Sua missão, como diria depois em vídeo gravado para investidores, seria apoiar “a condução dos trabalhos” em busca de uma “solução estruturada para a empresa”
Daniele Madureira
Brasília, DF
O tema de “Missão Impossível” embalou no final de 2017 uma performance apoteótica de Sergio Rial, advogado e especialista em economia que naquele ano presidia do Santander Brasil, e desceu de rapel até o palco montado no Allianz Parque, em São Paulo, sob aplausos de uma arena lotada de funcionários do banco. A instituição estava prestes a comemorar a marca inédita de R$ 10 bilhões de lucro anual.
Mas o título do filme de ação nunca esteve tão apropriado quanto nesta fase da carreira do executivo, que acaba de renunciar à presidência da Americanas SA e informar ao mercado outro número inédito, em relação ao qual não há o que celebrar: um rombo contábil de R$ 20 bilhões no balanço da Americanas.
Ser porta-voz de tal escândalo não é tarefa trivial, mas uma missão impossível ainda está em curso. Ao mesmo tempo em que anunciou sua saída do comando da companhia, o ex-banqueiro se apresentou como assessor dos “acionistas de referência” da Americanas -leia-se os fundadores da 3G Capital, o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Sua missão, como diria depois em vídeo gravado para investidores, seria apoiar “a condução dos trabalhos” em busca de uma “solução estruturada para a empresa”, que nesta sexta-feira (13) obteve na Justiça uma proteção emergencial contra cobranças.
“A pergunta que fica é… Será que Rial já sabia?”, questiona o investidor Pedro Menin, sócio-fundador da Quantzed e da QTZ Investimentos, em publicação em rede social na qual levantou várias dúvidas sobre o escândalo.
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, há poucas dúvidas de que Sergio Rial foi escolhido a dedo para a tarefa espinhosa de apagar um incêndio nas Americanas, que já dava sinais de fumaça pelo menos desde o ano passado, quando o carioca de 62 anos foi festejado como novo presidente da companhia.
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Na opinião de André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners, a contratação de Rial, um “banqueiro” e não um “varejista”, já indica uma estratégia da Americanas para lidar com uma situação de crise, incluindo a comunicação com o mercado e a falta de confiança que a companhia deve enfrentar a partir de agora.
“Se a crise de confiança crescer exponencialmente e impactar fornecedores (que ficariam reticentes em continuar vendendo à Americanas) e, pior atingir, os consumidores, que poderiam ficar receosos em comprar e não receber os produtos, aí a crise seria total”, diz Pimentel , que trabalhou na operação da Americanas no fim dos anos 1990, quando estava na Galeazzi & Associados e, antes disso, atuou na PwC, atual auditório da Americanas.
A sócia de uma consultoria em carreiras, ouvida pela reportagem em condição de anonimato, afirma que executivo do porte de Rial não aceitam o convite para comandar uma companhia sem saber exatamente onde estão pisando.
Descobrir em nove dias um escândalo narrativo dessa magnitude, que se arrasta há pelo menos sete anos, é pouco crível, opina ela.
A contratação do presidente de uma grande empresa costuma envolver uma transição lenta e cuidadosa, afirma. Em se tratando de alguém muito experiente como Rial, do mercado financeiro, diz, é natural que ele queira se inteirar dos números antes de fazer qualquer movimento -o que inclui saber o que acontece com as ações.
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O especialista lembra que a executiva da Americanas venderam quase R$ 212 milhões em ações da companhia durante o segundo semestre do ano passado, conforme informações ao mercado da própria Americanas, que veio ao público após o escândalo.
‘SE ACREDITA TANTO NA EMPRESA, POR QUE PEDIU DEMISSÃO?’
Segundo ela, executivo do alto escalão se preparam muito antes de tomarem a decisão de assumir uma nova carga e se informam sobre os “responsabilidades civis do cargo”.
Isso porque a legislação brasileira estabelece que os executivos são responsavelmente responsáveis pelos atos e omissões relacionados à gestão da companhia, podendo vir a responder com seu próprio patrimônio.
Talvez este seja o motivo para que Sergio Rial, caso conhecesse o escândalo da Americanas, tenha topado assumir a empresa, mas não ficar na cadeira de presidente.
