Nordeste lidera alta de Renda Domiciliar Per Capita (20,2%, 2022-24), mas com heterogeneidade e seguindo na base da distribuição. AL, PE E BA puxam avanço. Transferências sociais mantêm peso acima de 9% na renda regional em 2024.
Introdução
No período denominado como pós-pandemia (2022–2024), o Brasil passou por uma fase de recuperação econômica marcada pela retomada do emprego e crescimento dos rendimentos. Outro fato de grande relevância neste contexto é o redesenho e a ampliação dos programas de transferência de renda, como o Auxílio Brasil em 2022 e, posteriormente, o Bolsa Família.
Neste período, o Nordeste liderou o crescimento do rendimento domiciliar per capita (RDpc) no Brasil, com alta de 20,2%, ligeiramente acima do avanço registrado na região Sul (20,1%). Ainda assim, em 2024, a média nordestina correspondia a apenas 65% da média nacional, refletindo a persistência de desigualdades regionais históricas. Nesse contexto, os rendimentos do trabalho também apresentaram desempenho destacado no Nordeste, que registrou o segundo maior crescimento entre as regiões, atrás apenas do crescimento observado no Sul. Assim como no caso do RDpc, observa-se forte disparidade entre os estados: enquanto Alagoas (+24,6%), Pernambuco (+24%) e Bahia (+19,7%) apresentaram os maiores avanços do país, a Paraíba estagnou e o Ceará cresceu apenas 5,9%.
A análise da composição da renda domiciliar evidencia o papel das transferências sociais na sustentação da renda nas regiões mais pobres. Em 2024, os rendimentos provenientes de programas sociais representaram 9,4% da renda média no Nordeste — mais do que o triplo da média nacional. Esses dados sugerem que, apesar da retomada da atividade econômica, as vulnerabilidades estruturais permanecem e exigem políticas regionais específicas voltadas à ampliação da participação do trabalho e à redução da dependência dos programas de transferência de renda.
Nas seções a seguir, analisamos a evolução recente do rendimento domiciliar per capita, o comportamento do rendimento médio do trabalho e a composição da renda das famílias, destacando a participação relativa dos rendimentos do trabalho e dos programas sociais. As informações utilizadas são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), com base nos dados de rendimentos de todas as fontes declaradas pelos domicílios.
Rendimento Domiciliar per capita
As Figuras 1 e 2 apresentam, respectivamente, a evolução do rendimento domiciliar per capita (RDpc) médio — em valores reais de 2024 — no Brasil e suas regiões entre 2012 e 2024, e a taxa de crescimento no período pós-pandemia (2022–2024).
Figura 1. Rendimento domiciliar per capita médio –
Brasil e regiões (2012-2024) Valores em R$ médios de 2024.
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
No período mais recente, foco da presente análise, o RDpc médio da região Nordeste cresceu 20,2%, seguido de perto pelo Sul (+20,1%). O gráfico da Figura 2 destaca o crescimento do RDpc no período de 2022 a 2024.
Figura 2. Crescimento do rendimento domiciliar per capita médio
no período pós-pandemia – Brasil e regiões (2022-2024)
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
Apesar da expansão recente, a região Nordeste, assim como a região Norte, apresenta os menores níveis médios de renda domiciliar per capita, com valores de R$ 1.389 e R$ 1.319, respectivamente. Uma análise mais direta sobre os dados não permite verificar evidências de convergência entre as regiões. Em 2012, o rendimento médio no Nordeste correspondia a 61% da média nacional; em 2024, essa razão chegou a 65%, sinalizando um avanço relativamente modesto diante da desigualdade regional.
A Tabela 1 apresenta os valores do RDpc médio por Unidade da Federação (UF) entre 2022 e 2024, destacando a posição relativa dos estados em 2024 e suas respectivas variações no período. Os resultados revelam dinâmicas estaduais bastante distintas. Das dez UFs com menor RDpc em 2024, nove estão concentradas nas regiões Norte e Nordeste, com destaque negativo para o Maranhão (R$ 1.078) e o Ceará (R$ 1.210), nas últimas posições do ranking.
Por sua vez, os maiores crescimentos no período foram observados em Pernambuco (+32,2%), Alagoas (+31,7%) e Bahia (+23,5%), impulsionando o desempenho médio da região Nordeste. Em contraste, Ceará (+6,9%), Mato Grosso do Sul (+7,8%) e Roraima (+11,0%) apresentaram os menores avanços entre os estados.
