A recente venda de uma mineradora brasileira pela China colocou o Brasil no centro de uma disputa tecnológica entre as duas maiores potências globais: Estados Unidos e China. A Taboca, localizada na Amazônia e maior produtora de estado orgânico do Brasil, foi comprada pela estatal chinesa China Nonferrous Metal Mining (CNMC) por US$ 340 milhões (aproximadamente R$ 2 bilhões).
O estado, um dos materiais extraídos na mina, é um insumo essencial para a fabricação de semicondutores, itens estratégicos na corrida pela liderança tecnológica global. Embora a negociação não represente uma ameaça direta à segurança nacional do Brasil, os analistas expressam preocupação sobre a imagem estratégica do país no cenário global após a venda.
A disputa entre China e EUA não se limita ao setor econômico, estendendo-se ao domínio tecnológico, militar e geopolítico. Nos últimos anos, Pequim tem intensificado a busca por estratégias minerais em regiões como a América Latina, ao passo que Washington suporta avaliações contra empresas chinesas ligadas a semicondutores e tecnologia avançada.
“Com as restrições impostas pelos Estados Unidos aos semicondutores chineses e a consequente redução da dependência da indústria americana, a China intensificou seus esforços globais para garantir o acesso a minerais críticos e terras raras. A aquisição é um reflexo dessa estratégia, especialmente em um contexto em que a América Latina tem se tornado uma área de crescente influência chinesa, favorecida por governos de esquerda que, muitas vezes, negligenciam questões de soberania”, analisa Cezar Roedel, mestre em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A ameaça à soberania e à influência chinesa
O especialista aponta que a compra da Taboca reflete a crescente presença chinesa na América Latina, região que ele descreve como um “playground para a China”. “A América Latina abriu suas portas, muitas vezes de forma negligente, permitindo que Pequim adquirisse ativos estratégicos como mineradoras de grande importância para o mercado global”, afirmou.
Além do estanho, a Taboca explora nióbio e tântalo, dois elementos críticos para a produção de componentes como baterias, satélites, capacitores e foguetes. Apesar de a venda não representar uma ameaça imediata à segurança nacional, especialistas alertam para os efeitos estratégicos a longo prazo.
A presença de empresas chinesas em setores sensíveis levanta questionamentos sobre a soberania e a política externa do Brasil. “O país corre o risco de se tornar um mero tabuleiro em uma guerra tecnológica, perdendo protagonismo e liderança em setores estratégicos”, alerta Roedel.
EUA mostram preocupação com movimento chinês
Os EUA, que já adotaram medidas severas contra a indústria tecnológica chinesa, veem movimentos como o da compra da Taboca com preocupação. Em outubro, o presidente Joe Biden proibiu investimentos norte-americanos em empresas chinesas que operam nos setores de semicondutores, inteligência artificial e computação quântica. As medidas visam evitar que tecnologias americanas sejam utilizadas pela China para modernizar suas forças armadas.
Além disso, os EUA sancionaram bolsas de empresas chinesas ligadas à tecnologia e acusaram Pequim de fornecer suporte militar indireto à Rússia na guerra contra a Ucrânia. A rivalidade entre os dois países, descrita como uma “nova Guerra Fria”, pressionou nações menores, como o Brasil, a equilibrar relações comerciais com as duas potências.
O Brasil no meio da disputa
A China e os Estados Unidos enfrentaram uma batalha econômica e geopolítica que já dura anos e não deve ser resolvida no curto prazo. Segundo analistas consultados pela Gazeta do Povoessa rivalidade, que também se estendeu ao campo tecnológico, tende a se intensificar com o retorno de Donald Trump à Casa Branca. Para Cezar Roedel, esse cenário global emergente exige uma análise mais cuidadosa por parte do governo brasileiro.
“É necessário um olhar mais atento sobre as reservas de recursos estratégicos, além de uma compreensão mais profunda da atual guerra fria tecnológica entre China e Estados Unidos, que provavelmente se tornará ainda mais complexa sob o governo de Trump”, afirma Roedel.
Ele ressalta que o Brasil deve iniciar debates aprofundados sobre seus recursos estratégicos e como estes se inserem na conjuntura internacional, para evitar dois cenários:
- tornar-se dependente da China em minerais raros, apesar de possuir grandes reservas; e
- ser limitado a um simples peão em uma guerra tecnológica ainda mais profunda.
“Nos dois casos, o Brasil perderia sua proeminência e liderança tecnológica”, conclui.
O Brasil e a geopolítica dos Brics
Sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil tem fortalecido seus laços com a China, membro do bloco Brics, que busca reconfigurar a ordem econômica global. Apesar da resistência à adesão oficial à Nova Rota da Seda – o projeto ambicioso de infraestrutura transferida para Pequim –, o Brasil tem dado sinais de alinhamento com a política externa chinesa, o que gera críticas de analistas.
O professor Elton Gomes, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), avalia que a venda da Taboca reforça essa percepção. “O Brasil tem ampliado sua relação econômica com a China em temas sensíveis, o que pode ser interpretado como um alinhamento estratégico ao gigante asiático”, afirma.
Para Gomes, o governo brasileiro deve buscar um equilíbrio entre os interesses comerciais e as alianças tradicionais com os países ocidentais. “A pressão por um posicionamento claro em um mundo cada vez mais polarizado só tende a crescer, e isso coloca o Brasil em uma posição delicada no cenário internacional”, conclui.
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