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Com alma de repórter, Thais Furlan inova no gênero ‘true crime’: “Não abri mão de tentar falar com os assassinos” – Entrevista

Com alma de repórter, Thais Furlan inova no gênero ‘true crime’: “Não abri mão de tentar falar com os assassinos” – Entrevista



Com o brilho no olhar de quem está descobrindo um novo mundo, a experiente Thais Furlan comemora mais de 20 anos de carreira (18 deles na tela da RECORD) com a estreia na série ‘true crime’ Doc Investigação, no PlayPlus.

Na trajetória marcada pelo jornalismo investigativo, a repórter experimentou diversas vezes a sensação de dar um ‘furo’ jornalístico e também esteve do outro lado do mundo, como correspondente internacional nos Estados Unidos e na Inglaterra.



Mesmo com tanta bagagem, ela garante que há um mundo a desbravar: “Aprendi demais com o Doc Investigação e não sei se não foi a fase em que eu mais aprendi na minha vida. Estava com a melhor equipe que eu poderia estar, gente experiente, que sabia fazer documentário e ganhou prêmio no mundo inteiro. Eu só cheguei lá para aprender e continuo aprendendo”, confidencia.

Em conversa com o R7 Entrevista, Thais Furlan contou bastidores exclusivos da nova série do PlayPlus, como a tentativa de suborno milionário para mudar um dos episódios. “Falta de respeito com a minha história. O documentário está correto, do jeito que tinha que ser, e a minha resposta para essa pessoa é o meu trabalho”.


Confira a seguir a entrevista e prepare-se para sentir uma vontade incontrolável de maratonar o Doc Investigação!


R7 Entrevista — Você tem uma carreira consagrada no jornalismo investigativo, também já foi correspondente internacional em Nova York, nos Estados Unidos e, em Londres, na Inglaterra. O Doc Investigação veio para coroar esses 18 anos de RECORD?

Thais Furlan — O Doc Investigação é o maior presente que já recebi. Ser correspondente internacional foi incrível. Todo repórter sonha com isso, se não todos, muitos. Foi um convite, na época, inesperado. Me surpreendeu e eu fiquei absolutamente feliz. Passei quase cinco anos fora do país, cobri tudo, conheci o mundo inteiro gravando e trabalhando. Mas eu sou repórter raiz, de polícia. É uma editoria que as pessoas têm preconceito, mas eu tenho orgulho. Amo investigação e fazer o que eu faço. Então, quando veio o convite para fazer uma série documental sobre crimes reais foi o melhor presente que eu poderia receber. Estou trabalhando feliz da vida desde então. Trabalhando muito, mas absolutamente feliz e entregue.


O gênero “true crime” traz uma linguagem mais rápida e moderna, foi muito diferente daquela que está acostumada na TV aberta?


É uma linguagem que eu estou aprendendo com a melhor equipe, a mais preparada e premiada da TV brasileira, que é comandada pelo Gustavo Costa [chefe de Redação do Núcleo de Projetos Especiais]. Eles sabem fazer isso como ninguém, então também foi muito importante. Eu tinha um lado jornalístico, toda a base e fundamento de repórter, e eles, além do preparo, me ensinaram toda essa técnica. Eu cheguei e fui acolhida, me ensinaram a fazer documentário.



Você imaginava que ainda tinha algo a aprender após mais de 20 anos de carreira no jornalismo?


Eu aprendi demais e não sei se não foi a fase em que eu mais aprendi na minha vida. Estava com a melhor equipe que eu poderia estar, gente experiente, que sabia fazer documentário, que ganhou prêmio no mundo inteiro. Eu só cheguei lá para aprender e continuo aprendendo. Eu terminei essa temporada de 12 [episódios] achando que eu ainda tenho muito para aprender.



O Doc Investigação reúne 12 crimes de grande repercussão no Brasil. Como foi chegar até essa seleção de casos?

A gente começou com uma lista de 30 [casos] e a chefia foi filtrando e também trazendo novos casos. Alguns, eu escolhi pessoalmente. Queria fazer o caso da Anne Cipriano Frigo, a milionária herdeira do papelão que contratou o melhor amigo do marido para matá-lo, porque, na época, eu dei o furo dessa história. Revelei esse caso quando ele aconteceu, lá atrás, fiz muita coisa com exclusividade, mas eu sabia que tinha um caminho a ser explorado. É um dos episódios que eu sou mais fascinada.

