Relatório divulgado pelo órgão de controle analisou quase 11 mil contratos entre 2017 e 2022. Documento traz recomendações para mudanças em regras e fiscalização. Uma auditoria em transferências de recursos federais para as chamadas Organizações da Sociedade Civil (OSC) encontrou dezenas de milhões de reais em parcerias feitas com organizações dirigidas por pais de parlamentares e funcionários do governo federal, além de compromissos de direcionamento na contratação de fornecedores e de fornecedores pessoal. O relatório, tornado público pela Controladoria-Geral da União (CGU) desta semana, também mostra que praticamente todas as parcerias foram feitas sem apelo público, e que um terço das organizações que receberam recursos federais sequer tinham funcionários registrados à época das parcerias. Os auditores analisaram os documentos de quase 11 mil parcerias firmadas entre 2017 e 2022, envolvendo transferências de R$ 13,34 bilhões. “É certo que a maior parte das OSCs são instituições sérias e que prestam serviços relevantes à sociedade. No entanto, é necessário abordar as fragilidades existentes na legislação e aprimorar a capacidade de monitoramento e controle dos órgãos concedentes, a fim de evitar que situações de ilegalidade e imoralidade como as aqui identificadas continuam a prejudicar a confiança dessa política tão cara à sociedade brasileira”, diz o relatório. R$ 73,7 milhões para OSCs de parentes Uma das descobertas de auditorias envolvidas o envio de dinheiro para organizações dirigidas por parentes de parlamentares ou de funcionários do governo federal. Os auditores localizados que, entre 2017 e 2022, foram firmadas 130 parcerias nestas condições, que receberam juntas R$ 73,7 milhões. Destas, 23 – que somaram R$ 18,5 milhões – foram realizadas com OSCs que tinham parentes de até segundo grau de parlamentares ou funcionários públicos federais, o que é proibido por lei. “Verificaram-se fragilidades no processo de transferências que podem contribuir para essa constatação, tais como a não publicação de documentos de habilitação no Transferegov.br em alguns casos, bem como a inexistência de ferramenta tecnológica disponível aos órgãos concedentes para identificação das relações de parentesco , de tal forma que a verificação do requisito se baseia na declaração da própria entidade proponente”, diz o documento. 'Meio de obtenção de lucro' O relatório lembra que não há obrigação de licitação para contratação de fornecedores pelas OSCs, mas que “quando essas organizações estão em parceria com o poder público, elas devem observar os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade.” 🔎A Constituição Federal prevê que a atuação da administração pública deve ser impessoal e genérica, priorizando o bem coletivo, sem levar em consideração interesses pessoais ou de terceiros. Neste sentido, os auditores verificaram que em 420 parcerias houve 984 compromissos de favorecimento, sendo: 658 contratações de empresa de diretor da entidade parceira, somando R$ 36,7 milhões; 254 contratações de empresa de familiar do gestor da entidade parceira, somando R$ 30 milhões; 10 contratações de empresas de parlamentares, somando R$ 85 mil; 56 contratações de empresas de familiares de parlamentares, somando R$ 5,58 milhões; 6 contratações de empresas de familiar da autoridade concedente, somando R$ 53,1 mil. Em um dos casos identificados pelos auditores, a entidade contratou para uma obra de R$ 4,1 milhões a construtora de um dos dirigentes da OSC. Além disso, uma empresa pertencente a um dos diretores de uma entidade recebeu R$ 2,7 milhões para “assessoria em prestação de contas” de pelo menos três convênios com a mesma entidade. “Pode-se verificar que alguns instrumentos de parceria, em especial da modalidade termo de fomento, foram utilizados não para apoiar iniciativas das organizações, mas sim como meio de obtenção de lucro pela contratação de empresas de familiares ou do próprio dirigente da entidade. Esses instrumentos parcerias desvirtuam-se do fim para o que foram celebradas, e ocasionam danos à imagem da política de transferências para OSCs”, diz o relatório. O documento também faz críticas ao fato de que 96,5% das parcerias foram realizadas sem apelo público, ou seja, sem a