A publicação do acórdão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (18) inaugurou a fase mais sensível do processo que pode levar Jair Bolsonaro ao cumprimento imediato da pena. O acórdão — documento que consolida o resultado do julgamento, fixa o entendimento do colegiado e formaliza os efeitos jurídicos da decisão — marca a virada processual que permitirá ao relator, ministro Alexandre de Moraes, definir onde e em quais condições Bolsonaro deverá cumprir a pena.
As alternativas incluem desde a custódia em uma penitenciária de regime fechado, como o Complexo Penitenciário da Papuda, até locais de caráter especial, como o Batalhão da Polícia Militar conhecido como “Papudinha”, ambos em Brasília, além de possibilidades como sala de Estado-Maior – espaço em unidade militar ou órgão público utilizado como alternativa às celas comuns -, dependências da Polícia Federal ou mesmo a manutenção da prisão domiciliar já em vigor.
A Papuda é o principal complexo penitenciário do Distrito Federal e abriga detentos de diferentes regimes. Suas regras seguem estritamente a Lei de Execução Penal e os protocolos internos da unidade, com controle rígido de circulação, rotina padronizada, revista obrigatória e limitações severas para acesso de visitantes — especialmente para pessoas sem vínculo familiar direto. O Complexo Penitenciário da Papuda está sob responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF).
Com relação à Papuda, senadores aliados de Jair Bolsonaro realizaram uma visita técnica ao Complexo Penitenciário para avaliar se a unidade teria condições de recebê-lo, mas concluíram que o presídio não tem estrutura adequada, especialmente por falhas no atendimento médico, superlotação e limitações de emergência. Diante dessas deficiências, o relatório preliminar da Comissão de Direitos Humanos do Senado recomendou que, no caso específico do ex-presidente, a eventual execução da pena ocorra em regime domiciliar. Leia mais sobre o relatório dos senadores abaixo.
Já a “Papudinha”, apelido do 19º Batalhão da Polícia Militar, é uma unidade militar usada historicamente para a custódia de detentos provisórios, policiais e réus que, por algum motivo, precisam ser mantidos separados da massa carcerária. Trata-se de estrutura de escala muito menor, com número reduzido de celas e regras internas próprias de unidade militar, mas ainda assim sujeita à autorização judicial. Apesar de ficar na mesma região do Complexo da Papuda, a “Papudinha” está sob a gestão da PM-DF.
Outras alternativas para o caso de Bolsonaro ter de cumprir a pena em regime fechado são a sala de Estado-Maior — espaço separado e com condições mais controladas — e a possibilidade de utilização de salas da Polícia Federal ou de instalações militares caso o relator considere necessário conciliar segurança, saúde e condições de custódia.
Enquanto isso, Bolsonaro permanece em prisão domiciliar, onde visitas de aliados político-partidários têm sido autorizadas pontualmente por Moraes. Esse contraste — entre a flexibilidade relativa da custódia em casa e a rigidez das regras impostas por unidades como a Papuda — ajuda a dimensionar o impacto que a escolha do destino terá não apenas para a rotina do ex-presidente, mas para sua articulação política e seu entorno.
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A possível ida de Jair Bolsonaro para o Complexo Penitenciário da Papuda levou um grupo de senadores aliados do ex-presidente a realizar, na segunda-feira (17), uma visita técnica às instalações do presídio. A comitiva — formada por Damares Alves (Republicanos-DF), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Izalci Lucas (PL-DF) e outros parlamentares — buscou avaliar as condições da unidade que, hoje, concentra detentos do regime fechado e provisórios do Distrito Federal.
A vistoria resultou em um relatório preliminar da Comissão, que apontou problemas estruturais e operacionais no complexo. Entre as falhas descritas estão a inexistência de atendimento médico 24 horas, a dependência de deslocamento externo para emergências e episódios de demora para prestação de socorro dentro da unidade. O levantamento também cita limitações de infraestrutura, como celas superlotadas em alguns blocos e dificuldades de circulação para internos com necessidades de saúde mais específicas.
Damares afirmou que o objetivo da inspeção foi verificar se a Papuda teria condições de receber um preso com o perfil e o estado clínico de Bolsonaro. A senadora destacou que a unidade “não oferece atendimento emergencial adequado e imediato”, ponto considerado sensível por aliados do ex-mandatário.
