
Após mais de um mês do encontro em que rolou uma “química” entre o presidente Lula e o republicano Donald Trump, as negociações sobre a tarifaço de 50% vigente sobre as exportações brasileiras desde agosto não apresentaram nenhum avanço concreto. Entre afagos e gentilezas, as conversas entre os diferentes níveis dos dois governos têm patinado e colecionado anúncios de novas tratativas, ainda sem dados para acontecer.
O enredo do “namoro” começa a ficar arrastado. Ao “esbarrão” de 39 segundos entre os líderes no intervalo dos discursos na Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, houve uma conversa por teleconferência e a expectativa, verbalizada por Lula, de que o “problema com os Estados Unidos” seria resolvido.
O otimismo prevaleceu com o encontro presencial entre os presidentes em meio à cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) na Malásia, em outubro, celebrado como uma vitória da estratégia de não ceder às pressões americanas e de reafirmar a soberania brasileira. “Estou convencido de que em poucos dias teremos uma solução”, reafirmou Lula na ocasião.
Na sequência, as delegações do Brasil e dos Estados Unidos reuniram-se em Kuala Lumpur para dar início à fase técnica das negociações. O secretário de Estado Marco Rubio — considerado uma pedra no caminho das negociações por questões ideológicas — havia acompanhado os presidentes no encontro e era esperado na reunião, mas não compareceu, sem explicação oficial.
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Do lado brasileiro, participaram o chanceler Mauro Vieira e o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Márcio Rosa; do lado americano, estiveram presentes o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e o representante comercial da Casa Branca, Jamieson Greer.
Vieira reiterou o pedido brasileiro de retirada temporária das tarifas de 40%, com a manutenção apenas das tarifas recíprocas, de 10%. A expectativa era de um anúncio de suspensão para todos os produtos ou mesmo para setores específicos, em especial sobre carnes e cafés, que trazem instruções de preços no mercado americano e incomodando os importadores.
Nada, no entanto, ficou decidido. Os negociadores concordaram apenas em abrir um calendário de reuniões e sem compromisso de “construir um acordo”. Uma nova reunião entre os ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda) e Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) em Washington com seus homólogos americanos estava prevista para esta semana, mas foi adiada sem novos dados.
Na última quinta-feira, Greer disse que o governo dos EUA está “analisando o formato” do possível acordo comercial com o Brasil, mas esse processo poderia demorar “algumas semanas ou meses”. Ainda segundo ele, os EUA querem “ter certeza de que os brasileiros estejam prontos para colaborar”.
Só “química” não garante negociação para redução de tarifas
Enquanto a diplomacia aguarda sinais de Washington, o setor produtivo reage com cautela. Na prática, a avaliação é que, apesar de bem-vinda, a suposta “química” entre os dois presidentes é insuficiente para garantir uma boa negociação.
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, representante de diversos setores junto às contrapartes americanas, retoma a percepção do momento: “Primeiro, tem que baixar as expectativas, porque não está nada garantido”, diz. “Nem mesmo [as isenções] pra café e carne. Uma negociação [entre Trump e Lula sobre temas estratégicos] também vai bem longe. Então, eu não esperaria nenhuma resolução de curto prazo.”
“Acho que essa química é uma coincidência”, diz Jackson Campos, especialista em comércio exterior. “Eles se voltaram e o Trump decidiu negociar porque o lobby das empresas brasileiras nos Estados Unidos está chegando ao governo americano. Trump negociaria de qualquer forma, já que está ouvindo o empresário que as tarifas estão pesando.”
Para José Velloso, presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a questão não se resume à “química” ou a vontade de fazer o acordo. “O problema é que, dentro das prioridades dos EUA, ainda não chegou à vez do Brasil.” “Não somos prioridade para os Estados Unidos.” A agenda atual da Casa Branca, lembra, está voltada principalmente à redefinição das relações com a China e às disputas tecnológicas com a União Europeia e o Sudeste Asiático.
