Nesta quinta-feira (22), o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela, aparelhado pelo chavismo, não só ratificou a “vitória” do ditador Nicolás Maduro na eleição presidencial de 28 de julho, numa decisão que já havia adiantado que seria “irrecorrível”.
Também é que a Procuradoria-Geral venezuelana investigou a oposição pela divulgação de cópias das atas de votação, disponibilizadas num site e que comprovaram a vitória do seu candidato, Edmundo González.
Essa ordem parece ser uma senha para que sejam presos e processados González e a líder da oposição da Venezuela, María Corina Machado.
Na decisão tomada nesta quinta-feira, a presidente do TSJ e da Sala Eleitoral do tribunal, a chavista Caryslia Beatriz Rodríguez, investigada à Procuradoria-Geral da República, “face à ansiedade causada na população”, para que investigue os supostos crimes de usurpação de funções, instigação à desobediência às leis, crimes informáticos, associação para cometer crime e falsificação de documentos devido à divulgação das atas realizadas pela oposição no seu site.
Em 5 de agosto, o procurador-geral, o chavista Tarek William Saab, havia anunciado a abertura de uma investigação criminal contra González e Machado pela divulgação de uma carta que, segundo o Ministério Público, anunciava “falsamente um vencedor”. [González] das eleições presidenciais diferentes do proclamado pelo Conselho Nacional Eleitoral [CNE]único órgão habilitado para tal”, e “faz um incitamento aberto aos funcionários policiais e militares para desobedecerem às leis” – no caso, um pedido para que parassem a repressão violenta aos protestos contestando a fraude eleitoral.
Dois dias depois, a Saab anunciou outra investigação contra os oposicionistas, desta vez devido ao site em que foram disponibilizadas cópias das atas de votação – justamente o que foi ordenado por Rodríguez nesta quinta-feira.
Logo após o anúncio do TSJ, Saab disse que tais investigações serão intensificadas. “O cumprimento [da decisão do Supremo da Venezuela] é obrigatório em todas as suas partes, [ela] valida os resultados eleitorais emitidos pelo único poder eleitoral existente no país, que é o Conselho Nacional Eleitoral”, disse o procurador, segunda informações do site Efecto Cocuyo.
“Usurpação de funções, crimes eleitorais, conspiração entre terceiros, provocados por aqueles que, além de ignorarem a autoridade legitimamente contida para divulgar os resultados, que é o CNE, obteve a questão eleitoral para escalar [a tensão na sociedade venezuelana] em ações violentas, nenhuma delas de natureza importadora, que no momento adequado denunciamos, processamos, ajuizamos e que estão em pleno processo”, afirmou Saab.
Antes, o procurador-geral havia falado que nenhuma das 25 mortes ocorridas em protestos pós-eleição na Venezuela pode ser atribuída às forças de segurança, o que implica que haja responsabilização criminal da oposição. Também disse que Machado é uma “autora moral” dessa violência e que ela deve ser denunciada “a qualquer momento”.
O próprio Maduro sinalizou várias vezes que os próximos passos deverão ser os das prisões de Machado e González. Três dias após a eleição, ele afirmou que ambos deveriam estar “atrás das notas”.
Depois, disse que o líder da oposição é uma “foragida da Justiça” e deveria se entregar. Por fim, no início desta semana, o ditador afirmou que González está “foragido da Justiça” desde 3 de agosto, embora não se saiba por enquanto de nenhum pedido ou mandado de prisão contra ele ou Machado.
Nas notas no X, partidos que integram a Plataforma Unitária Democrática (PUD), coalizão de González e Machado, denunciaram que a decisão do TSJ indicava aumento da perseguição contra os dois oposicionistas.
“Além de tentar ratificar a fraude eleitoral dantesca, o TSJ continua a operar como um braço opressivo do regime e patrocinar a perseguição política contra as forças democráticas. Com este pronunciamento, é clara a intenção de aumentar o assédio contra Edmundo González e a liderança política da coalizão”, afirmou o partido Encontro Cidadão.
“Alertamos a comunidade internacional que este documento aumenta a repressão e a perseguição contra líderes das forças democráticas, incluindo o nosso presidente eleito Edmundo González”, denunciou o Vontade Popular.
Caminhos incertos para a Venezuela
“A perseguição pode se intensificar, porque há precedentes, líderes da oposição já foram perseguidos e presos em outras oportunidades, Henrique Capriles, a própria María Corina Machado, que queria ser candidata e foi impedida. Com a declaração jurídica de Maduro no poder, pode ser que isso aconteça”, disse Ricardo Bruno Boff, professor de relações internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em entrevista à Gazeta do Povo.
“É um governo autoritário, que está ali por eleições visivelmente fraudulentas e que já procurou fazer todo o possível para impedir a participação de candidatos da oposição”, acrescentou.
Boff apontou que, com o caminho institucional (corroído pelo chavismo) chegando ao fim com uma decisão final da instância máxima do Judiciário venezuelano, internamente, a única alternativa que resta à Venezuela são protestos e levantes contra a ditadura chavista, que poderiam ter um custo alto, vide a fidelidade das forças de segurança a Maduro e sua truculência.
No plano externo, as possibilidades também são reduzidas, porque o aprofundamento do isolamento da Venezuela nos últimos anos não foi suficiente para derrubar Maduro.
“Eu acho que a comunidade internacional precisa pressionar, não considerar a vitória de Maduro, mas não pode cortar o diálogo. O que a gente precisa lembrar é que o mundo mudou e as avaliações não funcionam, elas não derrubaram o governo. Isso não aconteceu no Irã, na Coreia do Norte, na Venezuela. O povo sofre e os governantes têm à disposição uma narrativa de que seus países são perseguidos. E, hoje se um país está isolado de um lado, acha possibilidades em outro”, disse, citando o apoio de outras ditaduras (como, Rússia e Irã) ao regime chavista.
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