Os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ampliaram nas últimas semanas o debate interno sobre a possibilidade de um confronto indireto e prolongado com a Rússia, centrado no uso de instrumentos de guerra híbrida, como ciberataques, operações de informação, sabotagem e influência econômica, em meio ao avanço das negociações provocadas pela guerra na Ucrânia e por ações russas em território e no entorno de países aliados.
O almirante italiano Giuseppe Cavo Dragone, presidente do Comitê Militar da Otan, afirmou em entrevista ao jornal Tempos Financeiros que a aliança analisa neste momento adotar uma postura mais “proativa” no campo da cibersegurança, inclusive avaliando ações preventivas contra Moscou. Embora tenha ressaltado que esse tipo de ofensiva estaria distante do “modo normal de agir” da Otan, Dragone indicou que o conceito de defesa pode incluir respostas antecipadas diante de ameaças persistentes.
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do regime da Rússia, Maria Zakharova, classificou as declarações de Dragone como “um passo extremamente irresponsável” e afirmou que elas indicam a disposição da aliança de avanço rumo a uma escalada. Segundo ela, esse tipo de discurso meus esforços diplomáticos para reduzir o conflito na Ucrânia, em referência às negociações de cessar-fogo discutidas nos últimos meses.
O debate sobre a guerra híbrida ocorre em um contexto mais amplo de alertas dentro da própria Otan. O secretário-geral da aliança, Mark Rutte, afirmou recentemente que a Rússia pode estar em condições de atacar um país membro nos próximos cinco anos, citando o aumento da produção militar russa e a intensificação de operações encobertas contra as sociedades ocidentais.
“A Rússia já está escalando sua campanha secreta contra nossas sociedades”, disse Rutte em discurso na Alemanha, ao defensor do maior preparo militar e industrial da Europa.
Os analistas europeus apontam que o foco da discussão em curso na aliança não é uma guerra convencional imediata, mas sim o enfrentamento contínuo na chamada “zona cinzenta” das tensões. Análise feita pelo think tank europeu Center for European Policy Analysis (CEPA) descreveu a guerra híbrida como um “elemento permanente da estratégia russa”, baseada em práticas herdadas da era soviética e potencializadas por tecnologias como inteligência artificial, ciberoperações e manipulação de informações.
Em outra análise, o think tank Atlantic Council afirmou que a Rússia mudou regiões estratégicas, como o Mar Negro, em um laboratório de “guerra híbrida” e tem recorrido a visibilidade de espaço aéreo, sabotagem de infraestrutura, coerção marítima, ataques cibernéticos e campanhas de desinformação para desestabilizar países da Otan e seus parceiros.
Segundo o CEPA, medidas defensivas isoladas da Otan, como proteção de infraestrutura crítica e reforço da cibersegurança, protegem os danos, mas não são suficientes para dissuadir Moscou. O centro defende que a aliança militar ocidental e a União Europeia passem a impor custos claros e coordenados à Rússia, por meio de sanções direcionadas, expulsões diplomáticas, ações legais e respostas cibernéticas, de forma a tornar a interferência híbrida “um mau negócio” para o Kremlin.
Apesar da análise, autoridades da Otan reiteram que não buscam neste momento um confronto direto com a Rússia. O discurso predominante entre os países da aliança é o de dissuasão e defesa coletiva, sustentado pelos gastos militares, pela integração entre capacidades da Otan e da União Europeia e pelo apoio contínuo à Ucrânia como elemento central da segurança europeia.
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