Tabela 1. Rendimento domiciliar per capita médio – UFs (2022-2024)
Valores em R$ médios de 2024.
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
Rendimentos do Trabalho: Valor Médio e Participação no rendimento Domiciliar Per Capita
O gráfico da Figura 3 ilustra a evolução do rendimento médio do trabalho (RmT) no Brasil e nas grandes regiões entre 2012 e 2024, em valores reais. Observa-se que, ao longo de todo o período, o rendimento nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste se manteve em patamares superiores à média nacional, enquanto as regiões Norte e, sobretudo, Nordeste, apresentaram os menores valores. Uma evidência clara neste gráfico é a persistência das desigualdades regionais, que pouco se alterou no intervalo de tempo apresentado.
Outra característica que pode ser destacada é a maior sensibilidade dos rendimentos nas regiões Norte e Nordeste, que sofreram quedas mais acentuadas nos períodos de crise — como em 2015–2016 e, principalmente, durante a pandemia em 2020–2021. Em contraste, as demais regiões exibem trajetórias mais estáveis e menos sensíveis às oscilações conjunturais.
Figura 3. Rendimento médio do trabalho – Brasil e regiões (2012-2024)
Rendimento de todos os trabalhos, habitualmente recebidos, dos indivíduos com rendimentos.
Valores em R$ médios de 2024.
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
A partir de 2022, o gráfico revela uma trajetória de recuperação generalizada. Em 2024, a região Sul registrou o maior RmT entre as grandes regiões, alcançando R$ 3.697, superando o Sudeste (R$ 3.554) e o Centro-Oeste (R$ 3.445). Entre 2022 e 2024, o Sul também apresentou a maior taxa de crescimento do RmT, com alta de 15,6%, conforme destaca a Figura 4.
Figura 4. Crescimento do rendimento médio do trabalho
no período pós-pandemia – Brasil e regiões (2022-2024)
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
O rendimento do trabalho no Nordeste também avançou de forma expressiva no período, com crescimento acumulado de 14,2%, o segundo maior entre as regiões. Ainda assim, os valores médios continuam significativamente abaixo da média nacional (R$ 3.225), com o Nordeste (R$ 2.246) e o Norte (R$ 2.457) mantendo os menores níveis regionais em 2024.
A Tabela 2 que segue detalha os valores do rendimento médio do trabalho (RmT) (em R$ médios de 2024) por Unidade da Federação (UF) nos anos de 2022, 2023 e 2024, contendo também a posição relativa em 2024 e a variação percentual no período.
A Tabela 2 evidencia a forte heterogeneidade dos rendimentos do trabalho entre os estados brasileiros. Em 2024, o Maranhão registrou o menor valor (R$ 2.049), enquanto o Distrito Federal permaneceu como o maior rendimento médio do país (R$ 5.043), revelando uma diferença de mais de 2,5 vezes entre os extremos. Embora o Nordeste concentre a maioria dos estados com menores rendimentos, também abriga os maiores crescimentos proporcionais no período recente — com destaque para Alagoas (24,5%), Pernambuco (24%) e Bahia (19,7%), que lideraram a recuperação entre 2022 e 2024. Por outro lado, estados como Paraíba, que apresentou crescimento nulo, e Ceará com um crescimento muito modesto (5,9%). Essa combinação de baixo nível e baixo crescimento em alguns estados reforça um diagnóstico de vulnerabilidade estrutural do mercado de trabalho na região.
Em regiões com maior renda, o crescimento estimado foi menos intenso, mas partindo de bases mais elevadas. Entre os estados da região Sul, o crescimento do RmT é relevante e mais homogêneo. Santa Catarina e Rio Grande do Sul registraram expansão superior a 13%, enquanto o Paraná se sobressai com 19,6%. Essa performance reflete a conjugação de níveis de renda média elevados e uma retomada robusta das atividades econômicas após a pandemia.
Tabela 2. Rendimento médio do trabalho – UFs (2022-2024)
Rendimento de todos os trabalhos, habitualmente recebidos, dos indivíduos com rendimentos.
Valores em R$ médios de 2024.
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
A Figura 5 mostra a evolução da participação dos rendimentos do trabalho no rendimento domiciliar per capita (RDpc) entre 2012 e 2024, revelando padrões regionais distintos e respostas heterogêneas aos ciclos econômicos. No período analisado, a participação do trabalho na composição da renda manteve-se próxima de 75% em quase todas as regiões, com exceção do Nordeste que apresenta patamares inferiores a 70% nos últimos anos.