possibilidade de que outras entidades possam disputar os recursos para realizar as ações. O procedimento não é obrigatório para todos os tipos de contratos firmados nestas situações, mas os auditores lembram que “o chamado público contribui para a escolha da organização mais capacitada para a execução do objeto, bem como para que sejam transmitidos os princípios da impessoalidade, da moralidade e da economicidade.” Prefeitura suspende fiscalização de Organizações Sociais que administram equipamentos de saúde e reduz metas de atendimento Um terço sem funcionários e contratação de parentes A CGU acordos que pouco mais de um terço, ou 35,7%, das entidades não possuídas nenhum funcionário registrado à época das parcerias. No mesmo período, estas 1.139 entidades receberam R$ 900,3 milhões em recursos federais. Em um dos casos destacados no relatório, uma organização social firmou 16 parcerias no período específico, mas não teve nenhum funcionário neste período. Segundo a CGU, em geral estes casos envolvem contratações de funcionários temporários e bolsistas ou subcontratações – que são irregulares em alguns tipos específicos de parcerias. “Isso demonstra que, em alguns casos, as organizações não são escolhidas propriamente pela sua capacidade de executar o objeto, mas conseguem reunir os meios para essa execução”, diz o documento. Outro problema encontrado por auditorias envolvendo funcionários é a contratação de parentes de dirigentes de entidades próprias ou, novamente, de parlamentares. A CGU lembra que as OSCs têm autonomia para escolha de seus funcionários, mas “para envolver recursos públicos, a composição dessas equipes deve observar os princípios de publicidade e especialmente da impessoalidade”. Como consequência disso, em parcerias que envolvem contratos de repasse e os chamados contratos de repasse, a seleção de funcionários inclui processo seletivo que atende a regras mínimas de publicidade e impessoalidade. Os auditores encontraram, no entanto, 36 contratações de parentes em diferentes graus de parlamentares federais e, principalmente, 1.140 contratações dos próprios dirigentes das OSCs. Estes últimos casos envolveram os pagamentos de R$ 32,4 milhões para gestores das entidades e, em 73% destes casos, não houve processo seletivo ou sequer registro de outros candidatos para as vagas. A CGU alertou para o facto de que este tipo de problema aumentou ao longo dos anos – se 159 dos casos ocorreram em 2017, em 2021 chegaram aa 316. “A ocorrência desse tipo de pagamento no âmbito de uma parceria tem potencial para aumentar o seu risco, exigindo um monitoramento critério por parte do gestor público concedente”, diz o texto. Falta de avaliação Além dos problemas na realização das parcerias e contratações das entidades, a CGU acordos também falha na avaliação dos programas realizados pelas organizações sociais. Os auditores analisaram uma amostra das parcerias para verificar a existência de documentos básicos sobre o cumprimento dos contratos e o alcance dos objetivos das parcerias. Resultado: em todos os casos foi identificada alguma falha nos documentos previstos na lei. Dos 48 contratos, 32 não tinham o chamado relatório de acompanhamento e fiscalização. Já 44 não tinha a chamada pesquisa de satisfação – realizada com os beneficiários dos programas; E 43 não tinha qualquer comprovação de realização de visitas ao local das ações pelos fiscais para acompanhamento dos trabalhos. Recomendações As descobertas levaram a CGU a fazer diversas recomendações ao governo federal no tema. Uma delas é a integração dos sistemas de governo usados pela própria CGU para identificar os problemas, por exemplo, de modo a evitar contratações irregulares. Os auditores também recomendaram que o governo reavaliasse as normas sobre o uso de chamadas públicas e regras incluindo mais específicas sobre a “qualificação técnica e a capacidade operacional das organizações” com as quais sejam firmadas como parcerias. “Espera-se que, por meio do atendimento dessas recomendações, haja o aprimoramento da política de transferência de recursos públicos para as entidades privadas sem fins lucrativos, tornando-a mais transparente e alinhada aos interesses da sociedade”, conclui a CGU.
Deixe o Seu Comentário