No caso do Bernardo Boldrini, o menino do sul [assassinado após tomar uma superdosagem de medicamento], eu queria falar com a madrasta, e [também] entender, porque a cidade que é enlutada até hoje, 10 anos depois, descreve um menino doce, gentil e generoso. Que maldade é essa que leva ao assassinato de uma criança com esse perfil? Sou mãe de gêmeos, a Pepê e a Nonô, minhas joias raras, é mais difícil entender, elas têm mais ou menos a idade que o Bernardo tinha na época.



Foram 10 meses de trabalho até agora e oito de estrada, com mais de 200 entrevistados…


Estive em todas as regiões do país e entrei em vários presídios, em muitos episódios eu conversei com o preso, mas acabou não indo para frente, porque ele não quis, ou então porque a gente entendeu, de alguma maneira, que não valeria. Mas, vou te falar que não teve um mês que não estive em presídio. Algumas vezes, eu fui de quatro a cinco vezes no mesmo presídio.


Teve alguma preparação especial para encarar essa maratona?


Enquanto repórter de polícia do Jornal da Record, que é o principal da casa, eu abria o jornal muitas vezes na semana e já tinha esse meu critério de trazer profundidade, mesmo em uma matéria de dois a três minutos. Eu entregava a matéria em cima do ‘laço’, porque eu queria ela perfeitamente bem apurada. A premissa que eu tenho que ter no documentário, enquanto jornalista, é o aprofundamento. Como você consegue isso? Lendo o processo de 10, 12, 18 mil páginas. É o que eu fazia, então eu parei de fazer academia, porque o tempo que eu gastava na academia eu estava lendo.

Eu voei muito, em média, uma conta que a gente fez, entre pousos e decolagens, escalas, idas e voltas, eu fiz uma viagem a cada quatro, cinco dias. É muita coisa, e era só lendo. Lendo processo, em qualquer tempo que eu tinha. Instalei programa em telefone celular para ler o processo no carro para mim, para que fosse ouvindo.

Me preparei com informação, para que não ficasse vendida e rendida na mão de autoridades e nem de suspeitos. É muito fácil eles tentarem te manipular. Um psicopata é um narcisista, ele quer aparecer, mas ele fica o tempo inteiro te manipulando. Com informação, isso fica mais difícil. Mergulhei em todos os casos, vi muitos arquivos, só que a equipe era muito boa. Eu estava muito bem estruturada, é importante dizer, são mais de 40 pessoas. Não é a Thaís Furlan lendo o processo ou conseguindo algo sozinha. É a Thais Furlan lendo o processo que o produtor conseguiu, sou eu conseguindo um processo que o produtor leu pela metade, é uma equipe absolutamente experiente. Isso facilitou muito o trabalho, não estava solta.



A premissa era trazer algo novo. Mas como foi negociar com criminosos e testemunhas para tentar convencer quem até então nunca tinha falado?


Foi a parte mais difícil. Eu não abri mão de tentar falar com os assassinos. Fui criticada por isso, por que dar voz ao assassino? Eu respondo: como é que se fala de um crime real sem falar com o executor? Principalmente se ele quiser falar. A gente dividiu a equipe e eu fiz os contatos com suspeitos, condenados e assassinos. Tem gente que ainda não me deu respostas, mas eu tenho certeza que vai falar. De um deles, eu tomei dez “nãos”. Na décima primeira resposta, poderia ser não, mas foi sim.

Eu tenho como premissa não desistir jamais. Tem um preso, esse me provoca, ele me deu sim, [depois] me deu não, me deu sim [de novo], me deu não, fui com a equipe gravar e chegando lá não me deixava entrar. Já estava tudo autorizado, e autorização judicial é uma trabalheira conseguir. Aí, um dia, ele me escreve uma carta, foi super arredio, e me convida para visitá-lo fora da entrevista, como se fosse uma visita íntima. A gente passa por um monte de constrangimento, mas eu respondia com trabalho: ‘irmão, foca, eu estou te pedindo uma entrevista, não aceito esse tipo de conduta’ e continuei a negociação.

