Após anos de excessos e rostos padronizados por filtros de redes sociais, o mercado de estética vive um “efeito pêndulo”. A nova ordem é dissolver, reverter e resgatar a identidade perdida.
Há cerca de cinco anos, o mercado de estética brasileiro foi inundado por uma promessa sedutora: a de que qualquer rosto poderia ser “harmonizado”. Impulsionada por celebridades, influenciadores e a onipresença dos filtros do Instagram, a harmonização facial com preenchedores de ácido hialurônico tornou-se o procedimento da vez. Consultórios viraram linhas de produção, prometendo mandíbulas marcadas, maçãs do rosto proeminentes e lábios volumosos em questão de minutos.
O resultado, no entanto, não foi uma legião de pessoas mais belas, mas sim uma geração de rostos estranhamente semelhantes. Em 2025, a conta desse excesso chegou. Estamos assistindo ao que especialistas já chamam de “O Grande Arrependimento” ou, ironicamente, a era da “desarmonização facial”, ou como muitos qualificam, “demonização facial”.
A tendência atual não é mais aplicar, mas remover. A busca pela hialuronidase, a enzima utilizada para dissolver preenchedores antigos disparou. Pacientes que antes pediam “o rosto da moda” agora chegam aos consultórios com um pedido muito mais complexo: “Doutor, eu quero o meu rosto de volta”.
A Fadiga da “Pillow Face” e a Perda da Identidade
O que deu errado no boom da harmonização? Para muitos profissionais sérios do setor, o problema nunca foi a técnica, mas a banalização do diagnóstico e a perda do limite ético.
O mercado vendeu a ideia errônea de que volume é sinônimo de rejuvenescimento. O excesso de produto aplicado repetidamente, sem respeitar a anatomia individual, resultou na temida “pillow face” (cara de travesseiro): rostos inchados, com aspecto de massa de modelar, onde os olhos parecem menores e as expressões naturais se perdem.
A busca por um padrão inatingível de rede social fez com que características étnicas e familiares fossem apagadas em prol de um modelo caucasiano genérico de beleza. A harmonização, paradoxalmente, desarmonizou a relação das pessoas com seus próprios espelhos.
O Efeito Pêndulo e o Retorno à Naturalidade
Culturalmente, vivemos um “efeito pêndulo”. Após atingirmos o ápice do artificialismo, o movimento natural de contração é o retorno à naturalidade extrema.
Celebridades internacionais e nacionais começaram a falar abertamente sobre a remoção de seus preenchimentos, admitindo que “perderam a mão” e que não se reconheciam mais. Esse movimento de transparência validou o sentimento de milhares de pacientes anônimos que sentiam o mesmo desconforto, mas não sabiam que a reversão era possível ou desejável.
O “quiet luxury” (luxo silencioso), tendência na moda que preza pela discrição e qualidade, chegou à dermatologia e à cirurgia plástica. A nova sofisticação não é exibir um procedimento óbvio, mas ostentar uma pele bem cuidada e traços preservados, onde é impossível dizer se houve ou não intervenção médica.
A Visão do Especialista: “A Ética Sempre Foi o Caminho”
Para médicos que sempre mantiveram uma postura conservadora e ética, esse movimento de reversão não é uma surpresa, mas uma consequência esperada.
O cirurgião plástico Dr. Mastrandonakis, com três décadas de experiência, sempre foi uma voz dissonante no auge da euforia dos preenchedores. “Eu sempre disse aos meus pacientes: o melhor procedimento é aquele que ninguém nota quando você entra numa sala. Se todo mundo percebeu de longe que você ‘fez algo’, então já passou do ponto”, analisa o médico.
Para Mastrandonakis, a medicina estética não deve ser sobre transformação radical, mas sobre gerenciamento do envelhecimento e preservação da identidade. “Nós não somos escultores trabalhando com argila. Estamos lidando com tecidos vivos, com a autoestima e a identidade de uma pessoa. A anatomia humana tem limites que, quando ultrapassados, cobram um preço alto na aparência”, alerta.
O médico vê com bons olhos o movimento atual de “desarmonização”, pois ele traz de volta a necessidade do diagnóstico médico preciso, algo que se perdeu na banalização dos procedimentos.
O Futuro da Estética
O fim da era dos excessos não significa o fim dos procedimentos. Pelo contrário, o mercado amadurece. O foco sai da volumização desenfreada e se volta para a qualidade da pele e a regeneração.
Tecnologias que estimulam o colágeno do próprio paciente (bioestimuladores), lasers de última geração e cirurgias focadas em reposicionar tecidos (como o deep plane facelift) ganham espaço. O objetivo agora é tratar a estrutura e a superfície, em vez de apenas “encher” o rosto.
A lição que fica da era da harmonização padronizada é clara: a verdadeira beleza individual é um artigo de luxo que não pode ser fabricado em série. O futuro da estética pertence a quem tiver a sabedoria de saber a hora exata de parar.










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