Figura 5. Participação percentual dos rendimentos do trabalho no rendimento domiciliar per capita médio – Brasil e regiões (2012-2024)
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
Em 2024, o Nordeste segue com a menor participação dos rendimentos do trabalho no rendimento domiciliar per capita, estimada em 67,3%. Esse percentual contrasta com os valores observados nas demais regiões do país: o Centro-Oeste lidera, com participação de 79,4%, enquanto Sul e Sudeste apresentam níveis estáveis, variando entre 76% e 77%. A região Norte, por sua vez, registra participação de 74,3%, embora apresente uma tendência de redução nos anos mais recentes.
Em perspectiva de longo prazo, observa-se um declínio na participação dos rendimentos do trabalho desde a recessão de 2015, sinalizando uma reconfiguração na composição da renda das famílias. Um ponto de inflexão particularmente importante foi o choque da pandemia em 2020, que afetou com maior intensidade as regiões Norte e Nordeste. Nessas regiões, a sensibilidade às crises se expressa em maior volatilidade dos rendimentos do trabalho, corroborando com a hipótese de fragilidades estruturais dos seus mercados de trabalho.
A Tabela 3 aprofunda a análise ao apresentar a participação dos rendimentos do trabalho no rendimento domiciliar per capita por Unidade da Federação entre 2022 e 2024. Os dados evidenciam fortes disparidades interestaduais, com valores que variam de 64,1% no Piauí (última posição) a 83,2% em Mato Grosso (primeira posição). De maneira geral, os menores percentuais de participação concentram-se nos estados das regiões Norte e, principalmente, Nordeste — com destaque para Paraíba (65,7%), Ceará (66,9%) e Maranhão (67,7%) em 2024.
Tabela 3. Participação percentual dos rendimentos do trabalho no rendimento domiciliar per capita médio – UFs (2022-2024)
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
Apesar dos baixos níveis absolutos, alguns estados nordestinos registraram avanços relevantes no período analisado. A Bahia teve o maior aumento da participação do trabalho no RDpc entre 2022 e 2024 (+3,1 p.p.), seguida por Alagoas (+2,9 p.p.) e Ceará (+2,5 p.p.), o que sugere alguma recomposição da renda do trabalho, ainda que a partir de uma base menor. Por outro lado, estados como Amapá (–3,7 p.p.), Acre (–3,4 p.p.) e Distrito Federal (–3,2 p.p.) apresentaram retrações no período, revelando dinâmicas distintas e, em alguns casos, maior peso relativo de outras fontes de renda.
Entre os estados do Sul e Sudeste, as variações foram mais modestas, refletindo a maior estabilidade estrutural dos mercados de trabalho nessas regiões. Mesmo com pequenos ganhos — como os registrados no Rio Grande do Sul (+2,0 p.p.) e Espírito Santo (+1,6 p.p.) — esses estados já partem de níveis elevados de participação do trabalho na composição da renda. O Centro-Oeste, por sua vez, manteve indicadores elevados em quase todos os estados, com exceção do Distrito Federal, cuja retração está associada ao crescimento relativo da participação de outras rendas.
Em suma, a heterogeneidade inter e intrarregional sugere que fatores estruturais (perfil setorial e grau de formalização) e a intensidade de políticas sociais e de emprego (transferências de renda, programas de qualificação e fomento setorial) moldaram trajetórias distintas na composição do rendimento domiciliar, indicando a necessidade de intervenções locais específicas para ampliar a participação do trabalho nas regiões mais vulneráveis.
Figura 6. Participação percentual dos rendimentos de programas sociais no rendimento domiciliar per capita médio – UFs (2012-2024)
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
Essas evidências, apresentadas na Tabela 4, corroboram o quadro mais amplo em que, apesar da recuperação recente da renda do trabalho — ainda que de forma desigual —, as regiões Nordeste e Norte seguem fortemente ancoradas nas políticas de transferência de renda, ao passo que Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste mantêm mercados de trabalho robustos e, portanto, menor dependência das transferências sociais.
Participação dos Rendimentos de Programas Sociais
Com a emergência da pandemia, a implementação do Auxílio Emergencial em 2020 provocou um salto expressivo na participação dos rendimentos de programas sociais na composição da renda domiciliar. Naquele ano, essa fonte de renda respondeu por 5,9% do rendimento domiciliar per capita (RDpc) no Brasil. O impacto foi ainda mais intenso nas regiões mais vulneráveis: no Nordeste, a participação atingiu 12,8%, e no Norte, 11,6%. Após a pandemia, os programas de transferência passaram por reformulações significativas, com a criação do Auxílio Brasil em 2022 e posterior continuidade com o novo Bolsa Família em 2023.