É isso, para mim não tem ‘não’. Eu tinha que ter um sim todo dia, essa minha experiência foi muito importante. Eu não podia virar para o meu chefe e dizer que não consegui entrevista com promotor, delegado, preso ou vítima. Eu tinha que ter ‘sim’ todo dia. Aprendi que para conseguir o ‘sim’ você precisa ter infinidade de ‘nãos’. 



É verdade que chegou a viajar três dias de ônibus só para falar com o irmão de um criminoso?


Eu estava em um ponto muito distante gravando um episódio e tinha uma questão de logística para chegar lá [a cidade do irmão do criminoso]. Entre a ida e a volta foram três dias sem tomar banho, debaixo de temporal, 14 horas dentro de um ônibus. Aí tive que pegar outro ônibus e ele já tinha saído, então tinha que pegar em outro lugar, e não tinha hotel na cidade. Foi de última hora, mas pensei: ‘é agora’. Eu fiz o contato e a pessoa falou ‘vem’. Aliás, foi o advogado da pessoa que falou ‘vem conversar, ela vai pedir para o irmão gravar’. Foi instinto e deu certo.



Poderia compartilhar algum bastidor exclusivo com o leitor do R7 Entrevista?

Teve uma [tentativa] de suborno para manipular o documentário, primeiro de R$ 1,5 milhão e, depois, de R$ 3 milhões. Essa proposta partiu de uma pessoa, que não vou revelar, mas queria manipular um dos documentários, ela queria [que fosse exibida] a verdade dela. Não que ela não queria o documentário, mas queria um documentário cuja verdade não era a mesma que encontramos nos autos. A oferta começa para mim com R$ 1,5 milhão e termina com R$ 3 milhões. Piada, né? Falta de respeito com o meu trabalho e a minha história. O documentário está correto, do jeito que tinha que ser, e a minha resposta para essa pessoa é o meu trabalho.



Nos 12 episódios há sempre algum furo jornalístico?


Em um episódio de crime bárbaro, cheguei a ficar três horas em mata nativa procurando por um cativeiro que nunca havia sido revelado. A gente tinha essa premissa, todo caso, dos 12, tem um furo jornalístico ou uma revelação. Também tem caso com confissão, gente que nunca admitiu o crime e acabou confessando para a gente. Eu estou bem feliz, acho que cumprimos o papel. O grande segredo do Doc Investigação, que tem feito as pessoas gostarem, é que ele tem uma alma de repórter. É uma série documental, de crimes reais, mas com a alma do repórter. E o que é a alma do repórter? A busca por essa informação. A gente não quer contar só o que está no papel, queremos mostrar o que está além dos autos. Então, essa alma de procurar, de vasculhar, de tentar e de tomar ‘não’, essa é a alma desse Doc Investigação e é a alma do repórter. É um documentário todo em movimento, quando você acha que aquela pessoa matou, você descobre que não. É a mesma procura que eu tenho como repórter. Muitos casos, comecei questionando se a pessoa era a autora do crime e no meio passei a acreditar que não era, e depois questionei de novo. Isso está no ar, a alma do repórter em busca de uma informação absolutamente verídica.



O público pode esperar por uma segunda temporada?


Eu espero que sim! A gente tem que falar com Antonio Guerreiro, que não é só o Vice-Presidente de Jornalismo [da RECORD], ele é produtor executivo e teve um papel ativo, inclusive para conseguir entrevistas importantes. As pessoas não sabem disso, mas tem uma entrevista ali que se não fosse ele, não teria acontecido. Aliás, provavelmente, duas. Estou torcendo para ter uma segunda temporada, porque a lista de crimes para a gente falar é enorme. Falamos de tudo [na primeira temporada], feminicídio, tráfico de órgãos, pedofilia, estupro, abuso, assassinato, pai que mata filho, filho que mata pai, erro judicial, mistério, quem matou fulano de tal. Estou doida para fazer a segunda temporada, vamos ver, a repercussão está bacana. Marcelo Pesseghini, até agora, é o mais polêmico. Todo mundo fica me mandando mensagem, perguntando se ele matou ou não essa família. As pessoas não conseguem acreditar, tem que assistir para ver. E o da milionária, que foi ao ar recentemente, é genial. Você não consegue dar play e parar.

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