“É de se destacar que o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro não pode ser tratado como um preso comum e o princípio constitucional da igualdade, supostamente praticada para todos os presos, não significa que todos devam ter tratamentos iguais, mas adequadas às desigualdades que lhes são peculiares. Isso não significa a adoção de tratamento privilegiado, mas diferenciado, baseado em questões de segurança, dignidade e saúde […] O ex-Presidente da República não está sendo condenado por crime hediondo, contra a vida, contra a dignidade sexual, contra o patrimônio e não representa perigo para a sociedade”, diz um trecho do documento dos parlamentares.
O senador Izalci Lucas reforçou essas preocupações. Segundo ele, a estrutura atual da Papuda “não seria adequada para alguém com histórico de internações e acompanhamento médico frequente”, argumento que parlamentares pretendem levar ao STF ao defender alternativas de custódia para Bolsonaro. Para Izalci, antes de qualquer definição, “é preciso garantir que o Estado tenha condições reais de resguardar a integridade física de qualquer preso”, incluindo o ex-presidente.
O relatório também registrou problemas na oferta de medicamentos, apontando que detentos dependem de familiares para suprir necessidades básicas de remédios contínuos — algo considerado incompatível com o perfil de presos que demandam acompanhamento médico sistemático. A comitiva relatou ainda deficiência na equipe de enfermagem, que opera com contingente reduzido e cobertura limitada em dias e horários específicos, o que amplia a dependência do sistema externo de saúde.
Em suas conclusões, a Comissão recomendou expressamente que, no caso específico de Jair Bolsonaro, eventual execução da pena deveria ocorrer em regime domiciliar, citando “a gravidade de seu quadro de saúde amplamente noticiado e exposto nacional e internacionalmente”. Os parlamentares argumentam que, diante das limitações identificadas, a estrutura da Papuda não atenderia de forma satisfatória às necessidades médicas do ex-presidente, especialmente em situações de emergência.
Além disso, a Comissão também citou a morte do empresário Cleriston Pereira Cunha, o Clezão, no relatório para ressaltar as condições de infraestrutura na Papuda. O empresário, preso pelos atos do 8 de janeiro, morreu na Papuda, em novembro de 2023, após um mal súbito.
“A comitiva de Senadores constatou que, passados dois anos da morte do Senhor Cleriston Pereira da Cunha, o Sistema Prisional do DF continua sem condições para atender presos que necessitam de cuidados especiais de saúde, situação que representa risco real para qualquer custodiado que, eventualmente, apresente piora em seu quadro de saúde e reclame atendimento célere para salvaguarda de sua vida. O risco de morte é real e não há condições estruturais para os agentes penais prestarem o atendimento adequado. Na ocasião, foi constatado, inclusive, presos idosos com drenos e necessidades especiais, com dificuldades de cuidado e em situação de extrema vulnerabilidade”, apontaram os parlamentares no relatório.
A reportagem pediu o posicionamento da Seape-DF sobre as afirmações feitas pelos senadores sobre a Papuda e aguarda o retorno.
Regras de visitação a Bolsonaro dependem do local de cumprimento da pena
A forma como aliados políticos poderão visitar Jair Bolsonaro dependerá do local definido para o cumprimento da pena. Segundo a advogada criminalista Amanda Silva Santos, caso o ex-presidente seja enviado ao regime fechado, “as regras de visitação seguirão integralmente as normas estabelecidas pela unidade prisional, como o cadastro prévio de visitantes, o limite de pessoas autorizadas, os dias e horários específicos para as visitas, além das restrições de contato físico e dos procedimentos de revista”. Ela explica que aliados políticos não têm prerrogativa especial: são considerados visitantes sociais, submetidos ao mesmo protocolo que qualquer pessoa cadastrada.
O advogado e professor Gustavo Dandolini reforça que o direito de visita é previsto pela Lei de Execução Penal e só pode ser suspenso por decisão fundamentada do juiz. “O direito de visita reflete diretamente sobre a dignidade humana do preso, de modo que sua suspensão só poderá ser determinada por ato motivado do juiz da execução penal”, afirma.
Ele lembra que familiares, amigos e conhecidos — incluindo parlamentares e lideranças políticas — podem visitar o preso, desde que respeitadas as normas internas da unidade. “O cônjuge, os filhos, parentes e amigos podem visitar o preso, e essas visitas são reguladas pela administração penitenciária e orientadas pelo diretor da unidade”, explica.