Em 2024, os rendimentos provenientes de programas sociais representaram 3,8% do valor médio do RDpc nacional, mas permaneceram em patamares elevados no Nordeste (9,4%) e no Norte (8,2%). Enquanto isso, essa proporção é de menos de 2% no Sul e Sudeste. Esse padrão reforça a centralidade das transferências na sustentação da renda nas regiões mais pobres do país.
Tabela 4. Participação percentual dos rendimentos de programas sociais no rendimento domiciliar per capita médio – UFs (2022-2024)
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE/ PNAD Contínua.
A Figura 6 mostra a trajetória da participação dos rendimentos de programas sociais no rendimento domiciliar per capita (RDpc) entre 2012 e 2024. Ao longo da série, observa-se que as regiões Nordeste e Norte mantêm participação significativamente superior à média nacional, refletindo tanto as maiores vulnerabilidades socioeconômicas quanto a maior cobertura das políticas assistenciais nessas regiões.
Em nível estadual, os dados mais recentes (2022–2024) reforçam a profunda assimetria regional já observada nas médias agregadas. No topo do ranking de 2024, figuram cinco estados nordestinos apresentam as maiores proporções dos rendimentos de programas sociais no RDpc: Maranhão (10,8%), Ceará (10,2%), Piauí (9,7%), Bahia (9,6%) e Alagoas (9,5%). Esses percentuais contrastam com os registrados nos estados do Sul e Sudeste, como Santa Catarina (1,0%), São Paulo (1,7%) e Rio Grande do Sul (2,1%), que apresentam maior peso dos rendimentos do trabalho na composição da renda familiar.
Avaliando a evolução recente, entre 2022 e 2024, observa-se que a participação dos programas sociais aumentou em quase todos os estados, com destaque para Acre (+3,1 p.p.), Amazonas (+2,7 p.p.) e Pará (+2,3 p.p.) na região Norte, e Ceará (+2,0 p.p.) e Piauí (+2,0 p.p.) no Nordeste. Esse crescimento reflete, em grande medida, o novo desenho das políticas sociais, mas também a permanência de condições de fragilidade que mantêm uma parcela significativa das famílias dependente de transferências públicas.
Comentários Finais
Em síntese, os resultados revelam um cenário de recuperação generalizada da renda no período pós-pandemia, mas marcado por fortes assimetrias regionais e estruturais. O Nordeste se destacou pelo maior crescimento do rendimento domiciliar per capita entre 2022 e 2024, impulsionado tanto pela retomada do trabalho em alguns estados quanto pela ampliação das transferências sociais. No entanto, os níveis médios de rendimento na região seguem distantes da média nacional, e a participação do trabalho na renda ainda é a mais baixa entre as grandes regiões. Estados como Alagoas, Pernambuco e Bahia protagonizaram avanços expressivos, enquanto outros, como Paraíba e Ceará, mantiveram desempenho mais modesto.
O desempenho recente dos rendimentos do trabalho foi determinante para o crescimento da renda, embora tenha se apresentado heterogêneo, não apenas entre as regiões, mas também no interior de cada uma delas. Enquanto alguns estados do Nordeste, como Alagoas, Pernambuco e Bahia, lideraram o crescimento percentual dos rendimentos médios do trabalho entre 2022 e 2024, seus níveis absolutos seguem entre os mais baixos do país. Por outro lado, estados como Ceará e Paraíba, que já apresentavam níveis baixos de rendimento, também tiveram desempenho fraco em termos de crescimento e participação, reforçando um padrão de vulnerabilidade persistente.
A análise da composição da renda domiciliar revela que as transferências públicas continuam a exercer papel central nas regiões mais vulneráveis, especialmente no Norte e Nordeste, onde superam os 9% do RDpc. Já Sul, Sudeste e Centro-Oeste mantêm mercados de trabalho mais robustos, com maior estabilidade e menor dependência de políticas assistenciais. Esses contrastes reforçam a importância de políticas regionais diferenciadas, que combinem expansão do emprego, qualificação da força de trabalho e fortalecimento de redes de proteção social voltadas à superação das desigualdades persistentes.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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