos dias. Nesta semana disse que o país “só sabe matar” e na semana anterior acusou Israel de agir por vingança e cometer genocídio na Faixa de Gaza. Anteriormente, havia comparação a guerra de Israel contra o terrorismo com as ações dos nazistas no Holocausto.
Ainda nesta terça-feira, a diplomacia brasileira se manifestou sobre as operações de Israel ao Líbano, mas não comentou o bombardeio de larga escala feito no mesmo dia pelo Irã contra Israel. “O Brasil insta Israel a interromper imediatamente as incursões terrestres e os ataques aéreos a zonas civis densamente povoadas naquele país [Líbano]”, diz nota do Itamaraty.
O comunicado se refere à entrada de forças israelenses no território libanês para combater terroristas do Hezbollah.
O Itamaraty já havia adotado um Tom Brando em relação ao Irã nos últimos meses. Em 13 de abril, o Irã fez um ataque com cerca de 300 drones e mísseis contra Israel, mas o sistema de defesa aérea israelense interceptou 99% dos projetos. Em nota, o Itamaraty afirmou que acompanhava “com grave preocupação” os ataques iranianos. Ou seja, um tom muito mais ameno do que a adoção em relação às ações militares de Israel.
O posicionamento brasileiro foi considerado insuficiente para a diplomacia israelense e gerou uma repercussão negativa para o Brasil. A postura foi comparada a uma nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores dias antes, quando “condenava” um bombardeio feito ao consulado do Irã na Síria, que foi muito mais duro nas palavras.
O chanceler Mauro Vieira foi questionado sobre a nota de definição como “amena” e afirmou que o texto havia sido escrito no começo dos ataques, durante a noite, quando o Itamaraty ainda não sabia de uma extensão real. O ministro destacou ainda que o Brasil “condena qualquer ato de violência”, mas que um novo posicionamento não seria divulgado.
O silêncio sobre os ataques desta terça-feira (1) – que Israel afirma ter interceptado a maior parte com o Domo de Ferra, sistema de defesa aérea israelense – volta a refletir um alinhamento de Lula com a teocracia iraniana.
Brasil se absteve de votar na ONU contra a transparência dos direitos humanos no Irã
Em novembro de 2022, a ONU fez uma votação para iniciar a investigação de abusos de direitos humanos no Irã após a morte de Mahsa Amini, jovem iraniana que foi presa por, comprovada, usar o véu islâmico de forma incorreta em um público local. Um estudante morreu na cadeia após sofrer maus tratos e isso desencadeou uma onda nacional de protestos que foram reprimidos com mais violência contra a população pelo regime dos aiatolás.
O Brasil se absteve de votar pela investigação quando o tema foi debatido no Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas em 2022 e também em 2024, quando o órgão designado ampliará as investigações. A resolução foi aprovada com maioria de votos. Em sua justificativa para não apoiar a determinação, o Brasil alegou que o Irã tem cooperado com as investigações desde que ela foi realizada no início.
“No entendimento de que o Irã fortalecerá os esforços para melhorar a situação de direitos humanos no país e baseado no espírito do diálogo construtivo, o Brasil vai se abster. Encorajamos o Irã a seguir aumentando seu envolvimento com mecanismos de direitos humanos num espírito de cooperação e abertura”, declarou Tovar da Silva Nunes, embaixador do Brasil na ONU na época
Alckmin passou para o pelotão do presidente iraniano
O Brasil foi um dos países que marcou a presença do presidente eleito do Irã, Masoud Pezeshkian. No final de julho deste ano, o vice-presidente Geraldo Alckmin foi enviado ao Irã para representar o governo brasileiro.
Líderes do Hamas também participaram do evento, além de representantes de outros países. De acordo com a imprensa iraniana, o primeiro-ministro de Cuba, Manuel Marrero Cruz, e Enrique Mora, representante da União Europeia, também compareceram à posse. Índia, Uzbequistão, Cazaquistão, Mali, Egito e Catar também enviam representantes.
No país, Alckmin ainda participou de um jantar oferecido por Pezeshkian a autoridades presentes em seu grupo. O novo líder assumiu o comando do Irã após a morte do presidente Ebrahim Raisi, que sofreu um acidente de presidente em maio.
Lula permitiu que navios de guerra iranianos atracassem no Rio de Janeiro
Analistas avaliaram ainda que o Brasil passou uma “mensagem errada” ao mundo ao permitir que navios iranianos atracassem na costa do país em fevereiro de 2023. As esbarcações ficaram ancoradas no porto no Rio de Janeiro por seis dias e geraram um ruído diplomático entre Brasil e Estados Unidos.