Big Techs, terras raras e etanol na mesa para negociação das tarifas
Outra entrada apontada pelos empresários é a falta de clareza sobre a possibilidade de atender ao pleito americano: “Não sabemos o que os Estados Unidos vão realmente colocar na mesa para que o Brasil possa reagir”, diz a presidente da Câmara de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de Santa Catarina, Maria Teresa Bustamante, que também não acredita em novidades sobre o tema este ano.
Entre os interesses americanos já conhecidos estão as garantias de segurança para grandes tecnologiasem meio a pesado sobre as propostas das empresas brasileiras de regulação mais essas — medidas que o governo Trump interpreta como ataques à liberdade corporativa e até como uma forma de “roubo” de recursos das companhias americanas.
Os EUA também buscam acesso a minerais raros e ao mercado brasileiro de etanol. Do lado brasileiro, o governo já aceitou a possibilidade de reduzir as tarifas sobre o etanol americano, cuja alíquota atual é de 18%. É uma concessão significativa, já que enfrentou forte resistência política e lobby de produtores nacionais.
“Pragmaticamente, faz sentido o que está sendo negociado”, avalia Vito Villar, coordenador de Comércio Internacional da BMJ Consultores. “Mas não é possível, nesse momento, encontrar uma temporalidade. Pode levar semanas ou meses. É importante destacar que nenhum país conseguiu de fato um bom acordo. Isso leva a crer que o Brasil, que entrou na rota de crítica direta de Trump por meses, também tem dificuldade em alcançá-lo.”
“Trump tem as cartas”
O apetite dos EUA dependerá, em grande medida, do cenário político interno. No momento, Trump enfrenta o risco de desligar (paralisação da máquina administrativa) do governo e queda de popularidade. Villar considera difícil que o objetivo brasileiro — a redução total das tarifas aplicadas — seja alcançado.
“Embora essa hipótese não esteja fora da mesa de negociação, o mais provável é um meio-termo, com possíveis novos produtos incluídos nas listas de exceção em troca de concessões brasileiras”, diz.
Arno Gleiser, presidente da Câmara de Integração e Comércio Brasil–Estados Unidos (Cisbra), acredita num acordo parcial mais rápido e outro no longo prazo. “Foi assim com a China: eles fizeram uma renúncia de um ano”, diz.
No último dia 30, Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, chegaram a um acordo durante a cúpula da Cooperação Ásia-Pacífico (Apec), na Coreia do Sul, após semanas de tensão e ameaças de novas tarifas. O tratado estabelece um trégua de um ano na disputa comercial entre os dois países: os Estados Unidos reduzirão tarifas sobre produtos chineses, enquanto a China se comprometeu a ampliar a compra de soja americana e ambos concordaram em aliviar os controles de exportação.
Velloso ainda é o mais otimista. Embora o avanço possa variar entre “a retirada total dos 40%, a redução para 10% ou a adoção de uma tarifa semelhante à da Europa, de 15%, além de um possível aumento nas abordagens”, afirma, confiante de que “alguma coisa deve acontecer nos próximos 90 dias”.
Até lá, Trump vai continuar avaliando o desgaste interno para decidir. Segundo um líder empresarial que não quis ser identificado, como um “bom negociador”, Trump vai continuar “cozinhando” o Brasil sobre um acordo comercial enquanto interessa. Embora relevante como fornecedor de commodities, o país é parte secundária no tabuleiro. Além disso, analistas avaliam que Trump já alcançou uma parte do que desejava no Brasil, para sinalizar à China que há alternativas na América do Sul.
O mesmo empresário afirma que é impossível saber exatamente o que vai sair das negociações — e nem quando. “O ‘timing’ vai ser dado por Trump, é ele quem tem as cartas”, diz. “Mas, independentemente do que vier, não será fruto da ‘química’ entre Lula e Trump, mas do esforço do empresariado brasileiro, que tem atuado fortemente junto às contrapartes americanas. “São os empresários dos Estados Unidos que têm fortes a Casa Branca para a revisão das tarifas.”











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