
Embora seja um dos casos mais graves de perseguição religiosa no mundo de hoje, a violência contra cristãos na Nigéria desperta pouca ou nenhuma atenção da grande imprensa e dos ativistas do Ocidente.
No seu relatório sobre liberdade religiosa no período 2023-2024, divulgado este, a Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, na sigla em inglês), uma fundação pontifícia da Igreja Católica, registrou uma onda de violência crescente impulsionada em grande parte por grupos terroristas islâmicos, como o Boko Haram e o Estado Islâmico da Província da África Ocidental (Iswap, na sigla em inglês), com matanças e raptos.
Entre os casos destacados pela ACN, foram duas chacinas, em 29 de maio e 23 de junho de 2023, quando pelo menos 1,1 mil cristãos, incluindo 20 pastores e sacerdotes, foram mortos por membros do grupo étnico fulani e outros que realizaram ataques coordenados no estado de Plateau.
Outra organização cristã, as Portas Abertas, colocou a Nigéria na sétima posição no seu mais recente ranking sobre perseguição religiosa pelo mundo.
“Mais cristãos são mortos por sua fé na Nigéria do que em qualquer outro lugar no mundo. Os militantes também destroem casas, igrejas e meios de subsistência, como as roças das famílias cristãs”, afirmou a organização.
Em outubro de 2024, as Portas Abertas divulgaram um caso chocante no estado de Borno, no nordeste da Nigéria, quando quatro pessoas sequestradas foram decapitadas por terroristas do Boko Haram, que divulgaram um vídeo dos assassinatos.
Nas imagens, um dos terroristas afirma que uma das pessoas a serem decapitadas era sua irmã mais nova. “Ela faz parte dos infiéis que aniquilaremos hoje”, disse.
De acordo com um parceiro local das Portas Abertas, dois dos mortos eram cristãos e um terceiro cristão foi levado como referência e obrigado a se converter ao islamismo, para se casar com um membro do Boko Haram.
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Em agosto de 2022, a organização relatou outro caso chocante, na aldeia de Angwan Aku, uma pequena comunidade agrícola predominantemente cristã no estado de Kaduna, no norte da Nigéria.
Homens armados raptaram quatro mulheres, uma de apenas 15 anos de idade. Uma das vítimas, de 25 anos, disse que os agressores lhe deram duas opções: serem estupradas ou terem entes queridos sequestrados.
Como as famílias das vítimas eram muito pobres e não tinham dinheiro para o pagamento do resgate, as mulheres foram levadas de motocicleta para a cidade de Kutura, onde foram estupradas por cinco homens antes de serem deixadas em um matagal perto de Angwan Aku.
A organização local Sociedade Internacional para as Liberdades Civis e o Estado de Direito (Intersociety) estimou que cerca de 52 mil cristãos e 34 mil muçulmanos moderados foram mortos no país africano entre 2009 e 2023. De 2015 até o ano retrasado, 18 mil igrejas foram atacadas na Nigéria, de acordo com a Intersociety.
Diante dessa violência, o Partido Republicano, que voltou à Casa Branca em janeiro, começa a exercer pressão para que medidas sejam tomadas contra essa questão.
O senador americano Ted Cruz apresentou em setembro um projeto de lei para que o governo dos Estados Unidos designasse a Nigéria como um país de preocupação especial e imposição de avaliações.
“Autoridades na Nigéria estão ignorando e até mesmo facilitando o assassinato em massa de cristãos por jihadistas islâmicos”, acusou Cruz, na postagem no X.
O porta-voz da presidência da Nigéria, Bayo Onanuga, disse que Cruz deveria parar com as “mentiras maliciosas” e “fabricadas” contra “meu país”.
Na sexta-feira (31), o presidente americano, Donald Trump, atendeu parcialmente à demanda de Cruz, ao designar a Nigéria como um país de preocupação especial devido à perseguição contra cristãos, o que abre a possibilidade de fiscalização contra o país africano.
Além dessa designação, o mandatário republicano solicita aos deputados Riley Moore e Tom Cole, este presidente da Comissão de Orçamento da Câmara, para que investiguem o assunto e apresentem um relatório.
“Os Estados Unidos não podem ficar de braços cruzados enquanto tais atrocidades acontecem na Nigéria e em consideráveis outros países. Estamos prontos, desejosos e aptos para salvar nossa grande população cristã em todo o mundo!”, disse Trump, em post na rede Truth Social.
Há uma total falta de informação sobre a Nigéria na grande mídia, diz ACN
A falta de repercussão na comunidade internacional e na imprensa a respeito da perseguição aos cristãos na Nigéria tem preocupado comunicadores e membros de organizações mais atentos ao assunto.
“A crescente tragédia na Nigéria tem atraído alguma atenção ultimamente, mas, em sua maior parte, o Ocidente tem ignorado o sofrimento dos cristãos que estão sendo massacrados em massa”, escreveu Michael Higgins, editor do jornal canadense National Post, em um artigo publicado este mês.
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Em setembro, o comediante e comentarista americano Bill Maher criticou os setores da imprensa e os ativistas que não se indignam com a violência contra os cristãos na Nigéria.
“Se você não sabe o que está apostando na Nigéria, suas fontes na imprensa são uma droga. Você está vivendo numa bolha”, disse, no seu programa de TV.
“É uma tentativa de genocídio muito maior do que o que está acontecendo na Faixa de Gaza. Eles estão literalmente tentando exterminar a população cristã de um país inteiro. Onde estão os jovens protestando contra isso?”, questionou Maher.
Em entrevista à Gazeta do PovoValter Callegari, diretor-executivo da ACN Brasil, afirmou que, em alguns poucos países, a grande imprensa dá mais destaque à perseguição contra cristãos na Nigéria – como no Reino Unido, que tem uma relação forte com o país africano (que foi colonizado pelos britânicos) devido à sua grande comunidade de imigrantes nigerianos, laços econômicos e outros fatores.
Porém, em geral, existe um apagão de informações, que os cristãos procuram reverter, enfatizou o diretor-executivo.
“Por exemplo: aconteceu um grande ataque em 13 de junho em um campo de refugiados no estado de Benue, que matou 200 pessoas; no dia 15, no Angelus, o papa Leão XIV já estava pedindo orações e que os governos dessem proteção aos cristãos”, disse Callegari.
O diretor-executivo afirmou que sites, órgãos de imprensa e organizações cristãs também buscam romper esse blecaute de informações, inclusive no Brasil.
“Nós trouxemos convidados – bispos, sacerdotes, religiosos – para relatar o que está acontecendo lá. E a gente está buscando a cada dia ser mais preciso na divulgação das informações, para evitar que haja negativas, porque todo governo vai dizer que está tudo bem, que há paz, que há harmonia, ou que o problema é localizado”, explicou Callegari, que afirmou que essa perseguição pelo mundo “nunca é exclusivamente religiosa”.
“Mesmo que há a instrumentalização, a manipulação da religião, há também problemas étnicos, políticos, geopolíticos [envolvidos]sempre tem um conjunto de outros fatores. Agora, qualquer coisa que traga luz a essa realidade, no modo de ver da ACN, é um fator positivo. Porque o que acontece hoje é uma total falta de informação na grande mídia, que não pauta isso”, enfatizou.











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