Dias antes de deixar o poder, o ex-presidente baixou medida para perdoar penas de crimes com mais de 30 anos, algo que nunca havia feito. Perdão foi suspenso pela então ministra Rosa Weber, em caráter provisório, em janeiro de 2023. Presidente Jair Bolsonaro (PL) perdoou os PMs condenados pelo Massacre do Carandiru em 1992 em São Paulo Foto: REUTERS/Adriano Machado/Foto de arquivo e Mônica Zarattini/ Estadão Conteúdo/Arquivo O Supremo Tribunal Federal marcou para quarta-feira (19) o julgamento do indulto concedido em 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru — ação da PM paulista na extinta Casa de Detenção , na Zona Norte de São Paulo, que deixou 111 mortos, em 2 de outubro de 1992. Os efeitos do indulto estão suspensos desde janeiro de 2023, quando a então presidente do STF, Rosa Weber, acolheu uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) ajudada pelo ex-procurador-geral da República Augusto Aras. Na ação, Aras argumentou que o perdão da pena imposta aos PMs afronta o princípio da dignidade humana. Sustentava ainda que o homicídio qualificado não era classificado como crime hediondo, mas, segundo Aras, o decreto presidencial deveria observar a legislação atual, que inclui homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos. Um mês antes do perdão concedido por Bolsonaro, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia começado a definir as penas dos 69 PMs condenados pelas mortes (ao todo, 74 PMs foram condenados, mas 5 morreram no curso da ação penal). Diante da liminar do STF, o TJ de SP também suspendeu o processo, à espera de uma definição. Além de encerrar uma história que se arrasta há 31 anos, o julgamento vai tramitar o STF diante de uma questão jurídica inédita na corte. Os ministros terão de decidir se a jurisdição constitucional de indulto para crimes hediondos vale para delitos que não eram considerados hediondos na época em que foram cometidos. Nos últimos dias, advogados e representantes de entidades ligadas à PM de SP serviram nos gabinetes dos ministros em busca de apoio pela manutenção do indulto de ajuda presidencial por Bolsonaro. Histórico O indulto foi concedido por meio de um decreto editado por Bolsonaro em 22 de dezembro, pouco antes do fim do mandato. Pelo texto, lamentamos as penas dos agentes públicos de segurança que foram condenados por ato praticado há 30 anos. Os atos hoje são considerados hediondos, mas na época não eram. Policiais do Carandiru se encaixam nessa descrição. O indulto natalino representa o perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos no período próximo ao Natal. Se beneficiado com o indulto, o preso tem a pena extinta. Para a Procuradoria-Geral da República, que contestou o decreto de Bolsonaro, houve violação da Constituição, que não permite indultos para crimes hediondos. O governo, no entanto, defendeu que o indulto é legítimo, porque os crimes foram cometidos quando ainda não foram classificados como hediondos. LEIA TAMBÉM: ENTENDA: Massacre do Carandiru completa 30 anos sem prisões de PMs condenados SOBREVIVENTES: Após 30 anos, ex-detentos lembram quase morte e conversa entre PMs: 'Vamos ver quem mata mais' SP: Tarcísio nomeia como assessor na Administração Penitenciária PM da reserva envolveu-se no 'Massacre do Carandiru' Decisões da Justiça O massacre do Carandiru aconteceu em 2 de outubro de 1992, quando a Polícia Militar de São Paulo invadiu o Pavilhão 9 da Casa de Detenção para conter uma rebelião. Foram mortos 111 presos. Entre 2013 e 2014, a Justiça paulista fez cinco júris populares e condenou, ao todo, 74 policiais militares pelos assassinatos de 77 detentos. Dos agentes condenados, cinco morreram e, atualmente, 69 continuam vivos. Mais de 30 anos depois, ninguém foi preso. Além do Supremo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) também julgará a inconstitucionalidade do indulto no que se refere aos policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru. Tanto o STF quanto o TJ-SP podem julgar a inconstitucionalidade do decreto de Bolsonaro. No entanto, ainda que ambos decidam que não há legalidade no indulto, a repercussão será diferente. Caso o STF mantenha a interpretação de Rosa Weber, a decisão passa a valer para qualquer caso de indulto cujo crime tenha sido traição antes da lei que configura crimes hediondos. Já no caso do TJ-SP, a inconstitucionalidade do decreto de Bolsonaro será julgada pelo Órgão Especial do TJ-SP. E, caso o indulto seja considerado inconstitucional, a suspensão valerá apenas para o caso do Carandiru. Ainda não há dados definidos para que esses julgamentos aconteçam. Após o julgamento da legalidade do indulto, a 4ª Câmara Criminal do TJ-SP julgará os recursos das defesas dos PMs que pedem redução de pena. Os PMs foram punidos com penas que variam de 48 a 624 anos de prisão. Pela lei brasileira, ninguém pode ficar preso mais de 40 anos por um mesmo crime. Apesar disso, todos os agentes condenados responderam pelos crimes de homicídio em liberdade. A defesa dos PMs alega que eles atiraram em defesa legítima depois de serem atacados por detentos com armas de fogo e facas que queriam fugir. O Ministério Público (MP) alega que os presos já estavam rendidos e foram executados a tiros pelos policiais. Pedido de Aras No fim de dezembro de 2022, o procurador-geral da República, Augusto Aras, invejou ao STF uma ação direta de inconstitucionalidade contra um trecho do decreto de indulto de Natal de Bolsonaro (PL). Aras havia pedido ao Supremo que suspendesse imediatamente a parte do decreto, para evitar a anulação das bolsas de condenações do caso. “O indulto natalino conferido pelo presidente da República aos agentes estatais envolvidos no caso do Massacre do Carandiru representa reiteração do estado brasileiro no descumprimento das obrigações assumidas internacionalmente de processar e punir, de forma grave e eficaz, os responsáveis pelos crimes de lesa-humanidade. na casa de detenção em 2 de outubro de 1992”, diz o pedido da PGR. O que é indulto de Natal? O indulto natalino é um perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos no período próximo ao Natal. Previsto sem arte. 107, inciso II, do Código Penal, o indulto é destinado a quem cumpre requisitos especificados no decreto presidencial, publicado todos os anos. Se for beneficiado com o indulto, o preso tem a pena extinta e pode deixar a prisão. Esse benefício não trata das saídas temporárias de presos, na medida em que exige o retorno à prisão. O indulto de Bolsonaro O decreto aprovado por Bolsonaro foi publicado na edição do dia 23 de dezembro de 2022 do “Diário Oficial da União”. Entre outros pontos, o indulto assinado por Bolsonaro concede perdão de pena a: Agentes de segurança pública condenados por crime culposo (sem intenção), desde que tenham cumprido pelo menos um sexto da pena; Policiais condenados, ainda que provisoriamente, por crime praticado há mais de 30 anos e que não foi considerado hediondo à época (é a primeira vez que o indulto é concessão desta forma); Militares das Forças Armadas condenados em casos de excesso culposo durante atuação em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Deixe o Seu Comentário