Tanto Amanda quanto Dandolini concordam que, se Bolsonaro permanecer em prisão domiciliar, a lógica é outra: as visitas passam a depender de autorização direta do ministro Alexandre de Moraes, que pode limitar as entradas apenas a familiares e advogados ou exigir aprovação caso a caso — especialmente aliados políticos, cujo fluxo tem sido monitorado de perto pelo relator.
Prisão domiciliar é mais flexível para ex-presidente
Caso o Supremo Tribunal Federal permita que Jair Bolsonaro cumpra a pena em regime domiciliar, o cenário será bem diferente do cárcere tradicional. A prisão domiciliar não segue as rotinas rígidas das unidades prisionais. Ela depende quase inteiramente das condições fixadas pelo juiz da execução penal — no caso, o ministro Alexandre de Moraes.
O exemplo mais recente foi a autorização dada por Moraes para a visita dos governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo) e Cláudio Castro (Rio de Janeiro), além do deputado federal Guilherme Derrite (PP-SC), relator do PL Antifacção. O encontro está marcado para 10 de dezembro.
Segundo o advogado e professor Taiguara Libano, do Ibmec-RJ, a diferença entre os regimes é profunda. “É de se esperar maior flexibilidade em razão da ausência de condições pré-estabelecidas pela administração penitenciária. Obrigações típicas do cárcere — como higiene da cela, horários fixos e padrões de apresentação pessoal — não se aplicam em casa. “Na residência, ele terá total liberdade nesse sentido. A diferença é muito, muito grande”, reforça.
Apesar da flexibilidade estrutural, a supervisão judicial tende a ser intensa. Visitas, contatos, aparelhos eletrônicos e comunicações externas podem ser disciplinados diretamente por Moraes, como já ocorre na prisão domiciliar cautelar. Qualquer entrada não prevista — seja de aliados políticos, assessores ou lideranças partidárias — dependerá de autorização específica.
Essa vigilância reforçada não se limita à prisão domiciliar. Taiguara explica que a excepcionalidade do caso — envolvendo crime contra o Estado Democrático de Direito — sustenta um papel mais ativo do STF na execução penal. “Há a possibilidade de o ministro Alexandre de Moraes ter um controle mais concreto, mais incisivo do que em outros casos”, afirma. Ele observa que o Supremo pode manter protagonismo mesmo em rotinas que, normalmente, seriam reguladas apenas pelo sistema prisional. “É possível, sim, que o Supremo avoque esse controle, dado que não se trata de um crime comum”, diz.
Na prática, tanto na Papuda quanto na prisão domiciliar, Bolsonaro deverá cumprir a pena sob vigilância judicial próxima. No regime fechado, isso pode significar restrições adicionais às visitas — especialmente as de natureza política — caso o relator considere que haja risco de articulação indevida. Já na domiciliar, o controle tende a ser ainda mais direto, com autorizações individualizadas para entrada de visitantes e regras para comunicação externa.
Bolsonaro poderá aparecer na campanha de 2026, mas com restrições do TSE
Mesmo com visitas políticas limitadas, Bolsonaro poderá continuar a influenciar a campanha de 2026 de forma indireta. O advogado eleitoral Richard Campanari explica que nada impede que sua imagem, voz ou slogans sejam usados por candidatos do PL, seguindo limites impostos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em 2018, Lula, mesmo preso, pôde aparecer na propaganda do PT, desde que não se tornasse protagonista da campanha nem gravasse novos materiais pedindo votos. O mesmo padrão deve orientar o TSE em 2026. “A legislação não proíbe, em tese, que candidatos usem sua imagem, seu nome ou seu apoio nas propagandas oficiais”, lembra Campanari.
Segundo ele, peças que confundam o eleitor, apresentem Bolsonaro como figura central ou funcionem como plataforma para contestação da Justiça tendem a ser barradas. O cenário possível é o de uma participação simbólica — slogans do tipo “o candidato de Bolsonaro”, fotos e menções — sem atuação direta do ex-presidente.
Na prática, mesmo preso, Bolsonaro deve se manter politicamente relevante, mas com limites claros impostos pela Justiça Eleitoral e pelas restrições da execução penal.











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