Os Estados Unidos, sob a liderança do presidente Donald Trump, deram um novo passo em sua campanha contra a ditadura de Nicolás Maduro nesta semana, com o anúncio de que a Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), responsável por operações no exterior, está autorizada uma ação dentro da Venezuela.
Após o New York Times revelar que a Casa Branca havia planos planejados de ações secretas de inteligência americana, o presidente Trump confirmou a iniciativa e disse que os Estados Unidos estavam considerando ataques “em terra” no território venezuelano.
Qualquer ação na Venezuela seria considerada uma escalada significativa na pressão exercida por Washington nos últimos meses. A entrada da CIA nessa campanha sinaliza que Trump está disposto a ir mais longe em seus objetivos de interrupção das ameaças do narcotráfico e da imigração ilegal venezuelana nos Estados Unidos. Mas, principalmente, derrubará o regime ilegítimo de Nicolás Maduro.
Questionado na Casa Branca se a CIA teria autoridade para tirar o chavista do Palácio Miraflores (sede administrativa da Venezuela), Trump considerou a pergunta “ridícula”, mas acrescentou: “Acho que estão sentindo a pressão”.
As autoridades americanas deixaram claro, de forma anônima a jornais americanos, que o propósito final do presidente é derrubar o ditador, considerado pelo governo republicano um governante “ilegítimo” e um “narcoterrorista”.
O governo Trump acusou Maduro e altos funcionários de seu regime, liderados pelo Cartel de Los Soles, de atuarem no tráfico de drogas. O grupo criminoso tem vínculos com a gangue venezuelana Trem de Aragua, que ampliou suas atividades na América Latina e também ficou conhecido nos últimos anos pela presença nos Estados Unidos.
De acordo com o New York Times, essa nova autoridade concedida à CIA permitirá ações secretas “letais” na Venezuela contra Maduro e o chavismo, unilateralmente ou em conjunto com uma operação militar maior. Ainda assim, outras partes do Caribe podem ser afetadas por essas atividades proporcionais ao governo americano.
O coronel da reserva e analista militar Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, colunista da Gazeta do Povoavaliando que os Estados Unidos podem cometer ataques pontuais a alvos específicos no território venezuelano.
“Isso pode acontecer por meio de um ataque usando mísseis ou drones”, semelhante às operações militares nas águas do Mar do Caribe próximo da Venezuela contra barcos de narcotraficantes, ou “por uma ação de um grupo menor, de forças especiais que entram e saem rapidamente do território, um exemplo do que foi feito no Paquistão contra Osama Bin Laden”, explicou.
Paulo Filho ressaltou que não acredita em uma ação com grande volume de tropas dentro do país sul-americano. Segundo o analista, “isso iria contra as promessas de campanha do presidente Trump, de não colocar os Estados Unidos em novas guerras”.
Já Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais, acredita que um conflito entre Estados Unidos e Venezuela é possível, mas sem envolver uma invasão terrestre. “Isso poderia acontecer por meio de ataques aéreos, navais, destruição de bases e centros de comunicação que o governo americano considera importantes para a estrutura de defesa venezuelana”, projetou.
Para o analista político, a pressão imposta pelo governo Trump contra o regime de Maduro, por si só, visa testar a unidade do chavismo com seu líder.
“Não acredito que esses eventuais ataques resultariam, de imediato, em uma mudança de governo, mas a pressão que está sendo colocada dentro da Venezuela pode estimular membros do próprio regime a tentar se livrar de Nicolás Maduro, talvez por meio de uma revolta interna, para diminuir essa pressão americana, já que eles não querem mais viver nesse quase estado de sítio imposto pela presença americana nas imediações do país”, avaliou.
Uma fonte militar brasileira disse à Gazeta do Povo que, diferentemente do setor de inteligência do Brasil – que é mais focado na coleta e repasse de informações às autoridades -, a inteligência dos Estados Unidos tem uma atuação mais ativa, como é o caso da CIA, responsável pelas atividades fora do país.
“A CIA, da mesma forma que as Forças Armadas americanas, demonstram força o tempo todo, seja com diplomacia de bastidores ou de forma muito direta. O que o presidente Trump fez foi autorizar ações cinéticas – de combate físico e direto”, afirmou.
Segundo o militar, isso pode envolver desde sequestros até eventuais eliminações de ameaças em um país estrangeiro.
“É bem provável que a inteligência dos Estados Unidos já tenha informações como localização, entrega, relações próximas e possíveis alternativas de fuga de Maduro. Quando as ações entram em uma fase mais ativa, muitas coisas podem acontecer como, por por exemplo, alguém dentro do próprio regime traí-lo, há essa chance, como existe um valor muito alto de recompensa por sua captura [US$ 50 milhões]. Todas essas informações vão para a CIA, eles contam muito com essa possibilidade hoje”, destacou.
