Um dos assuntos que mais mexeu com a eleição no Chile foi a insegurança pública, que envolve a expansão do Trem do Aragua, facção criminosa venezuelana que se tornou uma das organizações transnacionais mais ativas do hemisfério. Segundo relatório da organização InSight Crime, publicado em 2023, o grupo deixou de ser uma gangue restrita à famosa prisão de Tocorón, na Venezuela, para se espalhar pela América do Sul durante uma crise migratória provocada pelo regime do ditador Nicolás Maduro.
O governo dos Estados Unidos vincula o Trem de Aragua ao Cartel de los Soles, organização criminosa formada por militares e autoridades venezuelanas homologadas ao regime de Maduro. Em 2023, a ditadura afirmou ter realizado uma operação na prisão de Tocorón para desarticular a facção, mas, segundo a InSight Crime, a intervenção acabou produzindo o efeito contrário: descentralizou a estrutura do grupo, ampliou a autonomia das células no exterior e permitiu que elas passassem a se financiar localmente e enviar recursos para líderes que fugissem da Venezuela.
Atualmente, conforme investigações policiais, documentos judiciais, organismos internacionais e o relatório da InSight Crime, o Trem de Aragua mantém atualmente operações ou células em países como Chile, Brasil, Peru, Colômbia, Equador, Bolívia, Panamá, México, além de presença em cidades dos Estados Unidos e na Espanha, onde recentemente foi desmantelada uma rede criminosa do grupo venezuelano.
Segundo relatório da InSight Crime, o Chile é hoje o país onde o Trem de Aragua alcançou o maior grau de consolidação fora da Venezuela. Conforme o documento, as células da facção criminosa entraram no país por meio de cidades fronteiriças como Arica e Tarapacá e, posteriormente, avançaram para a capital Santiago e a cidade de Concepción, combinando sequestros, extorsão, tráfico sexual, tráfico de drogas, homicídios e lavagem de dinheiro. A facção também passou a influenciar o sistema prisional chileno, repetindo padrões observados em Tocorón.
A violência relacionada ao Trem de Aragua chegou ao centro do debate político após o assassinato do militar venezuelano refugiado Ronald Ojeda Moreno, que foi sequestrado e morto em Santiago no ano passado. Segundo revelou no começo deste ano o procurador-geral chileno, Ángel Valencia Vásquez, uma testemunha designada Diosdado Cabello, número dois do chavismo, como o mandante e financiador da execução. A investigação, com base em relatos de testemunhas, indica que membros do Trem de Aragua participaram diretamente da operação no comando de Maduro.
A InSight Crime descreve que a facção completou no Chile como três etapas de expansão: exploração de rotas migratórias e áreas vulneráveis; penetração, com uso de extrema violência; transferência, com redes de lavagem, corrupção e cooptação de crimes locais.
Brasil: atuação fragmentada, mas com alerta oficial e ligação com o PCC
No Brasil, a atuação da facção venezuelana segue um padrão distinto, porém crescente. Relatórios da polícia federal indicaram que células do grupo criminoso já estão presentes em estados como Roraima, Amazonas, São Paulo e Rio de Janeiro, explorando principalmente a comunidade venezuelana com extorsão, cobrança de pedágio, exploração sexual, tráfico de pessoas e de drogas.
A presença da facção no sistema prisional brasileiro também já foi oficialmente reconhecida. Em entrevista à CNN Brasilem abril, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, disse que “atualmente, são mais de 80 facções criminosas presentes nos presídios, incluindo o grupo estrangeiro El Tren de Aragua, que está saindo da Venezuela e entrando por Roraima, entrando em outros presídios estaduais. Já está no Chile, o que causa grande apreensão.”
Além disso, segundo relatos de especialistas, há atualmente cooperação entre o Trem de Aragua e facções brasileiras, como o Primeiro Comando da Capital (PCC). Em entrevista à equipe da Gazeta do PovoRoberto Uchôa, membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que “o Trem de Aragua está participando com o PCC, tanto para drogas quanto para armas, principalmente em Roraima, onde há uma grande quantidade de refugiados venezuelanos. O Trem de Aragua se aproveitou disso para se expandir por toda a América do Sul, com essa diáspora venezuelana.”
Segundo o relatório da InSight Crime, o Trem de Aragua opera no Brasil por meio de células pequenas, formadas principalmente por membros ligados à diáspora venezuelana e implicações em áreas urbanas com baixa presença do Estado e pouca proteção institucional.
Equador: presença em expansão
No Equador, o Trem de Aragua está “em fase de crescimento” neste momento, principalmente em cidades como Huaquillas, Guayaquil e Quito, onde explora rotas migratórias e zonas de passagem de venezuelanos. Segundo a InSight Crime, as células equatorianas atuam na área de extorsão, tráfico de pessoas e apoio logístico para redes transnacionais. Ainda não há sinais de observações observadas no Chile ou no Peru, mas as autoridades afirmam que o grupo avançou à medida que uma crise migratória se intensifica e pressiona regiões fronteiriças.
Peru e Colômbia: centros tradicionais da facção
O Peru é outro país em que o Trem de Aragua alcançou forte presença. Segundo investigações investigadas pela InSight Crime, o grupo que controla parte do tráfico sexual em Lima pratica extorsão sistemática – a chamada vacina – e está ligado a homicídios seletivos. Desde 2022, mais de mil membros e colaboradores foram detidos em operações realizadas pelo governo peruano.
Na Colômbia, uma facção se concentra em cidades como Cúcuta, Bogotá e Arauca, onde explora rotas de migrantes e cobra pedágios ilegais em passagens clandestinas na fronteira. O avanço na Colômbia é limitado por confrontos com grupos locais como o ELN e outras dissidências das Farc, mas ainda assim o Trem de Aragua mantém atuação relevante, especialmente em extorsão, tráfico de migrantes e assassinatos por encomenda.
Estados Unidos e Europa
Nos Estados Unidos, as autoridades identificaram células dispersas do Trem de Aragua em estados como Nova York, Texas, Colorado, Flórida e Illinois, com foco em extorsão e exploração sexual de migrantes venezuelanos. As investigações federais apontam que o grupo opera de forma mais fragmentada, mas conectado a redes que se beneficiam da diáspora e da vulnerabilidade de recém-chegados.
A expansão também alcançou a Europa. Neste ano, a polícia espanhola desmantelou a primeira célula do Trem de Aragua no continente, com prisões em Barcelona, Madri e Málaga, onde o grupo atuava em tráfico sexual, extorsão e distribuição de cocaína.
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