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Suspense de Martin Scorsese é o filme mais perturbador da Netflix e te fará ter calafrios até o segundo final

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A mistura de drama e suspense proposta por Martin Scorsese em “Ilha do Medo” é quase tão boa quanto a narrativa de Dennis Lehane no romance homônimo, publicado em 2003. Em favor de Scorsese, ainda um dos melhores cineastas de Hollywood, sobretudo nesses dois gêneros — e, mais especificamente, no modo como os conseguem amalgamar —, diga-se que o filme mantém o inaudito encontrado na pena de Lehane e cativa pela estética que o coroa. Scorsese fala como poucos sobre o lado menos glorioso do homem, e dissipa com galhardia e classe as grossas brumas que escondem o que só parece claro. Na guerra que estamos condenados a encampar contra nossa própria natureza, ansiando por que se nos revele um mecanismo qualquer capaz de permitir que continuemos nossa jornada sem esmorecer frente à potência bestial da abjeção e da loucura, destaca-se um rival tão íntimo quanto desconhecido, que ataca-nos sem dó na hora menos oportuna. É dele que trata Scorsese neste filme.

Esse lugar sombrio a que o título alude é o apelido pouco lisonjeiro das ilhas Boston Harbor, um pequeno arquipélago rochoso, cheio de cerros incorporados e que remetem o espectador diretamente à ideia de isolamento, claro, mas também de punição eterna, como se a qualquer instante fôssemos nos deparar com a encarnação de um Sísifo pós-moderno, empurrando uma pedra esmagadora até o cume só para ter de ver-la rolar precipício abaixo outra vez, e outra, e outra mais, até que os deuses a quem enganaram o absolvam . Essa atmosfera de danação e recompensas, de castigo como meio de imolação de danos a si e a quem talvez até enxerguemos, resta manifesta logo na abertura, momento em que o roteiro de Laeta Kalogridis aponta um preso mergulhado numa serenidade artificiosa, visivelmente desalentado, passando o rastelo por um gramado assombrosamente verde, quiçá a única imagem que evoca alguma graça (ainda que meio torta) no transcurso de 138 minutos, ressaltada pela fotografia apurada de Robert Richardson, um dos muitos pontos altos do longo. Por ele cruzam o delegado Edward “Teddy” Daniels, vivido por Leonardo DiCaprio, e seu parceiro, Chuck Aulen, de Mark Ruffalo, rumo a um dos alojamentos das três alas do imenso complexo de celas, ciceroneados pelo doutor John Cawley de Ben Kingsley, sempre encantador em papéis como esse.

A lembrança do termo recente da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), apenas nove anos antes, ainda faz reviverem em Daniels os traumas da frente de batalha e o público começa a se indagar se ele é mesmo o homem certo para a tarefa de que o incumbiram. Em 1954, Rachel Solando, a assassina dos próprios filhos interpretada por Emily Mortimer, transporta o personagem de DiCaprio de volta a um evento macabro de sua própria história. Pairam sobre Rachel, cujo temperamento caótico demanda também a atuação de Patricia Clarkson, os segredos que fazem da personagem, nem vilã nem heroína, a cereja do bolo do roteiro de Kalogridis. Mistérios como a insinuação de que sua fuga tem se dado com a ajuda de outros prisioneiros e dos guardas, fazem com que a audiência não perca Mortimer e Clarkson de vista. O mesmo pode-se afirmar quanto à Dolores de Michelle Williams, a esposa com quem Daniels já não vive há algum tempo.

Scorsese deixa o filme à deriva sobre um charco de imprecisões, até que se desvenda porque Rachel é tão plena de enigmas. Boa parte das ambiguidades de “Ilha do Medo” cede aí; a outra é equacionada quando Scorsese se vale de um lance inesperado, atribuindo a Kingsley dispor numa lousa alguns nomes expostos durante a história e começar compor os anagramas que levam à conclusão fatal sobre quem são Daniels, Aulen, Rachel e Dolores, personagens de um delírio que se fundiu com a realidade de modo quase indelével, verossimilhante, mas diabolicamente falso.


filme: Ilha do Medo
Direção: Martin Scorsese
ano: 2010
gêneros: Thriller/Mistério/Drama
Nota: 9/10

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