Os militares avaliam que, atualmente, o foco do governo Trump está exercendo pressão por meio da demonstração de força.
“Os Estados Unidos têm bases muito próximas da Venezuela, é muito mais fácil para o país deslocar navios no Caribe do que não é Índico, por exemplo, há uma frota militar muito grande na região. Então, o que eles estão fazendo, no momento, é uma clara demonstração de força que, em última instância, caso não haja um conflito, pelo menos permitiriam às tropas um treinamento, o que acontece com bastante frequência”, afirmou.
As declarações militares que uma possível operação da CIA dentro da Venezuela poderiam envolver até a remoção de Maduro do país, com sua posterior transferência para os Estados Unidos, onde ele enfrentaria a Justiça.
“Vejo duas ações agora: a primeira está relacionada à grande demonstração de força militar, que tem como uma das finalidades secundárias gerar algum pânico interno na Venezuela. Em segundo lugar, há a possibilidade de uma ação subterrânea, de mais ênfase por por parte da CIA, que pode resultar na apreensão de Maduro”, avaliou a fonte.
Eventual ataque dos EUA na Venezuela pode gerar efeitos na América Latina, inclusive no Brasil
As ações dos Estados Unidos na Venezuela podem provocar efeitos ainda não somente em Caracas, mas em toda a América Latina. O analista militar Paulo Filho cita dois possíveis impactos.
“Primeiro, um dos efeitos para a região seria necessário lidar com uma eventual instabilidade resultante da ação americana. Países vizinhos seriam afetados não que se referissem ao fluxo de migrantes e refugiados, por exemplo”, disse o colunista.
“Em segundo lugar, um plano mais amplo [dos Estados Unidos]como uma ação militar direta na América Latina, reacenderá temores nacionalistas e fortalecerá uma retórica antiamericana, que será explorada politicamente”, pontual.
Lucena, por sua vez, destacou que essa tensão crescente entre os Estados Unidos e a Venezuela pode gerar novos desdobramentos para a região, inclusive para o Brasil.
“Uma Guiana [com quem a Venezuela trava uma disputa pelo território do Essequibo] poderia ser atacada como uma espécie de represália. Nesse caso, os Estados Unidos provavelmente reagiriam com mais força, inclusive defendendo o próprio Brasil, que, aliás, terá que se posicionar diante de um eventual conflito desse tipo: se vai defender a Venezuela e o regime considerado narcoterrorista pela visão americana, se vai optar pelo apoio aos Estados Unidos ou se vai permanecer neutro”, analisou Lucena.
O analista destacou que, se o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optar por apoiar Caracas, isso pode ser visto como uma provocação direta a Washington e pode atrapalhar as negociações em andamento com a Casa Branca para reverter o tarifaço, simultaneamente orientados pelo secretário de Estado Americano, Marco Rubio.
Na quarta-feira, três bombardeiros B-52 da Força Aérea americana foram vistos sobrevoando uma área muito próxima da Venezuela, o que elevou o alerta dentro do próprio regime de Maduro, que se manifestou sobre uma ameaça.
“Observamos com extremo alerta o uso da CIA, assim como os deslocamentos militares anunciados no Caribe, que configuram uma política de agressão, ameaça e assédio contra a Venezuela”, disse a ditadura chavista em um comunicado.
No início do ano, os Estados Unidos designaram cartéis de drogas da América Latina como organizações terroristas, o que justificou ações militares no Caribe a partir de agosto.
O Comando Sul dos EUA bombardeou pelo menos cinco embarcações experimentadas originárias da Venezuela com drogas a caminho dos Estados Unidos nos últimos dois meses. Atualmente, esses ataques permanecem em águas internacionais, mas estão cada vez mais próximos da Venezuela.
Em agosto, os Estados Unidos dobraram o valor da recompensa por informações que levaram à captura de Maduro, decisão que foi seguida recentemente por uma ordem do próprio Trump para encerrar qualquer diálogo diplomático com o chavismo, visto que estava cada vez mais frustrado com essas negociações, que não levaram à renúncia do ditador.
O diretor da CIA, John Ratcliffe, já vinha colaborando com Rubio e assessores do governo republicano, em um plano para impulsionar o chavista para deixar o poder na Venezuela.
Uma reportagem do New York Times, publicada em setembro, revelou que Rubio estava elaborando uma estratégia mais agressiva, utilizando informações fornecidas pela CIA, contra suspeitos de tráfico de drogas na Venezuela, incluindo o ditador.
O secretário de Trump descreveu recentemente Maduro como um “foragido da Justiça americana” e chefe de “uma organização terrorista e de crime organizado que tomou conta de um país”.
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