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A sócia de uma consultoria em gestão, com larga experiência no varejo, diz achar “óbvio” que Rial foi chamado para assumir a carga já inteirado dos problemas no balanço.
Para ela, é muito provável que Rial seja o responsável por fazer toda a dívida, que a empresa diz agora poder chegar a R$ 40 bilhões, caso os créditos antecipem as cobranças.
Ao mesmo tempo, lembra uma fonte do setor de varejo, executivo de sucesso pode gostar de assumir desafios capazes de deixar o currículo mais estrelado. Mas isso não inclui ver uma das maiores varejistas do país quebrar na sua mão.
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Em apresentação a investidores na sede do BTG, no último dia 12 (dados em que também gravou vídeo para comentar sua saída da presidência), Rial disse algumas vezes que não tinha “obrigação legal” de estar fazendo ali os esclarecimentos. No vídeo, ele mesmo repete a pergunta que lhe é feita com frequência:
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“Poxa, Sergio, se você acredita na empresa, então por que você decidiu pedir demissão?”
E dá a resposta: “Acho que o tamanho do que precisa ser feito não era necessariamente o que eu queria em um primeiro momento, que era ir para a Americanas e enveredar por um projeto muito grande de crescimento”, respondeu.
“Obviamente, nos próximos trimestres, vamos continuar vendendo, continuar fazendo o que precisa ser feito, mas muito tem que acontecer em relação à estrutura patrimonial.”
O escândalo relacionado à operação de “adiantamento a fornecedores” deve gerar acertos nos balanços dos últimos anos, como já observado pelo próprio Rial. Segundo consultores ouvidos pela reportagem, os ajustes tendem a vir na última linha dos balanços, os resultados.
A consultora em carreiras ouvida pela reportagem questiona onde estão o presidente e o diretor de relações com investidores da empresa que ocupavam essas posições antes da posse de Rial, que ainda não veio ao público se pronunciar. Ambas as funções foram embarcadas até 31 de dezembro de 2022 por Miguel Gutierrez, que comandou a Americanas pelos últimos 20 anos.
EMPRESA CONSEGUIU IMPEDIR BTG DE COBRAR DÍVIDA NA JUSTIÇA
Nesta sexta-feira (13), Rial teve relações duras com bancos credores da Americanas que, segundo apurou a reportagem, ficaram indignados com a falta de disposição dos principais acionistas do varejista em anunciar uma capitalização robusta na empresa.
O BTG Pactual trouxe Rial para prestar esclarecimentos a investidores na sede do banco na quinta (12), em um evento inicialmente privado e muito concorrido. Na sexta, tentou antecipar R$ 1,9 bilhão a receber da companhia, precipitando o pedido de proteção da Americanas.
O retalhista mais do que depressa sacou o recurso que tinha à mão: entrou na noite da sexta-feira (13) com pedido de tutela de urgência cautelar junto à 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Com isso, a empresa consegue impedir que seus ativos sejam bloqueados a pedidos de credores.
Na prática, a medida concede à Americanas um respiro para estudar um pedido de recuperação judicial, iniciativa que pode ser tomada dentro de 30 dias, de acordo com a decisão da Justiça.
A empresa afirma, porém, que “continua empenhada em manter conversas positivas com seus servos buscando ao atingimento de um acordo que seja benéfico a todos os seus stakeholders”, e que “a tutela de urgência não representa um procedimento de recuperação.”
No momento, os ânimos entre Americanas e credores estão muito acirrados. “Um dos grandes riscos é a interrupção da linha de financiamento a fornecedores, fornecida hoje pelos bancos. Espero que os bancos tenham uma postura de equilíbrio e tenham certeza à gestão atual encontrando um caminho que funcione para todos. Apesar do primeiro choque de desagrado”, disse Rial, no vídeo destinado a investidores.
“Peço paciência.”
Para analistas ouvidos pela reportagem, os acionistas de referência da Americanas, o trio à frente da 3G Capital, acreditavam que, se o pedido de paciência viesse de um banqueiro, os credores conseguiram mais boa vontade em atender.
Os atos mais recentes da crise ainda não permitem dizer se eles estavam certos.
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