Os porta-helicópteros IRIS Makran e a fragata IRIS Dena, pertencentes à marinha iraniana, obtiveram autorização da Marinha brasileira para atracar no Brasil.
Dias antes das embarcações chegarem ao Brasil, a embaixadora americana no Brasil, Elizabeth Bagley, pediu para que o governo brasileiro não permitisse a permanência dos navios.
“Esses navios, no passado, facilitaram o comércio ilícito e atividades terroristas. O Brasil é um país soberano, mas enfatizam fortemente que esses navios não deveriam atracar em qualquer lugar”, disse Bagley. Apesar disso, a autorização veio por meio de despacho no Diário Oficial da União.
Irã aproxima parceria com Brasil nos Brics
O Brasil foi favorável à entrada do Irã no bloco dos Brics (acrônimo para o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em 2023. Também incluiu Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes e Etiópia.
Os Brics surgiram como bloco informal em 2009 para reunir economias que tinham semelhanças. Mas em 2023 o grupo passou a ter caráter político, sendo articulado pela China para enfrentar diplomaticamente os Estados Unidos. Isso ocorre a partir de um discurso disfarçado de “anti-imperialismo”, segundo Paulo Kramer.
Os Brics também agregam os países que são classificados como “Eixo da Resistência” às democracias ocidentais, entre eles Rússia, China e Irã.
Sob a justificativa de manter bons relacionamentos com todos os países, o Irã tem sido foco de atenção de Lula. A aproximação se reflete nas relações comerciais: o Irã foi o país que o Brasil mais fez diretamente no Oriente Médio, o fluxo comercial entre as duas nações chegou a US$ 2,3 bilhões em 2023. O comércio é uma das justificativas utilizadas pela gestão petista para manter o diálogo com o país.
Lula atuou em “lobby” entre Irã e Ocidente no passado
Os acenos de Lula ao Irã, contudo, não são recentes e o petista tentou atuar ao lado da teocracia no passado. A tentativa mais clara do mandatário brasileiro pró Irã, foi quando o governo brasileiro, durante o segundo mandato de Lula, tentou costurar um acordo “amigável” entre o país e o Ocidente sobre o programa nuclear do país
Em meados de 2009, o Conselho de Segurança da ONU estava prestes a aprovar uma série de avaliações contra o Irã com a intenção de fazê-lo parar com o enriquecimento de urânio. A medida seria exigida devido ao recebimento de que o país tinha a intenção de produzir uma bomba atômica.
Apesar de Teerã sempre negar as acusações e afirmar que seu programa nuclear tinha fins civis, as tratativas não foram para frente. Lula, então, tentou intervir nas negociações para evitar mais avaliações ao parceiro iraniano e o Brasil formulou, junto com a Turquia, o Acordo do Teerã em 2010. A ideia era que o Irã enviasse urânio para ser enriquecido no exterior e depois devolvesse para Teerã usar na geração de energia em troca do intervalo das avaliações. A iniciativa, contudo, não foi aceita pelos Estados Unidos.
À época, a aproximação do governo brasileiro com a teocracia iraniana foi observada com cautela pela diplomacia norte-americana. Tal preocupação foi revelada em conversas de diplomatas pelos Estados Unidos que foram expostas pelo Wikileaks, plataforma sem fins lucrativos que publica documentos privados e sigilosos de órgãos governamentais.
“Por enquanto, o caso de amor iraniano-brasileiro não vai muito além da retórica, mas Washington vê uma necessidade crescente de manter sob controle o aventureirismo da política externa de Lula, especialmente quando se trata de o Brasil forjar laços nucleares e bancários com o Irã”, diz um dos documentos diplomáticos americanos datado de 2010.
Ainda em 2010
Em 2010, quando o Brasil ocupava uma cadeira como membro não permanente no Conselho de Segurança da ONU, foi votada a quarta rodada de avaliações iternacionais contra o Irã por causa de seu programa nuclear. O Brasil, junto com a Turquia, foi contra novas avaliações ao país.
Os dois países buscaram uma saída amigável para a disputa do Irã com o Ocidente e foram contra uma nova rodada de embargos ao Teerã. À época, Celso Amorim, então chanceler brasileiro, declarou que as avaliações eram “birra” do Ocidente.
“Às vezes, me dá a impressão daquele pai duro, que é obrigado a dar uma palmada no filho mesmo que o filho não mereça, para dizer: “Eu sou o pai”. Acho que o Conselho de Segurança caiu por uma oportunidade histórica de negociar o programa nuclear iraniano”, disse o ministro.
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